Senador Renan Calheiros (MDB-AL), relator da CPI, apontou contradições no depoimento do sócio da Belcher. Laboratório chinês CanSino, que fabrica a vacina, rompeu contrato unilateralmente com a Belcher após assinatura da carta de intenção de compra. CPI apura atuação de empresas “atravessadoras” de vacinas
A CPI da Covid-19 ouviu o empresário Emanuel Catori, sócio da Belcher Farmacêutica. O depoente compareceu ao Senado Federal, nesta terça-feira (24), na condição de convocado.
O propósito da oitiva era explicar mais detalhes sobre as intenções de compra envolvendo o imunizante Convidecia, do laboratório chinês CanSino.
Questionado pelo relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), o empresário disse que tentou vender ao governo o antiviral Favipiravir. Ele afirmou que não poderia ter negociado a venda da Convidecia em encontro que teve no Ministério da Saúde, porque ainda não havia recebido carta de autorização da CanSino.
Documento só teria sido emitido quatro dias depois do encontro intermediado pelo líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR).
“Eu tive apenas dois ou três minutos. Falei apenas do medicamento antiviral Favipiravir”, disse Catori.
Todavia, Renan contestou a declaração do empresário. Para o relator, há “uma contradição muito grande” no depoimento de Emanuel Catori. Segundo o relator, existe “um envolvimento muito sério” do líder do governo na Câmara na negociação de vacinas intermediadas pela Belcher.
“É a repetição do modus operandi na aquisição de vacinas pelo governo federal, que recusou contatos com a Pfizer e com o Butantan enquanto priorizou atravessadores como a Belcher, a Davati e Ricardo Barros. Enquanto brasileiros morriam e continuam a morrer. O senhor [Catori] tenta passar a ideia de que, no encontro com Ricardo Barros, não poderia ter tratado da questão, uma vez que a CanSino não havia credenciado a Belcher. Mas não é verdade. Já havia uma carta de confidencialidade”, afirmou Renan.
O depoente admitiu que a Belcher contratou o advogado Flávio Pansieri para atuar na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Embora Pansieri tenha sido sócio de um genro de Ricardo Barros até março deste ano e que o deputado paranaense seja “amigo de longa data” de acionista da Belcher, Catori negou que Ricardo Barros tenha atuado como “facilitador político” para a compra da CanSino. Segundo Catori, a ligação entre Pansieri, Barros e Belcher “é mera coincidência”.
VACINA CONVIDECIA
O empresário Emanuel Catori iniciou o depoimento dele ressaltando que a empresa Belcher Farmacêutica “nunca foi uma mera intermediária ou facilitadora” da CanSino, e sim a representante da empresa no Brasil na negociação da vacina Convidecia.
Ele também traçou linha do tempo sobre a negociação das doses e explicou a relação dele com outros empresários, como Luciano Hang e Carlos Wizard.
“A Belcher realizou um trabalho muito sério, profissional, não uma aventura. A Belcher era a parceira institucional e técnica no Brasil, tal como prevê a legislação brasileira”, disse Catori. Segundo ele, a empresa foi a responsável legal e representante “necessária” da CanSino no Brasil entre 19 de abril e 10 de junho.
Ele compareceu à reunião coberto por proteção judicial. O ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), concedeu a Catori o direito de ficar em silêncio e de não produzir provas contra si mesmo. O empresário pôde contar com o auxílio do advogado dele.
CARTA DE INTENÇÃO NÃO VINCULANTE
O primeiro contato com o Ministério da Saúde sobre o imunizante foi feito por mensagem eletrônica, em 12 de maio, com a primeira reunião presencial realizada em 19 de maio. Um dia antes, a empresa já havia protocolado, na Anvisa, o pedido de uso emergencial da Convidecia, vacina de dose única.
Em 27 de maio, a empresa intermediou a formulação de carta de intenções entre a Saúde e a CanSino, que chegou a ser emitida de fato em 4 de junho. O documento não era de natureza contratual, destacou Catori:
“A Belcher não firmou contrato algum e não trocou minuta contratual. Os órgãos emitiram carta de intenção não vinculativa e com condicionantes, como a entrega de 60 milhões de doses ainda em 2021”, complementou.
No entanto, em 10 de junho, a CanSino teria revogado “unilateralmente” as credenciais de representação no Brasil concedidas a Belcher, o que foi comunicado à Anvisa por parte da empresa em 17 de junho.
PEDIDO DE PRAZO MAIOR
Segundo Catori, houve uma última reunião, em 21 de junho, em que a Belcher pedia à Anvisa prazo maior para explicar a resposta que formulou. No entanto, o pedido de uso emergencial da Convidecia foi suspenso pela agência em 28 de junho pela ausência de representação no País.
O empresário também se explicou sobre os contatos com Luciano Hang e Carlos Wizard. Catori afirmou que a Belcher foi convidada, entre fevereiro e março de 2021, “para contribuir tecnicamente com um grupo de empresários que queriam doar vacinas e insumos ao SUS e ao PNI (Programa Nacional de Imunizações)”.
VACINAS PARA DOAÇÃO
A relação dele com os referidos empresários seria, de acordo com depoimento dele, apenas no âmbito da intenção das doações.
“Fui convidado a participar de uma ‘live’ com os empresários Luciano Hang, Carlos Wizard e Alan Excel. Em pouco mais de 30 minutos de conversa, fiz duas intervenções e falei sobre a tentativa de viabilizar tentativa de doação de vacinas”, declarou.
A vacina que seria destinada à doação seria a Coronavac, explicou. Catori afirmou que, na época, “não tinha conhecimento” sobre a cláusula de exclusividade envolvendo o Instituto Butantan, produtor do imunizante no Brasil.
Com isso, a Belcher fez uma reunião em 12 de abril com o corpo diplomático chinês, que recomendou que os interessados em realizar a doação buscassem o Butantan. No entanto, o seguimento dos passos para a viabilização do processo não aconteceu.
“Não houve interferência dos empresários junto ao Ministério sobre a vacina Convidecia. Não há qualquer relação ou interesse comercial dos empresários na representação da CanSino”, declarou.
No fim, o depoente afirmou que também não teve relação vinculante com o deputado Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo na Câmara dos Deputados.
“Em 15 de abril, participei de uma reunião da Frente Parlamentar de Medicamentos presidida por Ricardo Barros, que não tratava de vacinas. Não se tratou de uma agenda às escuras. Não há vinculo da Belcher com o referido parlamentar”, disse.
NOVOS DEPOIMENTOS
Na quarta-feira (25), a CPI toma o depoimento de Roberto Pereira Ramos Júnior, presidente do FIB Bank. Roberto Pereira foi convocado para depor à CPI por meio de requerimento do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE).
De acordo com o senador, a empresa Precisa Medicamentos teria apresentado carta de fiança irregular ao Ministério da Saúde quando tentava negociar a vacina Covaxin.
A semana da CPI fecha quinta-feira (26), com a oitiva de Francisco Araújo, ex-secretário de Saúde do governo do Distrito Federal.
M. V.