Anunciou reunião sem avisar ninguém. Não sabia nem a sua composição. Disse que mostraria ao Conselho as fotos das manifestações para mostrar força. Se isolou ainda mais. Ninguém quis participar
Os dois discursos de Bolsonaro, proferidos nos caminhões de som neste dia Sete de Setembro, tiveram consequências imediatas. A primeira delas foi que partidos políticos antes indecisos sobre o impeachment do presidente, caminharam em direção a uma análise mais detida dos vários pedidos que pululam na Câmara dos Deputados contra ele.
Estes foram os casos do PSDB, do PSD e do Solidariedade. No caso do PSDB, ele conseguiu um feito inédito. Unir as duas alas do partido contra ele, a do governador João Doria, de São Paulo, e a do governador Eduardo Leite, do Rio Grande do Sul. Ambos defenderam publicamente, nesta terça-feira, a abertura de processo contra o presidente.
No pronunciamento de Brasília, depois de ameaçar o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) caso não “enquadre” Alexandre de Moraes, Bolsonaro anunciou para o dia seguinte, ou seja, para quarta-feira (8), às 17 horas, uma reunião do Conselho da República. “Vou a São Paulo e retorno, amanhã estarei no Conselho da República, juntamente com ministros, juntamente com o presidente da Câmara, do Senado e do Supremo Tribunal Federal, com essa fotografia de vocês. Vou mostrar para onde nós todos devemos ir”, disse Bolsonaro.
Revelando desconhecimento da composição do Conselho da República, Bolsonaro citou nominalmente o presidente do STF, Luiz Fux, como integrante do órgão mas, o presidente do STF não faz parte do Conselho. O ministro disse a interlocutores que não faz sentido participar da reunião de um Conselho ao qual ele não integra. Fux informou que vai também consultar os demais ministros da Corte após o discurso de Bolsonaro em São Paulo para avaliar uma reação.
Bolsonaro se achou no direito de convocar o presidente do STF para a reunião do Conselho da República depois de esculhambar com um integrante da Corte e exigir dele, Fux, que tomasse “providências” contra esse integrante do órgão. Diante de milhares de apoiadores em Brasília, o presidente disse que “ou o chefe desse poder enquadra o seu, ou esse poder pode sofrer aquilo que nós não queremos”.
A declaração é uma clara referência a Fux e a Alexandre de Moraes, além de uma ameaça de impeachment de integrantes do STF, tese já rejeitada pelo Senado. E ele ainda achava que Fux estaria na reunião.
De acordo com a Constituição, participam do Conselho o presidente da República, o vice-presidente, os presidentes da Câmara e do Senado, além dos líderes da maioria e da minoria das duas casas legislativas. Também está prevista a presença do ministro da Justiça e de seis cidadãos com mais de 35 anos, sendo que Presidência, Câmara e Senado indicam duas pessoas cada um.
Entre os membros do Conselho estão o senador Renan Calheiros (MDB-AL), líder da maioria, relator da CPI da Covid, opositor do presidente, e o deputado federal Marcelo Freixo (PSB-RJ), líder da minoria. Nenhum deles confirmou que participaria da reunião anunciada por Bolsonaro. Mesmo citado de forma equivocada pelo presidente, o presidente do STF, também disse que, se convidado, não participará de reunião convocada por Bolsonaro.
O senador Rodrigo Pacheco, que hoje publicou artigo na imprensa criticando as atitudes de Bolsonaro, afirmou que não foi informado sobre qualquer compromisso do Conselho nos próximos dias. O ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, a quem cabe formalmente a convocação, não estava informado da reunião, segundo assessores. Ciro, inclusive, procurado por chefes de outros poderes após o anúncio de Bolsonaro.
Resultado do imbróglio criado pela convocação extemporânea de Bolsonaro e da total ignorância, demonstrada quanto à composição do Conselho da República: vários integrantes do órgão afirmaram que não iriam participar da reunião. Mais um vexame do presidente, pois a sua pomposa reunião, anunciada do caminhão de som, foi cancelada oficialmente, por falta de adeptos, pelo Palácio do Planalto, mesmo antes de ser convocada.
Cabe ao Conselho da República deliberar sobre a decretação de medidas radicais, como intervenção federal, estados de defesa e sítio, além de discutir questões relevantes para a estabilidade das instituições democráticas. Tais instrumentos, no entanto, precisam do aval do Congresso para serem postas em prática. Em 2018, ele foi chamado para discutir a decretação da intervenção federal na segurança do Rio.