A empresa americana Surgisphere forneceu dados sobre efeitos colaterais da cloroquina e da hidroxicloroquina na Covid-19 que não puderam ser confirmados
A publicação de uma pesquisa sobre os efeitos colaterais da cloroquina e hidroxicloroquina no tratamento da Covid-19, sem a devida checagem dos dados por parte da revista britânica The Lancet, arranhou o prestígio da publicação na comunidade científica e no público de maneira geral.
Os dados fornecidos aos autores do artigo pela empresa americana Surgisphere, foram questionados posteriormente por outros pesquisadores e erros foram revelados por uma reportagem do jornal britânico “The Guardian”.
Calcada exatamente na imagem de seriedade de suas publicações, a The Lancet levou a Organização Mundial de Saúde (OMS) a suspender as pesquisas em andamento sobre o uso da cloroquina após a publicação dos resultados em 22 de maio.
Nesta quinta-feira (04), três dos quatro autores do artigo – o quarto autor era um dos donos da empresa americana denunciada – sobre o uso da cloroquina e hidroxicloroquina no tratamento da Covid-19 emitiram uma retratação após os dados que usaram no trabalho terem sido questionados.
Confrontada com as dúvidas levantadas por diversos pesquisadores sobre a confiabilidade da base de dados da Surgisphere, a “Lancet” publicou inicialmente um alerta, na última terça-feira, avisando que o estudo estava sendo questionado e havia sido submetido a uma auditoria externa.
A OMS também decidiu, em seguida, retornar com as pesquisas interrompidas sobre a eficácia da cloroquina e hidroxicloroquina no tratamento da Covid-19. Os representantes da empresa Surgisphere alegaram que seus dados são confiáveis e que o próprio artigo alertava para as deficiências do método utilizado na pesquisa.
O principal questionamento feito à pesquisa publicada na Lancet era quanto aos efeitos colaterais das duas drogas estudadas. Dados de mortalidade de alguns países, entre eles a Austrália, apresentados pela empresa americana não bateram com levantamentos feitos pelo Guardian.
Após as dúvidas levantadas, passou a não ser possível afirmar, como fez o estudo da Lancet, que o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina aumenta as chances de morte.
Já a revista New England Journal of Medicine (NEJM), uma das mais conceituadas revistas médicas do mundo, também publicou um trabalho que analisou o uso da cloroquina em mais de 1.300 pacientes e concluiu que a droga não tem eficácia clínica comprovada contra o coronavírus.
Para chegarem nesta conclusão, os médicos contaram com dados de pacientes que foram hospitalizados em decorrência da Covid-19. Ao todo, foram avaliadas 1.376 pessoas. Dessas, 811 receberam hidroxicloroquina e 565 não. Conforme revelaram os autores, dos 811 que usaram hidroxicloroquina, 262 tiveram como desfecho a entubação ou morte. No outro grupo, 84 evoluíram para entubação ou morte.
A possível eficácia da cloroquina e da hidroxicloroquina, combinado ou não com a azitromicina na Covid-19 era baseado apenas em relatos de médicos e não foi comprovada cientificamente.
O principal estudo que ganhou relevância internacional, mesmo sem validação científica, foi conduzido na França, mas tinha uma amostragem pequena de pacientes e não houve grupo de controle, ou seja, uma parcela dos pacientes avaliados que não recebeu os medicamentos
Outros ensaios clínicos, como o trabalho feito em Nova Iorque, com mais de 1.300 pacientes, também chegou às mesmas conclusões do ensaio publicado na revista New England.
O anti-inflamatório usado no combate à malária e nas doenças autoimunes, tipo Lupus Eritematoso Sistêmico e Artrite Reumatoide tem algum efeito antiviral em laboratório, mas não possui eficácia comprovada contra a infecção pelo coronavírus.
A OMS afirmou nesta quinta-feira que retomou as pesquisas com a cloroquina e hidroxicloroquina, mas que isto não significa uma recomendação para o uso das duas drogas no tratamento da Covid-19.