“À medida que as taxas de infecção e mortalidade no Brasil continuam subindo, o presidente Jair Bolsonaro está se comportando com absoluta e determinada irresponsabilidade”, afirmou Jon Lee Anderson, no artigo “O coronavírus atinge o Brasil com força, mas Jair Bolsonaro não se arrepende”, publicado na revista The New Yorker, uma das mais importantes dos Estados Unidos, na sexta-feira, 22.
O jornalista constatou que “a pandemia da Covid- 19 mostrou um talento especial para levar a política ao seu mínimo”, e denunciou a postura inconsequente de vários governos no mundo. “O primeiro casal da Nicarágua, Daniel Ortega e Rosario Murillo, no início da pandemia, organizou manifestações chamadas ‘Amor no tempo do Covid- 19 ’. E o governo parece ter subnotificado o número de casos – até agora, eles alegam apenas vinte e cinco, com oito mortes – e ter orquestrado ‘enterros expressos’ de supostas vítimas do coronavírus. Nayib Bukele, o presidente de El Salvador, se deu poderes emergenciais em desafio à Suprema Corte”, apontou.
A macaqueação de Bolsonaro a Donald Trump, que também tomou medidas tardias e questionáveis, defendendo, sem provas científicas a favor, o uso da cloroquina no tratamento da doença, teve destaque na matéria do The New Yorker.
“Donald Trump alternou entre colocações públicas de mau humor e desinformação. Nesta semana, ele afirmou que o fato de os EUA ter o maior número de casos confirmados da Covid-19 no mundo era um ‘distintivo de honra’, porque isso significa que o país fez muitos testes”, disse.
“Mas essa má conduta fica pálida em comparação com o comportamento do presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, que está se comportando com absoluta e determinada irresponsabilidade.
“Desde o início da pandemia, ele disse que a Covid-19 é ‘uma gripezinha’ e insistiu em realizar manifestações e cumprimentar pessoalmente os apoiadores, apontando que ‘todos nós morreremos um dia’. Talvez seguindo uma sugestão de Trump, a quem Bolsonaro admira, ele participou de protestos realizados por apoiadores anti-isolamento e incentivou revoltas contra governadores estaduais que apoiam medidas de quarentena. Em algumas reuniões, ele foi visto tossindo repetidamente, embora agora use uma máscara em público. Ele foi testado duas vezes para a Covid -19 após ter havido um surto entre sua equipe principal, mas se recusou a divulgar os resultados”, assinalou.
A New Yorker detalha os problemas com a demissão de dois ministros da Saúde – Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich – em menos de um mês: “Em meados de abril, ele demitiu o respeitado ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, depois de semanas discutindo publicamente com ele sobre medidas para proteger a população. Mais tarde, o presidente explicou sua ação dizendo: ‘A visão do Mandetta era da saúde, da vida. A minha, além disso, englobava a economia e o emprego’. Uma semana depois, no mesmo dia em que o número de mortes de coronavírus no Brasil ultrapassou cinco mil, quando cobrado, ele perguntou a um repórter: ‘E daí? Sinto muito, mas o que você quer que eu faça sobre isso?’”.
“Bolsonaro não apenas está sem fazer nada sobre isso; ele fez uma campanha ativa contra os esforços para controlar a pandemia, argumentando que a quarentena e a interrupção da atividade econômica transformariam o Brasil em uma nação ‘africana’ empobrecida”, acrescentou, expondo mais um dos seus aspectos, o do preconceito racial.
O artigo na revista The New Yorker registrou a situação da pandemia no Brasil no momento em que foi escrito: “Na quinta-feira, 21, havia mais de dezoito mil mortes por Covid -19 no Brasil, e o número total de casos havia ultrapassado o do Reino Unido”. E fez um triste, mas verossímil prognóstico, apontando que “dentro de alguns dias, provavelmente também passará a Rússia, deixando apenas os Estados Unidos com mais casos. Com base nas tendências atuais, as previsões são de que mais de oitenta mil brasileiros poderiam morrer do Covid-19 em agosto”.
No domingo, 24, quando esta matéria está sendo escrita, a quantidade de mortos no Brasil é de mais de 22 mil pessoas e os casos registrados – 347.398 – já deixam o país só atrás dos EUA.
“Na quarta-feira, até Donald Trump, um forte aliado de Bolsonaro, reconheceu que o Brasil estava ‘tendo alguns problemas’ e que uma proibição de viagem pode ter que ser instituída”, previu Anderson.
A proibição não demorou. No momento em que concluímos esta matéria, no domingo, dia 24, a Casa Branca anuncia o banimento dos passageiros brasileiros.
SUSANA LISCHINSKY