A Comissão Parlamentar de Inquérito instaurada na Câmara Municipal de São Paulo para investigar as irregularidades cometidas pela Prevent Senior no atendimento às vítimas da Covid-19 ouviu, em sessão realizada na quinta-feira (28), ex-pacientes e familiares das vítimas. Os depoentes relataram que a operadora de plano de saúde exerceu pressão psicológica para induzir e convencer as famílias a aceitarem – inclusive para àqueles que não estavam em estado terminal – a adoção de cuidados paliativos, ao invés de interná-los.
Primeiro a depor, o advogado Frederico Andrade, internado em um hospital da Prevent Senior para tratamento da doença, afirmou: “O que fizeram lá com muitas famílias que perderam seus entes queridos não tem o nome de cuidados paliativos. Tem o nome de homicídio. Homicídio doloso qualificado”, diz.
Andrade também denunciou a “oferta” por parte do hospital, do chamado “Kit Covid” – composto por medicamentos sem comprovação científica, – mesmo antes de ter o diagnóstico da doença comprovado. Ele disse afirmou ter sido medicado com flutamida (medicamento utilizado para o tratamento de próstata, e sobre qual não há eficácia científica comprovada e nem autorização por parte dos órgãos reguladores para nem sequer se faça uso experimental).
No depoimento, Andrade respaldou o que já havia denunciado ao Senado, durante a CPI da Pandemia, criada naquela Casa para investigar a conduta e omissão do governo federal no enfrentamento da Covid-19. “Até onde sei, sou um dos poucos sobreviventes em relação ao procedimento que a Prevent tinha adotado como política interna, de levar a óbito pacientes que estavam em estado grave, mas não eram terminais”, afirmou.
A pedagoga Andrea Rota, que também foi ouvida na CPI em São Paulo, relatou diversas irregularidades que teriam sido cometidas pela operadora de saúde durante o atendimento ao seu marido. Ele tinha 51 anos, era cardíaco e morreu no dia 28 de março, aos 51 anos, vítima da Covid-19, em uma unidade da operadora de saúde. Ela relatou que ele recebeu, mesmo sem realizar tomografia, a receita para aquisição do Kit Covid para tratamento em casa.
“Não fizeram tomografia. A médica disse ‘se tem barriga de porco, orelha de porco, focinho de porco, me parece porco’, referindo que aqueles sintomas eram de Covid. Fizeram o PCR e disseram que ficaria pronto em 72 horas e que ele voltasse para casa tomando o ‘kit covid’ – azitromicina, hidroxicloroquina, ivermectina.”, disse.
Com a evolução do quadro de saúde, eles retornaram à unidade e depois de muitas horas, conseguiu que Cláudio fosse internado e encaminhado para um hospital da Prevent Senior destinado ao tratamento de pacientes da Covid-19. “Ele estava largado em um quarto minúsculo, de fralda”, diz Andréa ao visitar o marido. As adequações não foram feitas nos dias posteriores.
Ela disse que chegou a filmar as condições em que seu esposo estava sendo atendido, mas seguranças do hospital detiveram o celular e quando o devolveram a gravação havia sido apagada.
Andrea relatou ainda que antes de ser intubado, Cláudio clamou para que fosse retirado do local. “Eu vou morrer. Me tira daqui, eles não sabem o que fazem”. O paciente sofria de síndrome do pânico e depressão e fazia uso de remédios controlados. O tratamento foi interrompido, o que teria agravado o seu quadro psíquico, denunciou.
Tomás Monje, outro depoente, contou que a vó, de 95 anos, faleceu após ter alta médica. Segundo ele, no atestado de óbito de Joana Navarro, de 95 anos, não constava a morte por coronavírus, mas por síndrome respiratória aguda; já no prontuário, o diagnóstico era de Covid. Joana também foi orientada pelo hospital a tomar azitromicina e corticoide por 5 dias.
Gilberto Nascimento, outro depoente, denunciou que a mãe,Terezinha de Jesus, internada na Prevent Senior, foi submetida a cuidados paliativos sem anuência da família. A médica, no entanto, segundo ele, escreveu no prontuário que a família havia concordado. A paciente faleceu em decorrência das complicações causadas pela Covid-19.
“Nos sentimos completamente enganados, […] a gente também não havia aceitado a questão dos cuidados paliativos. Ainda assim, uma médica escreveu no prontuário, de forma mentirosa, que a família tinha aceitado”, relatou Nascimento.
Último a depor, Tércio Bamonte contou a saga de seu pai, que apresentou sintomas de Covid-19 no início da pandemia, em 2020, e faleceu pouco mais de um mês após contrair a doença. Entre idas e vindas ao hospital – que incluem um teste negativo para a Covid-19, e recusa para internação, – também recebeu o receituário para o tratamento com o Kit Covid.
Ele informa ainda que dois meses após a morte do genitor, recebeu um telefonema de uma pessoa que se apresentou como representante da Secretaria Municipal de Saúde. Ela questionou o porquê de o seu pai ter sido liberado do hospital se tinha um diagnóstico positivo para Covid. “[…] a Prevent tirou de nós a possibilidade de tratamento, a possibilidade de cura”, lamenta.” Ciente de que ele tinha Covid-19, o mandou para casa. E se recusou a receber ele em outras três oportunidades de volta”, denunciou.
A CPI da Pandemia da Câmara Municipal de São Paulo, que ouviu as quatro testemunhas na sessão de quinta-feira, informou que a operadora de saúde descumpriu parte do acordo firmado com o Ministério Público no dia 22 de outubro. O TAC – Termo de Ajuste de Conduta, – requer da operadora mudanças no tratamento dos seus clientes. Entre essas, a liberação imediata dos prontuários de atendimento de seus pacientes quando solicitados por parentes diretos.
A empresa também terá que suspender o uso e recomendação do Kit Covid; o MP também requer que a operadora não volte a realizar pesquisas sem autorização dos órgãos competentes e veda a alteração do diagnósticos de pacientes.
Concluídos os depoimentos, a Comissão aprovou 11 requerimentos com pedidos de informações, convites e convocações de representantes de diferentes entidades e órgãos para prestarem esclarecimentos sobre os assuntos investigados pela CPI.
Para o presidente da CPI, vereador Antonio Donato (PT), os depoimentos foram “estarrecedores”, pois vêm acompanhados de farta documentação. “Prontuários, dos atestados de óbito, do nome dos médicos que atenderam essas vítimas”. O que, na sua avaliação. será fundamental para o andamento da CPI. “A partir de agora, a gente vai ter que ouvir os médicos, ouvir a Prevent e apurar cada fato”, ressaltou.
Já o relator, vereador Paulo Frange (PTB), que também é médico, afirmou que as denúncias feitas pelos depoentes apontam para uma mesma direção: “A falta de um protocolo de atendimento e de uma linha clara de atendimento desses pacientes”.
O uso de medicamentos não autorizados para a Covid-19 constitui outro fator a ser investigado”, explicitou.