Como os republicanos têm 51 votos no Senado e três deles se recusaram a endossar a torturadora Gina Haspel, foram os seis votos democratas que a salvaram, com o placar final sendo 54 a 45
A torturadora Gina Haspel, também conhecida como “Gina Sanguinária” e “Rainha da Tortura”, indicada pelo presidente Trump para dirigir a CIA, só teve seu nome aprovado no Senado dos EUA graças aos votos dos democratas. Como os republicanos têm 51 votos no Senado e três deles se recusaram a endossar a torturadora, foram os votos democratas – seis – que a salvaram, com o placar final sendo 54 a 45.
Conforme o noticiário, o repúdio dentro dos EUA à nomeação da torturadora para dirigir a CIA vinha sendo tanto, que a própria Haspel chegou a cogitar retirar seu nome. 100 generais e almirantes da reserva divulgaram manifesto contra. As principais entidades de direitos civis e constitucionais norte-americanas igualmente repeliram tal indicação.
Como havia sido o próprio Senado que, durante o governo Obama, havia redigido o informe sobre a tortura no governo de W. Bush (“técnicas duras de interrogatório”), não seria difícil à direção democrata garantir zero voto de sua bancada para a Sanguinária e bloquear de vez sua nomeação.
Mas era só cena a “oposição” dos democratas ao nome de Haspel. O que ficou evidente quando o principal nome democrata no Comitê de Inteligência, Mark Warner, anunciou ter recebido uma carta da indicada de Trump que o havia “convencido” de que ela “não reviveria” tais métodos. Após a aprovação do nome dela, Warner saudou Haspel como “uma voz independente” que se postará “em nome da comunidade de inteligência da nossa nação”.
Naturalmente, o democrata Warner depreendeu da carta o que quis, já que a Rainha da Tortura Haspel se limitara a escrever que “conquanto eu não condene aqueles que fizeram esses duros chamados [ela mesma], e tendo notado a valiosa inteligência coletada, o programa em última instância causou dano a nossos oficiais e à nossa postura no mundo”. O relatório do Senado havia, pelo contrário, revelado que a “contribuição” da tortura à segurança dos EUA fora nula. Como o ex-agente da CIA John Kiriakou havia denunciado em entrevista ao “Democracy Now”, gente como Gina torturava porque “gostava de torturar”. “Torturaram apenas por causa da tortura, não por causa da coleta de informações”.
CURRÍCULO
Na realidade, a “coleta de informações” é uma parte pequena das operações da CIA, o antro através do qual o Estado Profundo, em nome de Wall Street e Big Oil, comete sabotagens, assassinatos, golpes de Estado, tráfico de drogas, suborno, chantagem e, claro, tortura. Com 33 anos de casa, Gina Haspel tem um currículo à altura das suas funções, cujos pontos mais notórios são ter chefiado por dois anos uma prisão secreta da CIA na Tailândia e, como braço direito de José Rodriguez, então vice-diretor de operações da Agência, ter destruído 92 videotapes das sessões de tortura, inclusive daquelas que chefiou.
Fitas que incluíam o suplício de Abu Zubaidah no buraco secreto comandado por Haspel. Fala-se em ter sido “afogado” 83 vezes. Também a tortura de Abdal Rahim Al Nashiri, quem, conforme a médica da Reserva Naval dos EUA, especialista em tratamento de vítimas de tortura, Sandra Crosby, “mostra danos irreversível por tortura, que foi extremamente cruel e destinada a quebrá-lo”. É “um dos indivíduos mais traumatizados” que vira em 20 anos de experiência. O saudita Al Nashiri foi acusado pelo ataque no Iêmen contra o destróier USS Cole e continua preso no campo de concentração de Guantánamo.
É que a tortura havia sido transformada em política oficial dos EUA sob W. Bush e seu famoso “memorando”, até que a gigantesca resistência do povo iraquiano à invasão de sua pátria e o escândalo de Abu Graib destamparam o fétido bueiro. A tortura servia de biombo para a guerra pelo roubo do petróleo. Em dezembro de 2007, a revelação de Kiriakou a uma rede de tevê, de que W. Bush mentia, a tortura era “a política oficial dos EUA” e havia sido “pessoalmente aprovada pelo presidente”, tornou quase impossível seguir fingindo que não ocorriam crimes de guerra e contra a Humanidade sob a égide de Washington. Também foi ele que denunciou o “waterboarding”, a simulação de afogamento.
IMPUNIDADE
O fato de que uma torturadora como Haspel possa hoje ter sido impunemente nomeada – ao invés de processada por crimes de guerra – é uma decorrência da recusa, pelo governo Obama, em processar qualquer torturador.
Na época, Obama e a CIA bloquearam a divulgação do relatório do Senado por dois anos, e ainda assim apenas um resumo extremamente cortado foi tornado público. Mas era estarrecedor – ao menos para quem não é psicopata. Simular afogar repetidamente um preso, até “confessar” qualquer coisa que seja exigido pelo torturador. Manter em pé preso a uma parede por semanas. Privar de sono a vítima por mais de uma semana. Espancar presos ou atirá-los contra uma parede até o ‘limite do colapso de um órgão interno’. Molhar detidos em água gelada até à hipotermia e até morte. Estupro. Ameaçar prisioneiros com cães. “Alimentação retal” e “reidratação retal” – inserção forçada de líquido e alimento. O que foi flagrado em Abu Graib era um “amaciamento” de presos, uma “preparação” para a tortura propriamente dita.
A propósito, o chefe da CIA de Obama era John Brennan, que sob W. Bush fora vice-diretor, e o superior de Gina Haspel. Nesse festival de colaboracionismo, sadismo e perversão, não poderia faltar a apologia da nomeação de Gina Sanguinária, sob a perspectiva do “empoderamento da mulher”. E ninguém melhor do que um ex-chefe de gabinete de diretor da CIA, Larry Pfeiffer, para destacar a questão no site de notícias “The Hill” na véspera da votação.
“O Senado deveria assegurar que uma garota talentosa no nosso país hoje, que aspire um dia a comandar a CIA possa ser aconselhada por sua mãe ou pai: “Vá em frente! Olhe para Gina Haspel – ela está concorrendo a isso hoje”, assinalou. No noticiário de uma rede de notícias brasileira sobre a aprovação de Haspel, duas senhoras embevecidas passaram um longo tempo – em se tratando de televisão – inteiramente encantadas com a proeza da Sanguinária. Com uma sinceridade que não lhe é comum, o New York Times registrou que a marcha de Haspel até a aprovação no Senado “essencialmente encerra um ciclo de debate sobre o uso da tortura pela CIA após os ataques de 11 de Setembro”.
ANTONIO PIMENTA