O general da reserva Paulo Chagas, ex-apoiador do governo Bolsonaro, disse que é “um absurdo” Jair Bolsonaro ter chamado de “mimimi” a morte de mais de 260 mil pessoas por Covid-19 no Brasil.
“Um absurdo que o presidente venha ‘mimizar’ um problema como esse, que está mais do que caracterizado no mundo inteiro que é gravíssimo”, disse Chagas em entrevista ao Estadão.
“Ele chega e diz que não é nada, “é mimimi, vamos acabar com a frescura”. Não é esse o papel dele, ele não tem que ter posição radical. Tem que ter uma posição conciliadora, uma posição científica, ouvir as pessoas que sabem, cientistas, médicos. Esse é um problema de saúde, não é um problema político, nem um problema econômico”, defendeu o general.
Paulo Chagas foi apoiador de Jair Bolsonaro nas eleições de 2018 e até se candidatou ao governo do Distrito Federal, no mesmo ano. As posições do governo durante a pandemia e a corrupção praticada pelos filhos de Jair Bolsonaro o levaram a se afastar e até cogitar impeachment.
Para o general, o governo Bolsonaro tem errado desde o começo da pandemia porque “não quis assumir a coordenação nacional da crise, traçar um plano e seguir esse planejamento”.
“O presidente negou, [adotou] o negacionismo, ‘é uma gripezinha’, deixou passar, as coisas foram se agravando. Os prefeitos e governadores foram sendo cobrados, vendo as pessoas ficarem doentes, morrendo. Cada um tomou um rumo. Agora, a gente vê uma tentativa para assumir o controle, mas a impressão que tenho é que é tarde”, avaliou.
“Ele precisa de uma dose de humildade muito grande para admitir que se equivocou, que deveria ter feito e não fez. Estamos vendo hoje de que o fato era grave, jamais foi uma gripezinha”, considerou.
Chagas defendeu a vacinação contra a Covid-19 e criticou a atuação do governo. “As pessoas têm que entender que, se você está vacinado, não está transmitindo o vírus para ninguém. Agora, não pode ser obrigado. Eu julgo que todos deveriam se vacinar, mas não pode obrigar. O governo tem que estimular as pessoas, mostrar por que todos devem se vacinar”.
O general Paulo Chagas defendeu que o governo federal deveria ter preparado o país para as medidas de isolamento social, defendidas pelos especialistas em saúde e infectologia, para salvar vidas e ser possível retomar a economia com mais rápido. “Primeiro tem que resolver o problema da saúde. Estruturar o País para a pior hipótese. Depois que a parte da saúde estiver sendo controlada, vai abrindo a parte da economia”.
Chagas afirmou que as críticas de Bolsonaro à quarentena não tem nenhum fundamento. “É uma crítica que ele tira intuitivamente não sei de onde. Não podemos ser governados por intuição, temos que ser governados racionalmente”, disse.
CORRUPÇÃO
O general da reserva disse que Jair Bolsonaro está deslumbrado com o poder e se comporta “pensando que é mais do que é na verdade”.
Chagas citou a investigação sobre a rachadinha que o senador Flávio Bolsonaro, filho de Jair, mantinha em seu gabinete na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).
“Veja esse negócio da rachadinha. Fica bem claro que está querendo esconder. O que falta é humildade. O ser humano é falho, se tivesse desde o início falado desse negócio e deixado que a Justiça tomasse conta. Não, fica tentando negar uma coisa que é evidente. É só uma questão de tempo para provar, e ele colocando obstáculos na comprovação disso vai prejudicá-lo muito mais. Tudo que ele falou vai por água abaixo quando a polícia chegar à conclusão”.
“Mais cedo ou mais tarde” a condenação de Flávio acontecerá, disse. “O empenho [de Bolsonaro] é que seja mais tarde, mas não tenho dúvida que isso vai aparecer. Mesmo sendo o mais bolsonarista dos bolsonaristas, você não pode admitir um crime para beneficiar quem quer que seja. É imoral”.
EXÉRCITO NÃO APOIA GOLPE
Ainda durante a entrevista, Paulo Chagas afirmou que “há a ilusão de que os militares vão apoiar um golpe, é uma ilusão.
Bolsonaro “inclusive procura passar essa imagem, de que os militares estão do lado dele. Sim, estão do lado dele tanto quanto estiveram do lado da Dilma, do Lula e de todos os presidentes”.
Chagas acredita que, na verdade, a própria composição do governo se divide em relação às intenções golpistas de Bolsonaro. “Dentro do Palácio, tem duas assessorias: uma racional e outra fanática e irracional. O chamado ‘gabinete do ódio’ ele não pode ouvir, vão dizer ‘fecha tudo’”.
Chagas admitiu que acreditava que Jair Bolsonaro iria mudar sua maneira de se comportar – “as atitudes mais intempestivas”, depois que fosse eleito presidente.
“Eu acho o fim da picada, no século XXI, a gente ainda achar que existem pessoas que são enviadas de Deus e são tratadas como mito. Mito pode também ser chamado de mentira, de ilusão. Desde o início me manifestei contra, o presidente não devia estimular isso, porque é um presidente, não um milagreiro”, criticou.
“À medida que as coisas foram perdendo o rumo, e a própria personalidade do presidente foi tomando conta dele, aí começou a crítica. Se você começa de uma forma mais sutil e não surte efeito, vai aumentando até chegar uma hora em que você perde a censura. Acho que é a fase em que estou entrando agora”.
Em seu Twitter, Paulo Chagas disse que “há quem diga que não devo criticar o presidente Bolsonaro porque não temos outro capaz de liderar a direita”.
“Ora, se entre 200 milhões de brasileiros só encontramos um narcisista deslumbrado, trapalhão e que não cumpre o que promete para nos liderar, é porque a direita não está preparada para mudar o Brasil!”.
Ele também reconhece que há desconforto entre os militares com a presença do general Eduardo Pazuello no governo mesmo estando na ativa. “Há sim. Ainda mais o Pazuello, que está no final da carreira, já atingiu o último posto. Era natural que ele, ao ser ministro, que é muito mais do que general de divisão, passasse para a reserva, como fez o Ramos (Luiz Eduardo Ramos, ministro-chefe da Secretaria de Governo). É um desconforto porque isso está ligado àquela tentativa do presidente de associar Forças Armadas ao governo dele, como se ele tivesse apoiado institucionalmente. As Forças Armadas, como instituição, fazem o que está na Constituição”, argumentou.
Mesmo crítico de Bolsonaro, o general se equivoca quando acha que “o STF está saindo dos limites dele”, quando é papel do Supremo zelar pela Constituição, impedir os ataques e a desmoralização da Carta e a tentativa de desacreditar as instituições, como Bolsonaro e os bolsonaristas fazem persistentemente.