“Países cuja eletricidade provém significativamente de hidroelétricas não privatizam suas empresas”, argumentou o engenheiro e diretor do Instituto Ilumina Roberto D´Araújo
Roberto Pereira D´Araújo, engenheiro eletricista, Mestre em Ciências e Engenharia de Sistemas, ex-membro do Conselho de Administração de Furnas e uma das maiores autoridades brasileiras em energia, defendeu, em artigo publicado no início da semana pela Folha de S. Paulo, que o Brasil deve rever a privatização da Eletrobrás.
“O Brasil aborda esse tema como se fosse a venda de uma estatal qualquer esquecendo a impressionante singularidade do sistema elétrico brasileiro. Transferir o controle da Eletrobrás para o capital privado envolve geografia, rios, lagos, água, sol, meio ambiente e clima. Não se trata apenas de um prédio com escritórios”, argumentou o especialista, diretor do Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Energético (Ilumina).
Ele destaca que os países que detêm hidrelétricas não privatizaram. “Países cuja eletricidade provém significativamente de hidroelétricas não privatizam suas empresas. Canadá, Suécia, Noruega, Índia, Rússia e China estão nessa lista. Os Estados Unidos, apesar da menor proporção, têm suas hidroelétricas ligadas ao exército. O Brasil, apesar da maior vinculação com a energia dos rios, é o único fora desse seleto clube”, denunciou.
Roberto D’Araújo lembrou que o Estado foi fundamental na construção do sistema elétrico brasileiro. “Apenas 8% das nossas hidroelétricas foram projetadas e construídas pelo setor privado. As que hoje estão sob o controle do capital, ou foram compradas prontas ou erigidas em parceria. A recente expansão de quase 17 GW, mais do que Itaipu, só foi viabilizada através das parcerias onde a Eletrobrás é minoritária. Vamos abrir mão dessa última instância?”, indagou.
Para o engenheiro, o Brasil tem uma grande vantagem em possuir hidrelétricas. “Enganam-se os que acham que a era das hidroelétricas acabou. Só elas podem responder às súbitas variações de geração das novas renováveis, como eólicas e solares. Vamos depender de muita coordenação”, apontou D’Araújo.
A privatização, na opinião do engenheiro, foi lesiva ao Brasil. “É inconcebível que se aceite que a Eletrobrás tenha sido privatizada por pouco mais de R$ 33 bilhões. A americana Duke Energy, com a mesma capacidade de geração do mesmo produto, o kWh, tem um valor de mercado de US$ 82 bilhões. A Eletrobrás não pode valer menos de 1/10 disso”, observou.
“Com aprovação de regras estranhas ao mercado, caso a União seja obrigada a reassumir o controle, seria forçada a pagar triplo do valor de mercado das ações vendidas, um ardil capaz de gerar prêmio aos grupos que privatizaram. A possibilidade de dano é real, eis que o risco do contrato é flagrante. Tal ato lesivo é inadmissível e proibido por lei”, acrescentou.
“A regulamentação limitando o poder de voto a 10% no conselho administrativo da Eletrobrás é incapaz de evitar acordos não explícitos entre acionistas. Evidentemente, ela foi imaginada apenas para que o estado, com cerca de 40%, não consiga pautar projetos de interesse público nessa “capitalização”, prosseguiu Roberto D’Araújo.
“A lei das estatais criada para evitar a influência política despreza o fato de que o atual presidente foi indicação política do presidente Temer em 2016, tendo atuado na Eletrobrás até 2021 e se retirado imediatamente para outra empresa de energia, a Vibra. Após a privatização, retorna à Eletrobrás revelando que interesses privados não seguem regras imaginadas para o estado. Tal prática é proibida em empresas públicas de países republicanos, onde quarentenas mínimas tentam resguardar conflitos de interesse”, afirmou o engenheiro.
Para o diretor do Instituto Ilumina, “as falhas do modelo mercantil e privado, que só encareceu a tarifa sem sequer um diagnóstico, exigiram outros sacrifícios da Eletrobrás”. “Na realidade, através de doses excessivas de um princípio básico das hidroelétricas, a amortização de investimentos, a estatal foi a única responsável por tentar amenizar esse encarecimento”, destacou.
“A Eletrobrás precisa ser reconstruída. Sua capacidade técnica foi reduzida a índices nunca vistos em empresas semelhantes. O número de funcionários por capacidade de geração (MW), atingiu 1/6 da média das grandes empresas internacionais. A competência está na experiência acumulada por mais de 50 anos de existência e não nos prédios”, completou o professor Roberto D’Araújo.