O número de assassinados de indígenas no Brasil entre 2019 e 2022 chegou a 795. Só no ano passado, foram 180, destaca o relatório Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), divulgado na quarta-feira (26). “O ano de 2022 representou o fim de um ciclo governamental marcado por violações e pela intensificação da violência contra os povos indígenas no Brasil”, aponta o documento.
O desmonte das políticas públicas e as invasões de terras contribuíram para o aumento da violência. “Como nos três anos anteriores, os conflitos e a grande quantidade de invasões e danos aos territórios indígenas avançaram lado a lado com o desmonte das políticas públicas voltadas aos povos originários como a assistência em saúde e educação, e com o desmantelamento dos órgãos responsáveis pela fiscalização e pela proteção destes territórios”, diz o relatório.
As informações reunidas no levantamento refletem à desassistência na área de saúde, à mortalidade na infância, aos assassinatos e às violências ligadas ao patrimônio indígena. Em todas estas categorias, Roraima e Amazonas, onde se localiza a TI Yanomami, apareceram entre os estados com maior número de registros.
O texto aponta que “o ano de 2022 também encerrou um ciclo de quatro anos no qual nenhuma terra indígena foi demarcada pelo governo federal e que, “sob Bolsonaro, o Poder Executivo não apenas ignorou a obrigação constitucional de demarcar e proteger as terras tradicionalmente ocupadas pelos povos originários”. Também atuou, na prática, para “flexibilizar este direito, por meio de Projetos de Lei (PLs) e de medidas administrativas voltadas a liberar a exploração de terras indígenas”.
“A intensidade e a gravidade desses casos não podem ser compreendidas fora do contexto de desmonte da política indigenista e dos órgãos de proteção ambiental durante os quatro anos sob o governo de Jair Bolsonaro”, ressalta o Cimi.
Além do discurso do próprio presidente, que fez durante toda o mandato vistas grossas para os crimes contra o meio ambiente e os povos indígenas, a omissão ou complacência de órgãos como a Advocacia Geral da União (AGU) e da Fundação Nacional do Índio (Funai) contribuíram para produzir os alarmantes dados citados no relatório.
“A atuação desses órgãos em processos judiciais e administrativos foi quase sempre contrária aos direitos dos povos originários e favorável, especialmente, aos interesses econômicos do agronegócio e da mineração”, denuncia o documento.
Em 2022, essa postura se refletiu no alto número de ocorrências envolvendo conflitos por terras, com 158 registros, e invasões possessórias, exploração ilegal de recursos e danos ao patrimônio, com 309 casos que atingiram pelo menos 218 terras indígenas em 25 estados do país.
ASSASSINATOS DE INDÍGENAS
Em muitos estados, como Mato Grosso do Sul, Maranhão e Bahia, os conflitos e a falta de proteção aos povos indígenas resultaram em assassinatos de indígenas, inclusive com a participação de agentes de segurança oficiais atuando como jagunços para fazendeiros.
“Três estados concentraram quase dois terços (65%) dos 795 homicídios de indígenas registrados entre 2019 e 2022: foram 208 em Roraima, 163 no Amazonas e 146 no Mato Grosso do Sul”, destaca o levantamento.
Segundo o relatório, na TI Comexatibá, no extremo sul da Bahia, um indígena Pataxó de apenas 14 anos foi brutalmente assassinado durante um dos constantes ataques a tiros efetuados por grupos que os indígenas definem como “milicianos”.
Em Mato Grosso do Sul, Alex Recarte Lopes, jovem Guarani Kaiowá de 18 anos, foi assassinado na Reserva Indígena Taquaperi, no município de Coronel Sapucaia. Sua morte motivou a retomada de terras pelos indígenas, que foram duramente atacados por fazendeiros e por operações policiais sem autorização da justiça.
Em uma dessas operações, ocorrida no Tekoha Guapoy, em Amambai (MS), um indígena de 42 anos foi morto e várias pessoas feridas. “Devido à brutalidade do ataque, os Kaiowá e Guarani passaram a se referir ao caso como ‘massacre de Guapoy’”, diz o estudo.
“A postura declarada e intencionalmente omissa do governo em relação à demarcação de terras indígenas redundou no aprofundamento de conflitos, em muitos casos com ameaças, ataques armados e assassinatos de lideranças indígenas”, prossegue o texto.
