Após repercussão negativa, que desgastou Bolsonaro, o GSI voltou atrás no escandaloso sigilo decretado sobre as visitas dos pastores e divulgou a lista
O governo recuou e divulgou a lista dos encontros entre Jair Bolsonaro (PL) e os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura, que pediam propina para liberar verbas do Ministério da Educação às prefeituras.
O pastor Arilton Moura Correia esteve 35 vezes no Palácio do Planalto desde 2019, no início do governo Bolsonaro, enquanto o pastor Gilmar Silva dos Santos esteve outras 10 vezes no mesmo período, juntamente com Arilton.
Os dois estão sendo investigados pela Polícia Federal.
Isso aconteceu um dia após o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), do Palácio do Planalto, dirigido por Augusto Heleno, decretar sigilo sobre a lista dos encontros. Em documento divulgado na noite de quinta-feira (14), o GSI revelou as datas e horários das visitas dos pastores ao Palácio do Planalto, desde 2019.
Em 2019, Arilton esteve reunido com membros do Planalto, 27 vezes. Em 2020, uma vez; em 2021, cinco; em 2022, duas. Já Gilmar, compareceu ao local em 2019, seis vezes; em 2020, uma vez; em 2021, duas vezes e em 2022, uma vez. Quase sempre, os dois estavam no prédio no mesmo horário.
A lista foi divulgada pelo jornal O Globo, que pediu, por meio da Lei de Acesso à Informação, a relação das entradas e saídas dos pastores no Palácio do Planalto. O GSI negou acesso às informações e afirmou que a solicitação “não poderá ser atendida”, pois a divulgação da lista poderia colocar em risco a vida do presidente da República e de seus familiares.
O jornal O Estado de S. Paulo revelou que, mesmo sem cargo oficial no MEC, os pastores Arilton e Gilmar Silva dos Santos comandavam uma espécie de “gabinete paralelo” no ministério.
Veja aqui a lista das visitas: https://pt.scribd.com/document/569934310/Lista-GSI#download&from_embed
Eles atuaram facilitando o acesso de outras pessoas ao então ministro Milton Ribeiro e até participando de reuniões fechadas onde eram discutidas prioridades da pasta e até distribuição de recursos da área de Educação.
PARTIDOS
Segundo relatos de prefeitos, os pastores pediam propina até em barra de ouro para liberar verbas do ministério para as prefeituras. Quem não pagava, ficava sem os recursos do MEC.
O recuo do GSI se deu após reação de parlamentares e da má repercussão do escandaloso sigilo decretado pelo órgão. Não adiantou tentar esconder a intimidade dos pastores corruptos com o Planalto.
O PDT entrou com uma representação no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo que o Planalto fosse obrigado a revelar dados de visitas de pastores ao Palácio do Planalto.
O sigilo imposto pelo Planalto entrou em conflito até mesmo com decisões da Controladoria Geral da União (CGU), órgão de fiscalização do próprio governo.
Parecer da CGU de 7 de maio de 2021, em resposta a um pedido semelhante, dizia que “os registros de ingresso de pessoas, nos órgãos públicos têm também um papel relevante no controle social, pois os dados têm o potencial de indicar os contatos e as agendas das autoridades públicas, bem como de prevenir eventual conflito de interesse”.
O PSB também foi ao STF e o PSOL pediu a convocação de Augusto Heleno para se explicar na Câmara dos Deputados.
Os deputados Marcelo Freixo (PSB-RJ) e Orlando Silva (PCdoB-SP) acionaram a Procuradoria-Geral da República (PGR) questionando a medida do GSI.
CORRUPÇÃO
O escândalo começou com o vazamento de um áudio com a fala do então ministro Milton Ribeiro revelando que os pastores eram favorecidos por um “pedido especial” de Bolsonaro. “Foi um pedido especial que o presidente da República fez para mim sobre a questão do [pastor] Gilmar”, diz o ministro na reunião com prefeitos, que ocorreu dentro da pasta. Ribeiro tentou negar a atuação ilegal dos pastores, mas, logo em seguida surgiram as denúncias dos prefeitos sobre os pedidos de propina. O ministro caiu logo depois disso.
Dez prefeitos relataram a presença dos pastores nas reuniões para definir a liberação das verbas do FNDE. Segundo os prefeitos, eram eles que mandavam nas verbas. Três prefeitos denunciaram formalmente a cobrança de propina pelos dois pastores.
O prefeito de Luís Domingues (MA), Gilberto Braga, contou que Arilton pediu R$ 15 mil para que a demanda fosse registrada no Ministério da Educação e um quilo de ouro, que vale mais de R$ 300 mil, para que a verba fosse destinada para sua cidade. “Ele [Arilton] disse que tinha que ver a nossa demanda, de R$ 10 milhões ou mais, tinha que dar R$ 15 mil para ele só protocolar [a demanda no MEC]. E, na hora que o dinheiro já estivesse empenhado, era para dar um tanto, X. Para mim, como a minha região era área de mineração, ele pediu 1 quilo de ouro”.
O prefeito de Bonfinópolis (GO), Kelton Pinheiro, relatou que o pastor Arilton disse que faria um “desconto” na propina. “(Arilton) falou: ‘vou lhe fazer por R$ 15 mil porque você foi indicado pelo pastor Gilmar, que é meu amigo. Pros outros aqui, o que eu estou cobrando aqui é R$ 30 mil’”, disse.
Kelton Pinheiro contou ao Estadão que Arilton Moura também propôs ainda uma contribuição para a igreja. “Se você quiser contribuir com a minha igreja, que eu estou construindo, faz uma oferta para mim, uma oferta para a igreja. Você vai comprar mil bíblias, no valor de R$ 50, e você vai distribuir essas bíblias lá na sua cidade. Esse recurso eu quero usar para a construção da igreja”, disse o pastor, segundo o prefeito. “Fazendo isso, você vai me ajudar também a conseguir um recurso para você no Ministério.”
Kelton prosseguiu: “ele sentou do meu lado, em um dos lados da mesa e falou: ‘olha prefeito, eu vou ser direto com você. Tem lá um recurso para liberar com ministro, mas eu preciso de R$15 mil hoje’”, afirmou Arilton Moura, segundo o prefeito. “O discurso dele que ainda me deixou mais chateado foi: ‘eu preciso desse pagamento hoje, porque vocês políticos não têm palavra, vocês não cumprem com o que prometem. Depois eu coloco o recurso para você lá e você nem me paga’”.
Relacionadas: