A enquete de opinião promovida pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), que questiona a opinião de médicos sobre a vacinação de crianças contra a covid-19 gerou revolta devido ao negacionismo que contamina o CFM.
A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), entidades médicas e de infectologia e da ciência vieram a público condenar a ação do Conselho.
Em nota publicada na última segunda, a SBPC critica o CFM afirmando que ciência não é matéria de opinião, objeto que o Conselho induz em seu questionário. Ainda, a SBPC afirma que protocolos de prevenção e de tratamento de doenças são desenvolvidos a partir de pesquisas, do laboratório aos seres humanos.
“Não se decide se a Terra é redonda ou plana, se Marte é um planeta ou um holograma, por meio de enquetes de opinião, como essa ora realizada pelo CFM. Questões científicas são tratadas por cientistas, mediante procedimentos rigorosos e mundialmente consagrados”, completa o texto.
Da mesma forma, outras entidades também criticaram o conselho. A Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) divulgou um posicionamento em que critica a pesquisa conduzida pelo CFM.
No formulário disponível, o CFM alega que está conduzindo a pesquisa “para entender a percepção dos médicos brasileiros” sobre a obrigatoriedade da imunização de crianças, e afirma que a opinião dos profissionais “é fundamental para enriquecer a análise e contribuir para a tomada de decisões futuras”.
Para a SBIm, a pesquisa equipara as crenças pessoais dos médicos à ciência, o que pode gerar insegurança na comunidade médica e afastar a população das salas de vacinação. “A SBIM entende que a pesquisa realizada pelo CFM não trará nenhum benefício à sociedade”, afirma a instituição científica.
A SBIm lembra que a covid-19 foi responsável por 5.310 casos de Síndrome respiratória aguda grave (SRAG) e 135 mortes entre crianças menores de 5 anos no Brasil em 2023, de acordo com o último boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, que reúne dados até novembro.
Além disso, desde o início da pandemia, houve 2.103 casos de Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica (SIM-P), considerada uma manifestação tardia da covid-19, com 142 mortes. Diante disso, a sociedade ressalta que a vacinação contra a covid-19 é uma estratégia comprovadamente eficaz e segura para a prevenção da doença, potencialmente fatal também entre crianças.
Da mesma forma, em carta aberta conjunta, a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) questionam a enquete feita pelo CFM. “Esta pesquisa está aberta a todos os médicos, com quatro perguntas sem opção de argumentos ou comentários, desprovida de metodologia adequada para os objetivos propostos”, diz a nota.
“Existem claras evidências que apontam os benefícios da vacinação pediátrica na prevenção das formas agudas da doença, reduzindo o risco de hospitalizações, bem como suas complicações em curto e longo prazo na população pediátrica. Estas evidências apontam a necessidade de que tenhamos vacinas atualizadas e disponíveis para o grupo de crianças menores de 5 anos, onde ainda temos uma proporção significativa de crianças nunca infectadas e sem doses de vacina”, argumentam as duas entidades.
Sobre a autonomia dos médicos, a SBI e a SBP dizem que “todas as medidas de saúde pública devem ser seguidas pelos médicos ligados ao Conselho Regional de Medicina (CRM) e ao CFM”.
Durante a pandemia, a postura do CFM em não condenar a prescrição de cloroquina e hidroxicloroquina, remédios sem eficácia contra Covid-19, gerou repercussão na comunidade médica. Em 2021, a Defensoria Pública da União chegou a entrar com uma ação civil contra a entidade por danos morais coletivos pela indicação do uso dos medicamentos.
Veja a nota da SBPC na íntegra:
A SBPC, maior sociedade científica da América Latina, vem a público condenar a enquete de opinião movida pelo Conselho Federal de Medicina, que indaga aos médicos sua opinião sobre a vacinação de crianças contra a covid-19.
Lembramos que ciência não é matéria de opinião. Protocolos de prevenção e de tratamento de doenças são desenvolvidos a partir de pesquisas, do laboratório aos seres humanos. A pesquisa básica estuda os mecanismos de ação de novos fármacos, propõe estratégias preventivas e terapêuticas, que são amplamente testadas antes de serem aprovadas ou rejeitadas.
Assim, embora a medicina seja exercida frequentemente como profissão liberal, suas bases são científicas. Foram os extraordinários avanços da ciência no último século, assim como as políticas públicas adotadas por governos esclarecidos, que permitiram eliminar a varíola e a paralisia infantil graças à vacina, bem como reduzir fortemente a mortalidade infantil e praticamente dobrar a expectativa de vida dos seres humanos.
Não se decide se a Terra é redonda ou plana, se Marte é um planeta ou um holograma, por meio de enquetes de opinião, como essa ora realizada pelo CFM. Questões científicas são tratadas por cientistas, mediante procedimentos rigorosos e mundialmente consagrados.
A Diretoria da SBPC