“A partir da promulgação desta PEC muitos estados sentirão a queda da qualidade não só na segurança pública, mas na saúde que também é atingida, na educação que também é atingida. Essa PEC é uma granada no bolso de todos, não só da segurança pública”, afirmou Gutierrez
Em entrevista coletiva, nesta quarta-feira (10), as entidades da área de Segurança Pública que compõem a União dos Policiais do Brasil (UPB) afirmaram que, com a PEC Emergencial (PEC 186/19), o governo Bolsonaro vai provocar um “lockdown” nos serviços públicos, acabando com a oferta desses serviços à população.
“Essa PEC promove um lockdown no serviço público, notadamente o ‘lockdown’ da segurança pública. Isso vai acontecer, tenho certeza, porque o efetivo está baixo e estamos fazendo concurso público, necessitando de reposição de efetivo. Isso aliado à falta de reposição inflacionária nos salários, porque é balela isso que o governo está falando de que a gente recebe reposição inflacionária. Tem estado que não recebe reposição há 6 anos. É uma balela, uma mentira muito mal contada”, afirmou André Luiz Gutierrez, presidente da Confederação Brasileira de Trabalhadores Policiais Civis (Cobrapol).
Um dos argumentos mais repetidos pela equipe de Bolsonaro para justificar o ataque aos servidores é de que estes são “privilegiados” e gozam de salários “exorbitantes”.
“A narrativa do governo de que há aumento real no último período soa como piada para nós, soa como uma bravata, como uma ofensa, porque nossos salários não têm nenhuma reposição desde 2016. No ano passado tivemos a Lei Complementar 173 aprovada e nós ficamos também com o salário congelado. Entendemos que durante a pandemia essas medidas são proporcionais e necessárias, mas o que não é proporcional é colocar no texto da Constituição o congelamento de contratações, de investimentos na Polícia Federal, de salário e de carreiras durante 15 anos”, disse o presidente da Associação Nacional de Delegados de Polícia Federal (ADPF), Edvandir Paiva.
Lembrando a reunião ministerial em que o ministro Paulo Guedes afirma que o governo já colocou a granada no bolso dos servidores, Gutierrez afirma que essa granada vai afetar todo o povo brasileiro.
“Colocaram não uma, mas várias granadas no bolso do servidor público, principalmente no da segurança pública. O efetivo hoje já é baixo, então como proibir contratações? Durante todo esse período essas granadas vão explodir e quem sentirá as consequências dessas granadas são os brasileiros. A partir da promulgação desta PEC muitos estados já vão poder aplicar. Sentirão a queda da qualidade não só na segurança pública, mas na saúde que também é atingida, na educação que também é atingida. Essa PEC é uma granada no bolso de todos, não só da segurança pública”, afirmou Gutierrez
O governo Bolsonaro tem usado a necessidade de se continuar o auxílio emergencial para atender às pessoas mais vulneráveis na pandemia para aprovar medidas que vão degradar os serviços públicos do país. Como afirmou o governador do Maranhão, Flávio Dino, o governo fez o auxílio emergencial de refém e só está disposto a liberá-lo se forem destruídos os serviços públicos e os servidores pilhados.
“Usaram essa PEC da chantagem, embutindo nela essas maldades para que os deputados fossem forçados a votar a favor em função das quatro parcelas de R$ 250 ao cidadão brasileiro. A meu ver, é outro desrespeito, R$ 250 servem para quê? Compram 4 cestas básicas? Não, e nem é todo mundo que vai receber esses R$ 250. Então, são três desrespeitos: desrespeito com o cidadão com um valor ínfimo de auxílio emergencial; desrespeito com os deputados, porque muitos, através dessa chantagem, tiveram que votar e desrespeito com o servidor público que vai perder a condição de servir quem a temos que servir, o cidadão”, denunciou Gutierrez.
“Olha o absurdo que o governo e seus parlamentares apoiadores estão construindo! Não existe outra fonte de recursos, de dinheiro nesse país, a não ser o dinheiro dos servidores públicos. Nós seremos novamente, agora pela terceira vez, o alvo dessas medidas pensadas, criadas por esse grupo que compõe o Ministério da Economia e, pasmem, aceitas por esse presidente que, além de ser ex-militar, tem um filho que é policial federal. Um conjunto de discurso e não realização do que prometeu, atingindo vários que inclusive o apoiaram e que estão se tornando alvo. O maior alvo no final disso tudo vai ser a sociedade brasileira”, denunciou o presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef), Luciano Boudens.
“Uma pequena parte dessa PEC fala sobre o auxílio, a maior parte dela fala sobre uma reforma administrativa oculta, que para nós não tem nada de oculta porque abala nossa vida, abala nossas famílias, abala nossas perspectivas de trabalho daqui a alguns anos”, continuou Boudens.
Os policiais denunciaram também a campanha para demonizar os servidores e atribuir-lhes os problemas provocados pela falta de investimento do governo Bolsonaro.
“A sociedade está sendo manipulada, sendo direcionada a uma compreensão errada sobre o servidor público. O governo iniciou prometendo o fortalecimento do Estado, inclusive de suas forças de segurança pública e o que estamos vendo são ataques sequenciados e direcionados ao grupo que o governo prometeu atenção maior para se ter esse Estado que ele prometeu desde a campanha, aliás”, disse Boudens.
