Ministro do TSE sustenta em ofício ao presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que a proposta em tramitação no Senado consolidando a legislação eleitoral em código único atinge de ‘maneira irreparável’ a Justiça, cuja missão é conduzir e fiscalizar todo o processo eleitoral
O presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), ministro Edson Fachin, encaminhou ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), ofício em que afirma que o projeto de lei que tramita na Casa, com a proposta de consolidar a legislação eleitoral em código único, “compromete de maneira irreparável” a competência da Justiça Eleitoral.
Trata-se do PLP (Projeto de Lei Complementar) 112/21. O texto fora aprovado em setembro de 2021 na Câmara dos Deputados. No Senado, o projeto está sob a relatoria do senador Alexandre Silveira (PSD-MG), na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça).
“Sustenta-se, com o devido respeito, que a redação atual da proposta legislativa, encerra comprometimento insofismável das competências da Justiça Eleitoral que desafiam exame verticalizado sobre a possibilidade de fragilização da segurança jurídica e de eventual esvaziamento material das atribuições dessa Justiça Especializada”, registra o presidente do TSE.
JUSTIÇA CHANCELADORA
A indicação se dá, por exemplo, quanto à previsão de candidatos poderem optar por prestar contas à instituição externa de auditoria, “subtraindo do exame técnico da Justiça Eleitoral os documentos e elementos que informam o gasto de recursos públicos”.
Segundo Fachin, a medida “constitui esvaziamento da competência da Justiça Eleitoral e a sujeita a ser mera chanceladora do exame de contas realizado por terceiros”.
“Constata-se, nessa hipótese, um esvaziamento dos instrumentos necessários ao exercício da competência constitucionalmente atribuída à Justiça Eleitoral. O exame das prestações de contas é substancialmente distinto do recebimento de relatório externo sobre o qual se exercerá análise formal prévia ao ato de chancela”, registrou o ministro.
O ministro também viu comprometimento da competência da Justiça Eleitoral em dispositivo da proposta que trata da possibilidade de o Congresso “exercer um juízo de adequação” dos regulamentos expedidos pela Justiça Eleitoral, podendo sustar tais atos.
Segundo Fachin, tal proposição estabelece a “possibilidade de que o Congresso Nacional atue como atípico poder moderador do exercício das competências da Justiça Eleitoral”. Isto é, o Congresso teria poderes definidores, acima da Justiça Eleitoral.
PODER MODERADOR
“Desde o advento entre nós da República, o Congresso Nacional, do alto de sua autoridade institucional, repudia, consistentemente, o retorno dessa espécie de poder estatal, firmando sempre sua posição de defesa intransigente do primado da separação de poderes e do respeito institucional”, ressaltou.
“A restrição da competência da Justiça Eleitoral, da forma como exposta, não se revela consentânea com a racionalidade da separação dos poderes assentada na Constituição Federal e tampouco com o princípio da segurança jurídica”, completou.
A Constituição de 1824, nos artigos 151 e 163 estabeleceu o Poder Moderador para conferir ao imperador um instrumento que lhe permitia intervir em caso de conflitos interinstitucionais, assegurando-lhe preponderância sobre os demais poderes.
Na Constituição de 1988, republicana, não há poder moderador ou poder que se sobreponha aos poderes republicanos: Executivo, Legislativo e Judiciário.
PARA DEPOIS DAS ELEIÇÕES
Fachin defende a necessidade de o Congresso Nacional adiar, no mínimo até 1º de janeiro de 2023, o possível início da vigência da lei. Atualmente, o projeto estabelece que, em caso de aprovação, a norma entraria em vigor na data da publicação do texto legal no DOU (Diário Oficial da União).
A solicitação do ministro se dá para que não haja “prejuízo” no desempenho das funções constitucionais e legais da Justiça Eleitoral relativas às eleições de outubro de 2022.
