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Carlos escapou da morte porque a família o tirou da Prevent e o removeu para outro hospital. “Vimos marcada a administração de flutamida [remédio para câncer de próstata]. E nós não havíamos assinado nenhum termo de consentimento para isso”, conta Bianca Reis, filha mais velha do químico aposentado
O escândalo envolvendo o plano de saúde Prevent Senior, acusado de prescrição em massa de remédios sem eficácia no tratamento da Covid-19, ganhou um novo capítulo com as denúncias do químico aposentado Carlos Alberto Reis, de 61 anos, beneficiário do plano há quatro anos.
Ele sobreviveu a um quadro gravíssimo da doença e a 35 dias de UTI, apesar da assistência médica e hospitalar recebida na rede credenciada da operadora.
As informações são do jornal “Folha de S.Paulo”. Segundo a reportagem, logo na primeira visita ao pronto-atendimento, Carlos voltou para casa com um “kit Covid”. Dos retornos, foi mandado para casa, com mais “kit-Covid”, mesmo quando sua tomografia indicava 50% do pulmão comprometido pela doença.
Com a evolução da doença, foi finalmente internado. Porém, enquanto os tratamentos que podiam, de fato, beneficiá-lo eram deixados de lado, foi submetido, sem consentimento, a uma terapia experimental com flutamida, medicação indicada para câncer de próstata. Também teve dados alterados em seu prontuário.
“Eles me davam kit Covid, mas não me davam oxigênio!”, contou Carlos. “Como é que eu iria melhorar se eu não conseguia nem respirar?”, questionou, relatando que ficou com sequelas graves, difíceis de dissociar do tratamento conduzido pela operadora de saúde. “Eu poderia ter morrido se não fosse a minha família”, completou.
Carlos só se lembra de trechos da história porque esteve inconsciente na maior parte dela. Entretanto, quatro meses depois de receber alta hospitalar, Reis apresenta lesões pulmonares, insuficiência renal e paralisia do braço direito. Faz fisioterapia e inalações duas vezes ao dia.
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Quando sentiu os primeiros sinais de mal-estar, no dia 9 de março, o paciente contou que foi ao pronto-socorro de uma unidade da Prevent na zona oeste de São Paulo e voltou para casa com seu “kit Covid”, mesmo antes da confirmação da doença. Começou de imediato o tratamento com remédios fornecidos pelo próprio plano.
Sua saúde piorou e ele voltou ao pronto-atendimento mais de uma vez, mas só foi internado quando a tomografia acusou 70% do pulmão comprometido. Aguardou mais de 24 horas por um leito, sentado numa cadeira do pronto-socorro. E, 12 dias depois dos primeiros sintomas, foi internado no hospital Sancta Maggiore Dubai, da Prevent Senior.
O tratamento que recebeu no hospital da operadora é relatado por ele e por familiares.
“Estava muito mal. Foi meio violento o que eu tive. Disseram que era a nova variante”, conta Carlos. “Mas me internaram e me deixaram num canto”, diz ele.
“Meu pai levou um oxímetro e um termômetro pra internação. E, como a família não podia entrar na internação por causa dos protocolos, ele mesmo checava temperatura e saturação do sangue e mandava áudios de WhatsApp pra gente com essas informações”, lembra a filha mais velha, Bianca Reis.
“Ele sempre estava com febre alta, mas o relato das equipes era de que ele não tinha febre. Ele percebeu que ocorriam erros. Foi desesperador”, conta ela.
“Quando você contrata um plano de saúde, pensa que esse plano vai fornecer o tratamento de que você precisa. Mas o hospital não nos deu opção”, afirma Bianca Reis, filha de Carlos. “A gente ficou meio em choque com essa situação toda”
“Querer respirar e não conseguir é uma coisa que machuca muito a gente”, traduz o químico aposentado. “Dá vontade de se jogar para que alguém te socorra.”
A família decidiu contratar um infectologista indicado por amigos para uma avaliação externa do quadro clínico de Carlos.
Em laudo, o médico particular descreveu ter encontrado Carlos sem monitoração, com saturação de 78% (quando o normal é acima 95%), febre, dificuldade para respirar e em “estado de consciência rebaixado”. “Sem os cuidados necessários, mesmo diante da gravidade do quadro”, concluía. Para ele, Carlos já deveria estar intubado faz tempo.
Diante da resistência do responsável imediato por Carlos, o infectologista procurou o diretor do hospital para falar do risco de morte do paciente. “Em 5 minutos, uma semi-UTI foi montada no quarto onde ele estava”, descreve o laudo médico. Naquela mesma noite, Carlos foi para a UTI.
Dias depois, ao ver resultados ruins de exames do pai pelo aplicativo da Prevent Senior, Bianca questionou o médico plantonista sobre as condutas adotadas.
Só então ela descobriu que Carlos deveria estar na posição de pronação, em que o paciente fica de barriga para baixo para melhorar a ventilação de seus pulmões. Não estava porque essa posição requer o uso de um medicamento que estava em falta, o bloqueador neuromuscular (BNM). Sem pronação, lhe disse o infectologista particular, o quadro gravíssimo não poderia ser revertido.
“Sobre a ausência do medicamento, o plantonista da Prevent disse não ter o que fazer. E falou: agora é esperar. Na hora eu pensei: ‘só se for esperar para ele morrer’. E comecei a procurar leito de UTI com o medicamento num outro hospital”, conta Bianca.
Encontrou no Hospital Israelita Albert Einstein, e recorreu à ajuda de amigos e familiares para o pagamento caução necessário a uma transferência naquelas condições.
“Quando você contrata um plano de saúde, pensa que esse plano vai fornecer o tratamento de que você precisa. Mas o hospital não nos deu opção”, afirma Bianca. “A gente ficou meio em choque com essa situação toda.”
Na madrugada do dia 31 de março, Carlos chegou ao Albert Einstein. Foi medicado e posicionado corretamente, e iniciou uma sequência de 30 dias de hemodiálise contínuos, que já deveriam ter começado na unidade da Prevent, segundo o médico informou à família.
Aos poucos, lentamente, começou a melhorar.
Quando a família teve acesso ao prontuário médico da Prevent Senior, outro susto. “Vimos marcada a administração de flutamida. E nós não havíamos assinado nenhum termo de consentimento para isso”, conta Bianca.
A flutamida não tem estudo sobre eficácia contra Covid nem indicação da Anvisa e, em 2004, já havia causado uma série de mortes por falência do fígado durante tratamento para acne em mulheres. O uso da medicação em pacientes com Covid está sendo investigado pelo Ministério Público de São Paulo.
Em nota, a Prevent Senior informa que Carlos “teve todo o suporte necessário durante seu tratamento”.