“A toda hora, havia denúncias. Tentaram fraudar da primeira à última urna. Foi impressionante e revoltante”, disse Fux. “Fiquei perplexo. Esperava encontrar um ambiente onde fosse possível controlar a fraude”, acrescentou. “Você vai tombar”, diziam as ameaças feita a ele
Há quem diga que a tentativa de Bolsonaro de voltar aos tempos do voto impresso é o mesmo que querer de volta o velho orelhão de ficha. Mais do que apenas um retorno ao passado, a insistência no voto impresso é uma tentativa de Bolsonaro de criar um pretexto para dar um golpe. Igualzinho ao que tentou o seu guru, Donald Trump, no ano passado quando insuflou suas milícias a invadirem o Capitólio, ao perder as eleições nos EUA.
Ao contrário do que trombeteia Bolsonaro, as fraudes eleitorais eram muito mais intensas nos tempos do voto impresso. As máfias tomando conta de mesas de apuração, o sumiço de urnas, as manipulações de mapas eleitorais, tudo isso ainda está na memória de todos. Particularmente na memória de Luiz Fux, presidente do Supremo Tribunal Federal. Ele tem motivos de sobra para ser contra o retorno ao voto impresso.
ZONA OESTE: UM VERDADEIRO CAMPO DE GUERRA
Segundo reportagem do colunista Guilherme Amado, do jornal Metrópolis, publicada no fim de semana, Fux foi juiz eleitoral na 25ª Zona Eleitoral do Rio, na Zona Oeste da cidade em 1994. Ali pululavam as milícias e as eleições eram um palco de guerra. Vale a pena conferir para que tipo de realidade Bolsonaro quer arrastar novamente o país.
O cenário eram as eleições de 1994. Ao se deparar com o verdadeiro palco de guerra montado pelas milícias e a presença de reiterados indícios de fraude eleitoral, Fux prendeu em flagrante cinco escrutinadores, funcionários que checavam a votação, e destituiu outros 60. No lugar, colocou dez juízes de sua confiança.
O grupo de dez magistrados indicado por Fux foi alvo de represálias. Um engenheiro do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) que acompanhava a comitiva de magistrados relatou ao jornal O Estado de S. Paulo que a porta do apartamento no hotel onde dormiam havia sido forçada de madrugada.
COLETE A PROVA DE BALA
Fux passou a andar de colete à prova de bala, portando uma pistola e escoltado por quatro policiais federais. A recontagem de votos foi protegida por cem soldados do Exército armados com fuzis. O local foi isolado com barricadas e a rua, bloqueada. Nesta eleição foram encontradas cédulas falsas em nome de um candidato a deputado federal chamado Jair Messias Bolsonaro.
Fux constatou fraudes em 90% das urnas da zona eleitoral pelas quais era responsável, fez prisões em flagrante, foi ameaçado de morte pelo Comando Vermelho, pediu apoio ao Exército e teve que andar armado com escolta da Polícia Federal.
A apuração duraria 13 dias, em meio a diversas tentativas de burla. Na ocasião, Fux revelou que 90% das urnas apresentaram resultados corrompidos. Ele decidiu, então, convocar universitários, professores e funcionários públicos especializados em informática e matemática para preencher outros cargos vagos.
O grupo de dez magistrados indicado por Fux foi alvo de represálias. Um engenheiro do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) que acompanhava a comitiva de magistrados relatou ao jornal O Estado de S. Paulo que a porta do apartamento no hotel onde dormiam havia sido forçada de madrugada.
“VOCÊ VAI TOMBAR”, AMEAÇARAM
Contra Fux, contudo, a ameaça seria de morte. Por telefone, um homem que seria do Comando Vermelho fez a seguinte ameaça por telefone a Fux: “Você vai tombar”. O então presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Rio, Youssif Salim Saker, e o então procurador regional eleitoral, Alcir Molina, receberam a mesma ameaça.
Fux passou a andar de colete à prova de bala, portando uma pistola e escoltado por quatro policiais federais.
A recontagem de votos foi protegida por cem soldados do Exército armados com fuzis. O local foi isolado com barricadas e a rua, bloqueada. Segundo o Estadão informou na época, o cenário transformou-se num “QG do Exército”. Só pessoas autorizadas poderiam entrar no Grêmio Procópio Ferreira, clube no bairro de Santa Cruz, Zona Oeste do Rio de Janeiro.
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) acompanhou o fim da apuração presencialmente. O então corregedor-geral eleitoral, ministro Flaquer Scartezzini, deslocou-se no Rio de Janeiro com policiais federais armados com metralhadoras. O presidente do TSE à época, Sepúlveda Pertence, pediu à PF proteção máxima aos juízes eleitorais ameaçados no Rio. Especificamente a Fux, o TSE prometeu “total solidariedade”.
30 HORAS SEM DORMIR
Treze dias depois, a apuração chegou ao fim. Fux ficou 30 horas sem dormir e desabafou ao jornal O Globo: “Esses 13 dias foram os piores de meu período de magistratura. Não me acrescentou em nada. É um ambiente incompatível com a convivência humana”.
Questionado sobre o que facilitava a cultura da fraude, disse Fux ao jornal: “O processo eleitoral manual, que é obsoleto e arcaico. No limiar do século XXI, na era do computador, é absurdo escriturar boletim a mão e depois digitar os resultados. O computador apenas recebe os votos manuais que podem ser frutos de fraudes”.
TENTARAM FRAUDAR DA PRIMEIRA À ULTIMA URNA
“Fiquei perplexo. Esperava encontrar um ambiente onde fosse possível controlar a fraude. Marcando em cima, acreditava-se que ia chegar um momento em que iam respeitar minha autoridade. Por isso, fiquei aqui 17 horas por dia em pé, fazendo corpo a corpo contra a fraude. Mas foi muito pior do que poderia imaginar. A toda hora, havia denúncias. Tentaram fraudar da primeira à última urna. Foi impressionante e revoltante”, acrescentou.
Quase três décadas depois do episódio, o atual presidente do Supremo ainda se recorda das palavras ameaçadoras que ouviu ao telefone e da tensão daquelas eleições. Diz ter “ojeriza” ao voto impresso.
Todes sabem que a fraude imperava qdo o voto era em cédula de papel. Um tio meu foi candidato no RJ e, pra seu espanto, não apareceu nenhum voto pra ele na urna em que votou. Pode?