A omissão e morosidade na regularização de terras, citadas no tópico “Violência contra o patrimônio”, responde por 867 casos; conflitos relativos a direitos territoriais vêm na sequência, com 158 registros; e invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao patrimônio, categoria que teve o sétimo aumento sucessivo no número de casos, com 309 registros.
Juntos, estes registros totalizam 1.334 ocorrências de violência contra o patrimônio dos povos indígenas em 2022, com destaque para os casos de extração de recursos naturais como madeira, garimpo, caça e pesca ilegais e invasões possessórias ligadas à grilagem de terras. A maioria das 1.391 terras e demandas territoriais indígenas existentes no Brasil (62%) possui alguma pendência administrativa para sua regularização, conforme o relatório.
VIOLÊNCIA CONTRA A PESSOA
Nesta seção, foram registrados os seguintes dados: abuso de poder (29); ameaça de morte (27); ameaças várias (60); assassinatos (180); homicídio culposo (17); lesões corporais dolosas (17); racismo e discriminação étnico-cultural (38); tentativa de assassinato (28); e violência sexual (20).
Os registros totalizam 416 casos de violência contra pessoas indígenas em 2022. Sob o governo de Jair Bolsonaro, uma média de 373,8 casos de Violência contra a Pessoa por ano – nos quatro anos anteriores, sob os governos Temer e Dilma Rousseff, a média foi de 242,5 casos anuais.
“Em 2022, assim como nos três anos anteriores, os estados que registraram o maior número de assassinatos de indígenas foram Roraima (41), Mato Grosso do Sul (38) e Amazonas (30), segundo dados da Sesai, do SIM e de secretarias estaduais de saúde”.
De acordo com o estudo, esses três estados respondem por quase dois terços (65%) dos 795 homicídios de indígenas registrados entre 2019 e 2022: foram 208 em Roraima, 163 no Amazonas e 146 no Mato Grosso do Sul.
Dentre os assassinatos, destacam-se os de lideranças Guarani e Kaiowá, além de outros três Guajajara da TI Arariboia – mortos em setembro de 2022, no espaço de tempo de apenas duas semanas.
OMISSÃO DO PODER PÚBLICO
Em todo o Brasil, a Secretaria de Saúde Indígena (Sesai) registrou um total de 3.552 óbitos de crianças de 0 a 4 anos de idade entre 2019 e 2022. Os dados são parciais e foram obtidos pelo Cimi via Lei de Acesso à Informação. A maioria das mortes foi registrada no Amazonas (233), em Roraima (128) e em Mato Grosso (133).
Considerado o período de quatro anos, os mesmos três estados concentraram a maioria dos óbitos: foram, no total, 1.014 mortes de crianças menores de cinco anos no Amazonas, 607 em Roraima e 487 em Mato Grosso, segundo dados atualizados obtidos junto à Sesai. Em todo o Brasil, a Sesai registrou o triste – e alarmante número – de 3.552 óbitos nesta faixa etária entre 2019 e 2022.
“O fato de que parte da estrutura de saúde da TI Yanomami foi apropriada por garimpeiros, em regiões isoladas e de difícil acesso, indica que a realidade certamente é ainda mais grave do que os dados oficiais reconhecem”, observa o relatório.
POVOS ISOLADOS
Os povos indígenas em isolamento voluntário estão entre os grupos mais afetados pela política genocida adotada pelo governo Bolsonaro, que assumiu contornos ainda mais graves no último ano do seu mandato, em 2022.
No ano, foram constatados casos de invasões e danos ao patrimônio em pelo menos 36 TIs onde existem 60 registros de povos indígenas isolados, de acordo com os dados da Equipe de Apoio aos Povos Livres (Eapil/Cimi).
“A realidade é agravada pelo fato de que, dos 117 grupos de indígenas em isolamento voluntário registrados pelo Cimi, 86 não são reconhecidos pela Funai. Isso significa que esses povos são invisíveis para o Estado, assim como as possíveis situações de violência a que estão expostos, inclusive com o risco de que sejam vítimas de genocídio”, informa o relatório.
Veja a íntegra do relatório do CIMI: