Fabrício Queiroz, assessor de então deputado Flávio Bolsonaro, desviou dinheiro da Assembleia Legislativa do Rio e depositou R$ 89 mil na conta da primeira-dama Michelle Bolsonaro
A Procuradoria-Geral da República (PGR) enviou parecer ao Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a rejeição da ação movida pelo Ministério Público do Rio contra a decisão que concedeu foro privilegiado ao senador Flávio Bolsonaro e transferiu a investigação do caso Queiroz para o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ), onde os deputados fluminenses são julgados.
A posição da PGR é contrária ao que pensa o próprio STF, que restringiu o alcance do foro privilegiado. Tanto Flávio quanto Jair Bolsonaro sempre foram extremamente críticos ao instituto do foro privilegiado. Diziam que era um “instrumento criado para proteger corruptos”. Agora, se apegam a ele como forma de escapar das investigações conduzidas pelo juiz Flávio Itabaiana, titular da 27ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.
A gota d’água para a ofensiva da família Bolsonaro contra o juiz Itabaiana foi a decretação da prisão do ex-assessor de Flávio, Fabrício Queiroz e de sua mulher, Márcia Oliveira, acusados de ameaçar testemunhas, destruir provas e obstruir a ação da Justiça no caso da lavagem de dinheiro no gabinete de Flávio, quando este era deputado estadual. Queiroz chegou a levar uma funcionária fantasma, Luiza Sousa Paes, que devolvia dinheiro para o deputado, para assinar uma folha de ponto de dois anos antes para apagar provas.
A apreensão de um telefone e de um caderno de anotações de Márcia Oliveira deu à polícia a certeza de que o casal estava trabalhando freneticamente para obstruir a Justiça. Além dos detalhes sobre o esconderijo deles na casa de Frederick Wassef, em Atibaia, as conversas mostraram também que Queiroz mandou Raimunda Veras Magalhães, mãe do miliciano Adriano da Nóbrega, funcionária fantasma junto com a ex-esposa do pistoleiro, Danielle Nóbrega, fugir do Rio de Janeiro para não depor no Ministério Público sobre sua participação no esquema. A polícia descobriu que ela foi se esconder na cidade mineira de Astolfo Dutra.
Outra consequência das investigações conduzidas pelo juiz Flávio Itabaiana foi a quebra de dezenas de sigilos bancários dos participantes da lavagem de dinheiro no gabinete do filho do presidente. Entre outras coisas descobriu-se que Fabrício Queiroz, que movimentou R$ 7 milhões em sua conta entre 2014 e 2017, depositou 21 cheques na conta da primeira-dama, Michelle Bolsonaro, no valor total de R$ 72 mil que, acrescido do depósito de Márcia de mais R$ 17 mil, perfazem um total de R$ 89 mil. São estes R$ 89 mil que estão fazendo Bolsonaro perder a cabeça quando é perguntado sobre por que Queiroz fez esses depósitos.
No documento, o vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, defende que quando o Supremo delimitou a questão do foro privilegiado “ficaram a descoberto diversas situações fáticas não pensadas e não contempladas no caso então em exame’, entre elas a de parlamentares eleitos de maneira ininterrupta e para casas legislativas diversas. É o caso de Flávio Bolsonaro, que emendou o mandato de deputado estadual com o de senador.
A Procuradoria destaca ainda que não há “efeito vinculante” na decisão do STF que restringiu o alcance do foro privilegiado. “A decisão, com efeito, não foi proferida em sede de controle concentrado. Não vincula os demais órgãos do Poder Judiciário. Não há efeito vinculante em julgamento proferido no bojo de uma ação penal, cujo desfecho limita-se a condenar ou absolver. A questão de ordem, a seu turno, é de índole endógena, não sendo possível atribuir-lhe efeito vinculante”, registra o documento.
Em outro trecho do documento, Humberto Jacques de Medeiros ainda faz referência ao fato de que o Ministério Público do Rio perdeu o prazo para apresentar recurso à decisão da 3ª Câmara Criminal que garantir foro a Flávio. “Aconteceu o trânsito em julgado. Noutros termos, reclamante e reclamado concordaram com o acerto da decisão monocrática, mesmo tendo a possibilidade de um reexame mediante a interposição de recurso. Aceitaram o trânsito em julgado da decisão que firmava a ausência de competência do Supremo Tribunal Federal para julgar a reclamação”, afirmou o vice-procurador-geral no parecer enviado ao Supremo.
A ação do MP fluminense foi distribuída a Gilmar Mendes “por prevenção”, ou seja, não foi sorteada livremente entre os ministros do tribunal. O processo foi encaminhado diretamente ao magistrado porque ele já é relator de uma outra ação, movida pela defesa de Flávio, no âmbito das mesmas investigações. O ministro deve levar o caso para Segunda Turma do STF.
Em 2018, o Supremo decidiu que o foro privilegiado só vale para crimes cometidos no exercício do mandato e em função do cargo. A situação do filho do presidente Jair Bolsonaro não se enquadra nesses novos critérios, porque os fatos apurados não dizem respeito a suspeitas envolvendo seu atual cargo, mas, sim, a seu gabinete na época em que ele era deputado estadual no Rio. Em junho, o ministro Marco Aurélio Mello disse que a decisão da Justiça do Rio “desrespeitou, de forma escancarada” o entendimento do STF sobre o alcance do foro privilegiado.