Esquema também era utilizado para lavar dinheiro das milícias
A Polícia Civil do Rio de Janeiro desencadeou nesta quinta-feira (23) a Operação Blood Money (Dinheiro Sangrento, na tradução) contra a milícia que age na Muzema e em Rio das Pedras, na Zona Oeste do Rio, e prendeu 15 pessoas.
Os alvos são responsáveis por lavar o dinheiro das atividades criminosas de paramilitares e, segundo as investigações, passaram a investir em bitcoins.
Agentes saíram para cumprir, no total, 23 mandados de prisão temporária e 63 de busca e apreensão. As investigações indicaram que a quadrilha ocultava os valores apurados em negócios ilícitos se utilizando de “laranjas” à frente de empresas, algumas de “fachada”, sobretudo no ramo da construção.
Dois dos envolvidos, o casal Cintia Bernardo da Silva e Rafael Gomes da Costa, segundo o relatório, foram também alvo das investigações sobre o desabamento de dois prédios na Muzema, que causaram a morte de 24 pessoas em abril de 2019.
“Um relatório de Inteligência Financeira apontou vultuosas movimentações praticadas por pessoas físicas e jurídicas, usadas na engrenagem criminosa, em curtíssimo período de tempo”, afirmou a polícia.
Em um condomínio de luxo na Barra da Tijuca, uma equipe prendeu Luiz Carlos dos Reis Príncipe Júnior e Clébia Conserva Barros Gondim, apontados como donos da construtora dos prédios que desabaram na Muzema, em abril de 2019, matando 24 pessoas.
Um dos alvos, Laerte Silva de Lima, apontado como braço armado da milícia, movimentou em cinco meses aproximadamente R$ 900 mil. Ele já estava encarcerado desde a primeira Operação Intocáveis, em abril de 2019.
Laerte atuava na milícia comandada pelo ex-capitão do Bope, Adriano da Nóbrega, que foi morto na Bahia, no ano passado. Adriano também era chefe do grupo de matadores de aluguel “Escritório do Crime”. A mãe e a esposa de Adriano foram funcionárias do escritório do filho de Jair Bolsonaro, Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), quando ele era deputado.
Segundo o relatório das investigações da 18ª DP, Laerte encabeçava as transações ilegais ao lado de Francisco das Chagas de Brito Castro. Além da ligação com o Adriano na Nóbrega, a quadrilha também estava envolvida com o major Ronald Paulo Alves Pereira, o major Ronald, outro acusado de liderar a milícia da região. A polícia afirma que Francisco chegou a movimentar quase R$ 8 milhões entre janeiro de 2017 e julho de 2018.
O delegado Moysés Santana, titular da 18ª DP, era responsável pelas investigações da morte de Marielle quando comandava a Delegacia de Homicídios da capital. Em julho deste ano, quando deixou o cargo na DH, Santana solicitou à chefia para levar o inquérito para a delegacia da Praça da Bandeira, uma vez que a investigação já estava avançada, prestes a ser concluída.
O relatório de Inteligência Financeira (RIF) do Coaf, obtido pelo delegado Moysés Santana, responsável pelo caso, revela que houve “estratosféricas movimentações financeiras” pelos investigados. Chagas, por exemplo, movimentou através de suas contas correntes, a vultosa quantia de R$ 7.495.739,00, entre créditos e débitos, entre 2 de janeiro de 2017 e 27 de julho de 2018. Já Laerte, movimentou R$ 898.749,00, entre 1º de outubro de 2018 e 31 de março de 2019, ou seja, em quase seis meses, segundo apuração do jornal Extra.
Laerte e Chagas, segundo o Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Rio (MPRJ), durante as investigações das operações Intocáveis, eram considerados de menor importância. O primeiro era considerado apenas como o “braço armado” da organização criminosa, um dos responsáveis pelo recolhimento de taxas ilegais de moradores e comerciantes (extorsão). Na segunda fase da Intocáveis, Laerte teria ligação com Chagas, que seria uma espécie de “laranja”. No entanto, ao se aprofundar nas investigações com a chegada do RIF, foi possível constatar que eles teriam também a função de atuar na lavagem de dinheiro.
De acordo com a representação pela prisão temporária dos envolvidos, Chagas não possuía lastro financeiro que justificasse a “suntuosa movimentação financeira” relacionada no RIF. Na época, ele relatou ao seu banco trabalhar como encarregado de obra da São Jorge Construção Civil, obtendo renda mensal de R$ 4 mil.
A empresa, segundo a polícia e o MPRJ, faz parte de um grupo de empresas ligadas à organização criminosa desmantelada pela Operação Intocáveis, sendo que a São Jorge funcionava num apartamento. Outra empresa relacionada ao nome dele foi a São Michel Construção Civil, no ano de 2014 que, segundo os investigadores, estaria em nome de “laranjas”.
Laerte, que ao ser preso em janeiro de 2019 foi flagrado portando uma arma de fogo de uso restrito, também não comprova lastro financeiro para o volume movimentado em sua conta corrente. Seu último vínculo empregatício, conforme consulta ao Caged, foi entre 1º de julho de 2007 e 20 de abril de 2011, quando era faxineiro. Na época, seu último salário foi de R$ 845.
Entre as empresas que faziam transações com os dois alvos estão construtoras como a L.P. Empreendimentos e Construções, cujo nome fantasia é LP Imóveis, foi criada em fevereiro de 2016, com capital social de R$ 50 mil. O relatório da polícia informa que a L.P. fez transações com “altos valores” com vários dos investigados da Operação Intocáveis. A empresa remeteu R$ 183.316,00 para Chagas e dele recebeu R$ 213 mil. L.P. também recebeu R$ 105 mil de Isamar Moura, R$ 30 mil de Benedito Aurélio e R$ 82 mil de Cíntia Bernardo da Silva, esposa de Rafael Gomes da Costa, casal envolvido nos desabamentos da Muzema.
Para a polícia, ficou claro o vínculo dos investigados com o mercado imobiliário da região. Um trecho da representação pela prisão dos acusados informa que: “No caso dos autos, restou evidente que os ativos reciclados eram provenientes de atividades típicas de grupos paramilitares vulgarmente conhecidos como “milícia”, tais como extorsão de moradores e comerciantes por meio de cobrança de taxas, agiotagem, utilização de ligação clandestina de água e energia para abastecimento dos empreendimentos imobiliários, construção, locação e venda ilegal de imóveis, etc”.
Faraó dos bitcoins
Nas buscas e apreensões em casas e empresas dos 23 alvos da milícia, a Polícia Civil encontrou cerca de R$ 2 milhões em investimentos em bitcoins. Os contratos com esse valor estavam, segundo a polícia, com o empresário Luiz Carlos dos Reis Príncipe, que é apontado como uma das pessoas que atuam na lavagem de dinheiro de milicianos.
Os investimentos na moeda digital eram feitos por meio de Glaidson Acácio dos Santos, o “faraó dos bitcoins”, preso no mês passado durante a Operação Kryptos, da Polícia Federal. Os agentes encontraram a ligação com a empresa de Glaidson, a GAS Consultoria Bitcoin, por meio dos documentos apreendidos.
O tipo de investimento chamou a atenção dos policiais, sendo considerada uma evidência de que os paramilitares já estariam aplicando em criptomoedas na tentativa de evitar o rastreio pelos órgãos de controle fiscal dos valores adquiridos a partir de negócios ilícitos.
Glaidson Acácio dos Santos, o “faraó dos bitcoins”, está preso sob a acusação de comandar um esquema de pirâmide financeira. À frente da GAS Consultoria, ele foi o principal alvo da operação realizada no mês passado pela Polícia Federal.
Desde então, a vida do ex-garçom que chegou a movimentar mais de R$ 2 bilhões é investigada. De acordo com relatório da Delegacia de Combate às Organizações Criminosas e à Lavagem de Dinheiro (DCOC-LD), da Polícia Civil do Rio, ele pode estar ligado a outros crimes, como relacionados ao tráfico de drogas.