Fachin destacou que, para análise da lei, o TSE precisaria direcionar parcela significativa do seu efetivo, em dedicação integral, “para a elaboração de estudo vasto e verticalizado” do tema, o que acabaria por “interromper” todas as atividades corriqueiras da Corte Eleitoral e também as fixadas nos calendários eleitorais deste ano.
PERÍODO DE PRÉ-CAMPANHA
No ofício, o ministro lembrou que se iniciou o período de pré-campanha para as eleições de 2022, inclusive com o oferecimento de representações eleitorais no TSE para o controle de eventuais violações à legislação eleitoral.
Além disso, Fachin ressalta que já se adentrou no período em que há condutas vedadas aos agentes públicos em campanha, além da prática de outros atos, por partidos, federações partidárias e pré-candidatos.
“A Justiça Eleitoral afirma, incansavelmente, que o conhecimento prévio das regras do jogo eleitoral, e a manutenção desse regramento durante todo o processo eleitoral, é uma garantia a todos os atores políticos e a toda a sociedade brasileira. Acrescenta-se, ainda, pelo que exposto, tratar-se de garantia indispensável da segurança jurídica em matéria eleitoral”, ressaltou o ministro.
Nas redes sociais, Pacheco afirmou que o Senado está “aberto às sugestões do TSE, das instituições e da sociedade civil”. “Por certo, elas enriquecerão o debate do tema, que será decidido de forma livre e autônoma pela consciência e vontade dos senadores e senadoras”, escreveu.
PRAZO CONSTITUCIONAL
O novo Código Eleitoral, previsto no PLP 112/21, não deverá ser votado até 2 de outubro — a matéria teria de ser aprovada até esta data para valer já para as eleições de 2022. Essa avaliação de Pacheco foi em setembro de 2021, quanto o texto chegou para exame da Casa revisora.
Na ocasião, Pacheco ressaltou que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), lhe fez apelo, logo após a aprovação do projeto pelos deputados federais, para que o Senado apreciasse a matéria em tempo hábil, ou seja, até 2 de outubro, a fim de que as alterações previstas pudessem vigorar já a partir das eleições de 2022. Isso não mais vai ser possível.
CONTEÚDO DO PROJETO
Pelo texto aprovado pela Câmara dos Deputados, agora em tramitação no Senado, o Congresso Nacional pode sustar resoluções do TSE que considerar exorbitantes de seu poder regulamentar — a exemplo do que ocorre com atos do Poder Executivo, que o Congresso pode sustar.
A suspensão desses atos terá eficácia imediata ou para o futuro por meio de decreto legislativo.
Nesse sentido, observando as regras da nova lei, o TSE poderá, sendo o projeto aprovado nesses termos, regulamentar temas como:
- estrutura e funcionamento interno de órgãos da Corte;
- atendimento aos cidadãos e aos partidos políticos;
- procedimentos necessários para a realização das eleições;
- procedimentos sobre exercício do voto; e
- procedimentos de vigência limitada em circunstâncias de desastres sociais e naturais e calamidade pública.
Para editar ou reformular as normas, o TSE terá, segundo o texto aprovado pelos deputados, de realizar audiência pública com participação de representantes da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, dos órgãos de classe diretamente interessados, das entidades de direito eleitoral de âmbito nacional, da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), do advogado-geral da União, do procurador-geral eleitoral e também de outras pessoas ou instituições a critério do relator.
Os regulamentos para eleições ordinárias serão editados em caráter permanente e somente poderão ser alterados nas seguintes hipóteses:
- reconhecimento da ilegalidade ou inconstitucionalidade de dispositivo regulamentado pelo próprio TSE ou pelo STF;
- análise da constitucionalidade de dispositivo legal pelo STF;
- surgimento de nova lei ou emenda constitucional;
- introdução de medidas de aperfeiçoamento das boas práticas e desenvolvimento tecnológico dos equipamentos;
- correção de inexatidões materiais e retificação de erros de cálculo.
Também, ainda segundo o texto aprovado pelos deputados, será proibido ao TSE restringir direitos ou estabelecer sanções distintas daquelas previstas na lei.
M. V.