Entidade funciona no mesmo endereço que academia e operou valor milionário pago por emenda do novo “orçamento secreto”
A ONG (Organização Não Governamental), alvo do STF (Supremo Tribunal Federal) por receber quase R$ 3 milhões em emenda parlamentar do novo “orçamento secreto” para projeto de capacitação de mulheres, o Ibras (Instituto Brasileiro de Cidadania e Ação Social), tem ampla cartela de atuação.
As informações foram veiculadas pelo site Metrópoles e pelo jornal O Globo.
A ONG também foi contratada pelo governo de Roraima para realizar shows sertanejos milionários e promover ações com jovens evangélicos.
Com a movimentação de vultosas quantias advindas de emendas parlamentares de bancada estadual, a sede da ONG, porém, fica num pequeno estúdio, onde funcionam escola de judô e academia de pilates, no número 709, da Rua Amapá, na capital Boa Vista.
E o imbróglio das emendas parlamentares ao Orçamento federal, sem transparência e manipuladas, segue sob o olhar do STF, que quer corrigir essa barafunda, que compromete a execução de políticas públicas sérias, bancadas com o dinheiro do povo.
CONFUSÃO DAS EMENDAS
Em resumo, toda essa confusão criada pelo Congresso começou em 14 de agosto de 2024, quando o ministro do STF, Flávio Dino, bloqueou R$ 4,2 bilhões em emendas feitas sem transparência e rastreabilidade.
Dino é o relator do processo na Corte, que visa dar transparência a esse tipo de repasse.
Emendas de comissão e de bancadas estaduais não têm autores individuais e “substituíram” o chamado “orçamento secreto”, extinto pelo STF em 2022.
Em 3 de janeiro, Dino bloqueou o repasse de emendas à ONGs que não atendem ao critério de transparência.
O montante de R$ 2.999.855 foi enviado por meio de emenda da bancada do Tocantins, paga pelo Ministério das Mulheres, em maio de 2024.
PROJETO CONTEMPLADO
O projeto que recebeu esse valor chama-se “Mulheres que Transformam”, iniciativa do Ibras, com a pasta para “oferecer oficinas de qualificação teórica e treinamento prático”, em Palmas (TO), sobre temas como “empreendedorismo social, inteligência emocional, desenvolvimento pessoal e técnicas de beleza e maquiagem”.
O público-alvo são vítimas de violência ou em situação de vulnerabilidade social.
No cadastro na Receita Federal, o Ibras elenca ampla lista de atividades desempenhadas. A ONG faz 88 serviços, de diversas especialidades, por exemplo: alvenaria; cultivo de plantas; instrução profissional; realização de shows; aluguel de palcos; comércio varejista de antiguidades; restauração de obras; edição de livros; serviços de advocacia, engenharia e arquitetura; locação de automóveis etc.
São 3 páginas para descrever a atuação da ONG, com endereço em pequena construção, com sede dividida.
SEM A TRANSPARÊNCIA ADEQUADA
A entidade entrou no cadastro de Cepim (Entidades Privadas Sem Fins Lucrativos Impedidas) e no Ceis (Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas).
De acordo com relatório da CGU (Controladoria-Geral da União) sobre essas organizações, que mais receberam emendas, o Ibras não forneceu a transparência adequada. Ainda de acordo com o órgão, a entidade possui outros 4 empenhos milionários emitidos em dezembro de 2024. São esses:
• R$ 3 milhões em emenda do deputado Albuquerque (Republicanos-RR), pelo Ministério da Pesca, para “desenvolvimento da pesca artesanal”;
• R$ 7,6 milhões pela bancada de Roraima, pelo Ministério do Trabalho e Emprego, para “projeto de qualificação social e profissional”;
• R$ 5,5 milhões pela bancada de Roraima pelo Ministério do Trabalho e Emprego, para “projeto de qualificação social e profissional”; e
• R$ 12,6 milhões pela bancada de Roraima pelo Ministério do Trabalho e Emprego, para “projeto de qualificação social e profissional”.
SHOWS SERTANEJOS DA ONG NA MIRA DO TCE
O Ibras também entrou na mira do TCE-RR (Tribunal de Contas do Estado de Roraima) pela realização da 42ª Expoferr (Exposição-Feira Agropecuária de Roraima).
O evento do agronegócio foi realizado em novembro de 2023 e contou com shows de nomes como Wesley Safadão, Tarcísio do Acordeon e Dorgival Dantas. O valor desembolsado pelo governo estadual foi de R$ 16,9 milhões.
Na ocasião, a Corte de Contas bloqueou bens do secretário de Agricultura, Márcio Grangeiro, e da empresária Bruna Antony de Oliveira, presidente do Ibras.
Os conselheiros entenderam que houve indícios de irregularidades no valor de R$ 3,3 milhões, referentes à “liquidação e ao pagamento supostamente em duplicidade e por serviços não executados relacionados à realização da Expoferr”.
OUTRA EMPRESA
De acordo com a Corte, “a investigação aponta que a verba destinada à Expoferr foi liquidada e paga à empresa Brasil Shows e Eventos, mesmo com fortes indícios de que os serviços foram executados pelo Instituto Ibras”. Os bens do secretário e da empresária foram desbloqueados.
Bruna tinha cargo comissionado na Alerr (Assembleia Legislativa do Estado de Roraima), até março de 2023, com salário de pouco mais de R$ 3 mil. Ela foi exonerada 7 meses antes de, como presidente do Ibras, fechar o contrato para realização do evento, por quase R$ 17 milhões.
Além de fazer shows sertanejos, o Ibras também firmou contratos com o governo de Roraima para iniciativas como a formação cidadã dos membros da comunidade jovem evangélica — R$ 149 mil — e o desenvolvimento de estudo integrado para modernizar e remodelar o sistema de transporte público do Estado — R$ 2,3 milhões.
ONG PEDIU RECONSIDERAÇÃO
Ao Supremo, o Ibras pediu a liberação dos repasses à entidade, sob a alegação de “impacto negativo causado à credibilidade da instituição, os prejuízos decorrentes da paralisação na execução dos projetos e, consequentemente, os danos aos resultados que seriam entregues à sociedade”. A entidade também pede exclusão dos cadastros Cepim e Ceis.
A ONG também alegou a Dino, que “as informações foram adequadamente fornecidas” e que a realização de nova auditoria é “desnecessária”.
Bruna Antony, presidente do Ibras, explicou que organizações como a que ela comanda “desempenham um papel relevante na garantia de direitos aos cidadãos, alcançando áreas em que, muitas vezes, o poder público enfrenta dificuldades para atuar de forma isolada”.
REPASSE À UBEA LIBERADO
O ministro do STF, Flávio Dino, retirou a ONG Ubea (União Brasileira de Educação e Assistência) da lista de entidades com pagamentos de emendas parlamentares suspensos por falta de transparência. A decisão desta terça-feira (14) libera repasses à entidade.
Dino reviu a suspensão após a AGU remeter ao STF nota técnica da CGU. O documento avaliou que a Ubea, após adaptações em site oficial na internet, cumpriu requisitos de transparência.