A recepção por parte do presidente Jair Bolsonaro e de outras autoridades brasileiras à deputada alemã de um partido de extrema-direita, Beatrix Von Storch – que já incitou a polícia alemã a ir até fronteira atirar em refugiados sírios -, foi repudiada por lideranças da comunidade judaica no evento denominado “Congresso Virtual sobre Discurso de Ódio e Desafios Contemporâneos” promovido conjuntamente pela OAB – SP e a Confederação Israelita Brasileira (Conib).
“Na semana passada, como já disse o presidente da Conib”, destacou o presidente da Federação Israelita de São Paulo (Fisesp), Luiz Knigel, “uma deputada federal alemã esteve no Brasil e se encontrou com autoridades centrais do país e ela disse no seu discurso que ela não é antissemita, que ela não tem nada contra os judeus, como se isso fosse um salvo conduto diante da comunidade judaica. Ocorre que a Conib e outras entidades judaicas se pronunciaram fortemente contra a presença entre nós de uma deputada alemã de um partido de extrema-direita que diz apoiar Israel”.
“Por que, então, a comunidade judaica, que foi excluída por ela em sua xenofobia, se expressou tão fortemente? Porque para a comunidade judaica o racismo não é algo que toca somente a nós”, prosseguiu Knigel.
CONIB CONDENA
Coube a Claudio Lottenberg, ao falar na abertura do evento, também revelar repúdio ao nefasto encontro com a participação da deputada Von Storch. Para ele, os que buscaram resguardar a memória das perseguições nazistas na Segunda Guerra Mundial sabiam que ideias similares poderiam voltar a emergir, “como acabou acontecendo com o negacionismo do Holocausto. E agora, quando voltamos ao tema da intolerância, quando nós abordamos a questão do discurso de ódio, particularmente nesse momento em que, com muita tristeza, há cerca de 10 dias, esteve aqui presente uma representante de um partido xenófobo alemão”.
“Ressaltamos que a tolerância tem seus limites, quando nós não toleramos movimentos dessa natureza que podem, de novo, rasgar os princípios do bom relacionamento em nosso país”, acrescentou Lottenberg.
“Portanto”, prosseguiu, “esse tema deve ser permanentemente lembrado toda vez que alguém ameaçar esse convívio, não diria que somente diante da questão da intolerância, mas quando levantarem que nós não devemos ter a ousadia do contraponto – o que também é uma forma de intolerância -, nós que somos guardiões do Estado democrático na condição de cidadãos devemos nos fazer presentes”.
O encontro abordou questões em torno do discurso de ódio, sua conceituação, consequências e medidas de controle foram alguns dos temas abordados por autoridades e especialistas.
O congresso contou também com o apoio da Federação Israelita do Estado de São Paulo – Fiseps, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – TJSP e do Ministério Público do Estado de São Paulo – MPSP.
Entre os presentes, o ex-ministro Celso Lafer, o ex-presidente do STF, Nelson Jobim, o coordenador do Grupo de Trabalho de Combate ao Racismo e pela Promoção da Igualdade Racial do Ministério Público Federal, Marco Antônio Delfino de Almeida; Liat Altman, Diretora de Assuntos Latino-Americanos da Anti-Defamation League (ADL), entidade com sede nos EUA que se dedica ao combate ao ódio e discriminação; Maíra Costa Fernandes, vice-presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas no Rio de Janeiro – Abracrim/RJ e conselheira seccional da OAB-RJ e Ana Carolina Della Latta Camargo Belmudes, Juíza do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, idealizadora da campanha “Não se Cale”.
FAKE NEWS
Questões como campanhas de desinformação, o uso político das Fake News como estratégia para fins eleitorais foram alguns dos tópicos abordados na conversa mediada por Carlos Frederico Barbosa Bentivegna, Mestre e Doutorando em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, com especialização em Direito Privado e Direito Processual Civil pelo Centro de Extensão Universitária do Instituto Internacional de Ciências Sociais – IICS.
A abertura do congresso ficou a cargo do presidente da OAB SP, Caio Augusto Silva dos Santos, do presidente da CONIB, Claudio Lottenberg, do presidente da FISESP, Luiz Kignel, do procurador-geral do MPSP, Mario Luiz Sarrubbo e do Diretor da Escola Paulista de Magistratura, Desembargador Luís Francisco Cortez.
