Em visita ao Iraque – a primeira de um pontífice ao país -, o papa Francisco, que definiu sua presença ali “como um peregrino da paz”, se reuniu no sábado (6) na cidade santa xiita de Najaf com o principal líder religioso do país, o aiatolá Ali Al Sistani. A Francisco, este manifestou seu compromisso com “paz”, “segurança” e “todos os direitos constitucionais” aos cristãos no Iraque. O encontro, a portas fechadas, durou quase uma hora.
O gabinete de Al Sistani divulgou fotos do encontro entre os dois líderes religiosos, que ocorreu sem a presença da imprensa, em que Francisco, 84 anos, vestido de branco, e Al Sistani, 90 anos, de preto, são vistos em dois sofás da modesta casa do líder xiita, num gesto considerado histórico para as relações entre o Vaticano e o Islã.
Durante este encontro, segundo o comunicado, os dois chefes religiosos abordaram “os grandes desafios que a humanidade enfrenta neste momento e o papel da fé” e fizeram referência às “injustiças, assédios econômicos e deslocamentos sofridos por muitos povos” da região, “especialmente o povo palestino”.
Durante a visita de cortesia, como afirmou o diretor da Sala de Imprensa da Santa Sé, Matteo Bruni – o papa Francisco sublinhou “a importância da colaboração e da amizade entre as comunidades religiosas para que, cultivando o respeito mútuo e o diálogo, se possa contribuir para o bem do Iraque, da região, de toda a humanidade”.
O encontro – acrescentou Bruni – foi uma ocasião para o papa agradecer ao aiatolá Al Sistani “porque, junto com a comunidade xiita, diante da violência e das grandes dificuldades dos últimos anos, levantou sua voz em defesa dos mais fracos e perseguidos, afirmando a sacralidade da vida humana e a importância da unidade do povo iraquiano”.
O comunicado do gabinete do grande aiatolá concluiu, afirmando que Sistani “desejou todo bem e felicidade ao Sumo Pontífice, aos seguidores da Igreja Católica e ao público em geral, agradecendo a ele ter insistido em ir a Najaf, para fazer esta visita”.
COMUNIDADE MILENAR
A milenar comunidade cristã iraquiana encolheu de 1,5 milhão, antes da invasão norte-americana de 2003, para cerca de 300 mil, se tanto, hoje. Os cristãos remanescentes se queixam regularmente de não serem apoiados pelo Estado perante milicianos que tomam as suas casas ou terras e denunciam falta de acesso aos empregos. Nos anos do Iraque soberano, o segundo mais importante líder iraquiano era um cristão, Tareq Aziz.
Um dos países mais avançados do Oriente Médio, o Iraque foi devastado pela ocupação norte-americana. Realizada sob a mentira das “armas de destruição em massa”, a invasão enforcou o presidente Saddam, impôs uma constituição escrita em Washington, a divisão do país por linhas sectárias e escancarou as portas ao terrorismo da Al Qaeda e, em seguida, ao do Estado Islâmico (EI). Mais de um milhão de iraquianos foram mortos e milhões se refugiaram em outros países.
Após o encontro com Sistani, o papa foi a Ur, no sul do Iraque, cidade natal de Abraão, o profeta de três religiões, o cristianismo, o islamismo e o judaísmo. Lá ele orou por “liberdade” e “unidade” para o martirizado país, e pediu o fim das guerras e do terrorismo.
Em uma reiteração de sua mensagem ecumênica, o papa Francisco fez questão de rezar com dignitários yazidis – uma pequena minoria do Iraque massacrada sob o jugo dos terroristas do EI –, com muçulmanos xiitas e sunitas e também com representantes das milenares comunidades de sabeus e zoroastristas. “O terrorismo trai a religião”, condenou. Como já havia feito no Marrocos, outro país muçulmano que visitou, Francisco pediu “liberdade de consciência e liberdade religiosa”, que chamou de “direitos fundamentais”.
PRIMEIRA MISSA
Em Bagdá, capital do Iraque, o papa Francisco celebrou a sua primeira missa pública de rito oriental no Iraque perante uma pequena assembleia – 180 fiéis – devido à pandemia de covid-19. A missa, com a presença do presidente iraquiano Barham Salih, ocorreu na Igreja de São José, na área central. A missa foi falada em árabe, em aramaico, curdo e turcomano, bem como o italiano.
No domingo, o papa visita três cidades em menos de 10 horas. Viajará à destruída Mosul, onde o Estado Islâmico proclamou o seu “califado”, em 2014, a Qaraqosh, a maior cidade cristã do Iraque, e a Erbil, a capital do Curdistão, onde celebrará uma missa para 10.000 fiéis.