“É um governo que promete o fortalecimento e todas as suas atitudes vão na contramão desse fortalecimento. Então o brasileiro comum, os trabalhadores deste país, as pessoas de bem têm que saber que o servidor público não é culpado do que está acontecendo”, denunciou o presidente da Fenapef.
A UPB é formada por ao menos 24 instituições da área da segurança pública, contudo, na entrevista coletiva, os representantes das entidades não se limitaram a defender apenas a Segurança Pública.
“Não existe um Estado forte com sua polícia, com sua segurança pública desmotivada, assim como não existe Estado forte com o grupo de servidores da saúde sendo destratados, sendo abandonados nos hospitais brasileiros. Assim como não existe Estado forte com sua educação abalada, sem que haja um projeto sequer para a educação básica, ensino médio e de graduação”, ressaltou Boudens.
“O governo aproveitou da necessidade da população brasileira, a qual somos solidários, para colocar o servidor público e, notadamente, os policiais federais como moeda de troca, como o bode expiatório”, afirmou Edvandir Paiva.
Estelionato eleitoral de Bolsonaro
As entidades que compõem a UPB denunciaram, ainda, o estelionato eleitoral de Bolsonaro que foi eleito sob a bandeira de fortalecer e valorizar a Segurança Pública, mas tem atacado sistematicamente suas instituições e culpado os servidores pela degradação dos serviços prestados à população.
Rafael Sampaio, presidente da Associação Nacional dos Delegados da Polícia Judiciária (ADPJ), ressaltou que “esse governo foi eleito sob a bandeira da segurança pública, mas não vimos até agora por parte desse governo a apresentação de nenhum projeto em prol da segurança pública.”
“Os policiais, que acreditaram tanto que seriam finalmente respeitados, finalmente valorizados por um governo, estão profundamente decepcionados, estão completamente desmotivados e pensando o que será da segurança pública durante esses 15 anos”, disse Edvandir Paiva.
“O congelamento das contratações, de realização de concursos públicos vai resultar, na prática, na degradação dos serviços públicos e principalmente na degradação da prestação dos serviços de segurança pública para a sociedade brasileira”, completou Marcelo Azevedo, vice-presidente da Federação Nacional dos Policiais Rodoviários Federais (FenaPRF).
Policiais na linha de frente durante a pandemia
A UPB também enfatizou a importância dos agentes de segurança pública nesse momento de pandemia em que os crimes não “entraram em lockdown”, sendo que alguns em especial chegaram a aumentar no período de quarentena, como é o caso da violência doméstica.
“O crime não faz ‘lockdown’, o crime não faz home office, a gente continua atendendo locais de homicídios, locais de acidente de trânsito, a gente continua atendendo no IML [Instituto Médico Legal] vítimas de violência doméstica, de agressões físicas. Da rede ostensiva até os agentes penitenciários, ninguém dessa rede pode parar porque tudo isso continua acontecendo e não faz nenhum sentido penalizar o servidor e a sociedade proibindo contratações, proibindo progressão de carreira, que são os meios para que o servidor evolua na carreira e libere vaga para a nomeação de novos servidores”, disse Leandro Lima, presidente da Associação Brasileira de Criminalística (ABC).
“Todos os dias os agentes da segurança pública estão saindo às ruas colocando sua saúde em risco, colando suas famílias em risco, os números demonstram os índices de contaminação bem superiores à média da população brasileira. Na Polícia Rodoviária Federal, os índices demonstram, é três vezes superior ao índice médio da população, mais de 15% dos policiais rodoviários federais já foram contaminados pelo novo coronavírus, alguns faleceram”, explicou Marcelo.
Edvandir Paiva lembrou da importância dos Policiais Federais no combate ao desvio de recursos públicos para o enfrentamento à pandemia do novo coronavírus.
“Os profissionais da segurança pública estão na linha de frente da proteção da sociedade. Nós estamos ombreados à população nesse momento dramático que vive o país. Estamos trabalhando desde o início da pandemia. A Polícia Federal realizou 6680 operações em 2020. Durante a pandemia, a PF recuperou R$ 9,6 bilhões em apreensões de valores e bens da criminalidade. Notadamente de desvio de recursos aplicados durante a pandemia. Só da corrupção foram recuperados R$6 bilhões em 2020”, afirmou.
“Servidor público não tem que servir ao governo, tem que servir ao cidadão que já reclama da falta de qualidade de alguns setores. Agora a segurança pública entrou nisso daí. Essa PEC decreta o ‘lockdown’ da segurança pública e a categoria vai reagir, da maneira que for legal. Os policiais civis estão revoltados e indignados. Os brasileiros necessitados merecem muito mais que os R$ 250 e os servidores públicos merecem estar fora dessa PEC no sentido de poder continuar podendo ter efetivo, tendo valorização e continuar servindo o cidadão, que é nosso consumidor final”, defendeu Gutierrez.
“Nosso convite hoje para esses brasileiros e para os policiais que compõem nossas carreiras e que não acordaram para o que está acontecendo com os servidores, acorde, porque [o governo] está se fazendo um discurso público, mas nos bastidores estão acontecendo coisas totalmente opostas e que vão abalar e muito nossas carreiras, nossos trabalhos e o funcionamento dos nossos órgãos. O Estado vai sair dessa reforma, ao contrário do que o governo prega, mais enfraquecido, porque está enfraquecendo seu componente mais importante que é seu elemento humano”, concluiu Boudens.