NATHANIEL BRAIA
Seguem trechos principais do pronunciamento do presidente da Fisesp, Luiz Knigel:
Por que devemos nos preocupar com isso?
Na semana passada, como já disse o presidente da Conib, uma deputada federal alemã esteve no Brasil e se encontrou com autoridades centrais do país e ela disse no seu discurso que ela não é antissemita, que ela não tem nada contra os judeus, como se isso fosse um salvo conduto diante da comunidade judaica. Ocorre que a Conib e outras entidades judaicas se pronunciaram fortemente contra a presença de uma deputada alemã de um partido de extrema-direita que diz apoiar Israel.
Por que, então, a comunidade judaica, que foi excluída por ela em sua xenofobia se expressou tão fortemente?
Porque para a comunidade judaica o racismo não é algo que toca somente a nós.
Porque a comunidade judaica entende o racismo como uma afronta a qualquer cidadão, contra qualquer pessoa, é contra qualquer brasileiro, é contra qualquer ser humano.
Portanto, quando ela vem de um partido que é xenófobo, homofóbico, que na Alemanha atua contra a integração dos imigrantes, dos refugiados sírios, a nós, judeus brasileiros, toca. Toca porque nós não podemos permitir que esse tipo de perseguição seja admitido. Esse é o cerne da questão, do combate ao racismo, ao discurso de ódio.
O discurso de ódio contra o qual a comunidade judaica se levanta não é só aquele que é contra os judeus, é aquele que ataca qualquer pessoa, qualquer cidadão. Isso faz a legislação brasileira tão forte e esse é o nosso trabalho de transformar a recusa ao discurso de ódio em uma regra geral.
Nós aprendemos na vida comunitária que não basta ser não racista, é preciso ser antirracista. O fato de que a comunidade judaica não abriga o racismo – em uma reação óbvia e natural de perseguidos – não nos é suficiente.
Não sermos racistas não nos conforma, temos que ser antirracistas, temos que aprovar qualquer causa antirracista, rejeitar qualquer perseguição a minoria, seja aos refugiados sírios na Alemanha, seja a nós judeus brasileiros, seja aos negros que trabalham conosco, seja quem for.
A visão judaica acerca do discurso de ódio é que a luta contra essa manifestação é coletiva. A visão judaica é que essa luta é única, concerne e afeta a todos.
O repúdio a ele não pode ser seletivo, porque se você for se defender do discurso de ódio apenas quando ele te atinge, e não olhar para o discurso de ódio quando atinge os outros, você também é preconceituoso, também está errado.
Por isso que o convencimento e o comprometimento acerca dessa questão é muito importante. Daí a nossa alegria de termos esse encontro hoje, porque temos a OAB participando, ministros de Estado que já passaram por governos aqui presentes, compartilhando conosco, o que não nos traz um olhar de conforto, mas um olhar de parceria, um olhar de comprometimento.
O discurso nosso enquanto judeus e brasileiros é que o racismo em qualquer nível é intolerável.
Quando a gente enfrenta uma questão como essa da vinda de uma deputada alemã de extrema-direita que quis ter a gentileza de nos excluir de seu discurso de ódio, dissemos que não precisamos dessa gentileza.
Pode se dizer a favor de Israel, pode dizer ‘não mexemos com vocês’, não importa. Não a queremos aqui. Não a queremos aqui!
Porque ela traz um discurso xenófobo, um discurso preconceituoso. Ela tem um discurso homofóbico. Não serve para nós.
Essa tem que ser a posição de todo brasileiro. E é essa a posição de nossa comunidade judaica enquanto parte integrante do povo brasileiro. A nossa preocupação constante é compartilhar nosso combate. A comunidade judaica se une a vários governos, com a OAB em diversos Estados, entidades que conversam com a Conib e nós procuramos contribuir buscando atender aos que possam ser atingidos por aquilo que possa indicar qualquer tipo de preconceito e nesse sentido viemos firmando protocolos de atuação.
Porque nós precisamos dar o exemplo, dizer que qualquer perseguição nos toca muito.
E, com isso, eu quero agradecer a vocês por esse espaço de discussão para que pudéssemos colocar um pouco do que é a nossa vivência comunitária judaica. Nossa constante preocupação, nosso constante alerta e o nosso chamamento a estarmos todos juntos como brasileiros. Não há defesa seletiva para a comunidade judaica, entendemos que ela é coletiva, é de todos os atingidos pelo discurso de ódio, pelo preconceito, pela discriminação.
Assista ao evento: