“‘Nós colocaríamos uma escuta em você e teria uma equipe para dar suporte e você vai ter uma audiência com Alexandre de Moraes. Você conduz a conversa, a gente impede o Lula de assumir, e Alexandre será preso'”, contou o senador sobre a proposta
O senador Marcos do Val (Podemos-ES) afirmou nesta quinta-feira (2), em vídeo divulgado em suas redes sociais, que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) tentou coagi-lo para participar de um golpe de estado. A investida, segundo o parlamentar, foi recusada e prontamente denunciada.
Já tinha sido descoberta, pela Polícia Federal, uma minuta de um decreto golpista assinado por Bolsonaro. O documento foi encontrado numa operação de busca e apreensão na casa do ex-ministro da Justiça de Bolsonaro, Anderson Torres, que está preso. Agora, surge mais essa denúncia do parlamentar capixaba que comprova as intenções golpistas do governo derrotado nas urnas.
O senador do Espírito Santo, que anunciou que vai renunciar ao seu mandato, contou um diálogo que teve a participação do então presidente Jair Bolsonaro (PL), logo após as eleições de outubro, em que o então deputado Daniel Silveira (PTB-RJ) propôs uma ação golpista.
“Eles me disseram: ‘Nós colocaríamos uma escuta em você e teria uma equipe para dar suporte, e você vai ter uma audiência com Alexandre de Moraes, e você conduz a conversa pra dizer que ele está ultrapassando as linhas da Constituição. E a gente impede o Lula de assumir, e Alexandre será preso'”, disse o senador.
O senado disponibilizou um print de uma conversa posterior com Daniel Silveira. Confira!
Marcos do Val diz que pediu para analisar a proposta e responder em um segundo momento. Na sequência, relatou o caso ao próprio ministro Alexandre de Moraes. Segundo o senador, Moraes ficou surpreso e considerou a proposta “um absurdo”. O parlamentar afirma que a proposta envolvia não desmobilizar os acampamentos golpistas e, enquanto isso, gravar sem autorização alguma conversa que comprometesse o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes.
Após a transmissão, Marcos do Val usou sua conta no Instagram para reforçar o que havia declarado anteriormente. “Perdi a convivência com a minha família em especial com minha filha. Não adianta ser transparente, honesto e lutar por um Brasil melhor, sem os ataques e as ofensas que seguem da mesma forma. Nos próximos dias, darei entrada no pedido de afastamento do senado e voltarei para a minha carreira nos EUA”, escreveu o senador.
“Eu ficava puto quando me chamavam de bolsonarista. Vocês me esperem que vou soltar uma bomba. Sexta-feira vai sair na Veja a tentativa de Bolsonaro de me coagir para que eu pudesse dar um golpe de estado junto com ele, só para vocês terem ideia. E é logico que eu denunciei”, afirmou o parlamentar.
Na publicação, o senador diz que vem sendo alvo de ofensas – o que tem sido “muito pesado para a minha família”. “Após quatro anos de dedicação exclusiva como senador pelo Espírito Santo, chegando a sofrer um princípio de infarto, venho através desta, comunicar a todos os capixabas a minha saída definitivamente da política”, afirma o post.
Marcos do Val também alegou ter perdido a “paixão” por sua atividade parlamentar e que vem sofrendo ofensas pesadas. “Desculpem, mas meu tempo, a minha saúde, até a minha paciência já não estão mais em mim! Por mais que doa, o adeus é a melhor solução para acalmar o meu coração”, destacou.
“Nada existe nada de grandioso sem paixão. Essa paixão não estou tendo mais em mim”, afirma o parlamentar em outro trecho. A suplente de Marcos do Val no Senado é Rosana Foerst. Até 2021, o nome de Rosana constava como gerente de Benefícios e Transferência de Renda da Secretaria de Trabalho, Assistência e Desenvolvimento Social do Espírito Santo.
COLETIVA NESTA QUINTA
Em entrevista coletiva nesta quinta-feira (2) o sanador Marcos do Val, que foi instrutor da Swat norte-americana, informou que não pretende mais abandonar o Senado. Ele disse que ouviu apelos neste sentido e que repensou. Sobre suas declarações anteriores, ele também fez alguma modificações.
Ele disse que na reunião secreta com a presença de Daniel Silveira e Jair Bolsonaro, ocorrida em 9 de dezembro, onde ele foi incumbido de fazer a escuta ilegal de Alexandre de Moraes, só Silveira teria falado.
A nova versão, apesar de pretender aliviar Bolsonaro, não cumpre, na opinião de especialistas, essa função, já que o presidente participou de um reunião secreta, numa residência oficial, com fins de preparação de um golpe de Estado. Além do mais, Marcos do Val afirmou que, ao final, Bolsonaro disse: “então, a gente espera a sua resposta à nossa proposta”..
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes autorizou, também nesta quinta-feira (2) que a Polícia Federal tome depoimento do senador em investigação que apura os atos golpistas. Ele já havia decretado a prisão de Daniel Silveira. Para a Polícia Federal, o depoimento do parlamentar é necessário porque o senador divulgou nas redes sociais que possui “informações relevantes” para a investigação de ações golpistas.
DECLARAÇÕES À VEJA
Segundo a reportagem da revista Veja, esta conversa ocorreu no dia 9 de dezembro de 2022, ou seja, 21 dias antes da posse de Lula. Na reunião do Alvorada, Bolsonaro descreveu os detalhes dessa operação. Estavam presentes, além dele, dois parlamentares aliados: o deputado Daniel Silveira (PTB-RJ) e o senador Marcos do Val (Podemos-ES).
Seguem abaixo alguns trechos da reportagem da revista Veja confirmando o relato do Senador Marcos do Val sobre a artimanha golpista de Bolsonaro e Daniel Silveira
“Com o apoio de um grupo muito restrito, foi elaborado então o seguinte plano: alguém de confiança do presidente se aproximaria do ministro Alexandre de Moraes, presidente do TSE, devidamente equipado para gravar as conversas do magistrado com o intuito de captar algo comprometedor que servisse como argumento para prendê-lo. Esse seria o estopim que continuaria uma série de medidas que provavelmente atirariam o país numa confusão institucional sem precedentes desde a redemocratização.
Ainda segundo Veja, uma das mensagens foi enviada por Marcos do Val a Alexandre de Moraes no dia 12 de dezembro, às 20h56, três dias depois da reunião no Palácio da Alvorada. Nela, o congressista pede para falar pessoalmente com o magistrado, diante da gravidade do que havia tomado conhecimento.
“Dia emblemático”, escreveu o parlamentar, remetendo aos acontecimentos registrados em Brasília naquelas últimas horas. Pela manhã, Lula havia sido diplomado pelo TSE. À tarde, manifestantes bolsonaristas tentaram invadir a sede da Polícia Federal para salvar um preso, seguido de um confronto com a polícia e atos de vandalismo que ganharam um rastro de destruição pela cidade. Depois da ressalva inicial, do Val justificou a urgência em encontrar o ministro: “Precisava falar como foi o encontro com o PR e o DS”. PR era o presidente da República. DS era o deputado Daniel Silveira. O senador relatou que os dois o convidaram para participar do que ele definiu como “uma ação esdrúxula, imoral e até criminosa”. O ministro agendou o encontro pessoal para dali a dois dias.
Moraes já estava sabendo de que algo estranho estava sendo tramado. Um primeiro alerta havia sido feito pelo próprio Marcos do Val. Dois dias antes da reunião no Alvorada, o senador foi procurado por Daniel Silveira durante uma sessão do Congresso. O deputado disse que Bolsonaro tinha um assunto importante e urgente para falar com ele. Na sequência, ligou para o presidente e passou o telefone ao senador. Foi uma conversa rápida, na qual o mandatário conversou apenas que tinha uma questão que precisava ser resolvida de imediato e perguntou se o senador não podia “dar um pulinho” no palácio. O encontro foi combinado para dois dias depois. Daniel Silveira é investigado num inquérito cauteloso por Alexandre de Moraes, já foi condenado e preso por ameaça ao estado democrático de direito.
Por sugestão de Daniel Silveira, ficou combinado que ele e o senador se referiam ao encontro apenas por códigos. No dia marcado, o deputado passou uma mensagem de áudio a Marcos do Val para instruí-lo sobre como chegar ao destino, de maneira discreta, sem serem vistos: “Vou te mandar a minha localização, mas tu não entra não, no Alvorada. E nem chega perto da entrada. Tu não vai aparecer. Tu vai parar o carro no estacionamento que eu vou te mandar a localização. Eu vou estar ali. O carro vai vir buscar a gente”. E assim foi. Por volta das 17h30 do dia 9, Marcos do Val seguiu com seu motorista até a localização enviada pelo deputado por GPS – um via que dá acesso ao Palácio do Alvorada, próximo ao Palácio do Jaburu, residência oficial do vice-presidente.
A reunião com o presidente durou cerca de 40 minutos. Era uma sexta feira. Bolsonaro recebeu os visitantes vestido de bermuda, camisa de manga curta e chinelo. Os três falaram sobre vários temas, do acampamento de manifestantes em frente aos quartéis até às supostas fraudes no processo eleitoral. Neste instante, Daniel Silveira interveio, disse que o senador era uma pessoa de sua confiança e pediu ao presidente que apresentasse a ideia de que “salvaria o Brasil”.
Bolsonaro e seus auxiliares atribuem a derrota do presidente à interferência do ministro Alexandre de Moraes durante a campanha eleitoral. Acreditavam que conseguiam provar isso caso conseguissem se aproximar do magistrado e gravar suas conversas. Captar um diálogo que sugerisse algo nessa direção pavimentaria o caminho para o que se pretendia na sequência: prender o ministro.
“Do Val quis saber como isso seria feito. Bolsonaro disse que já tinha confirmado com o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), órgão responsável pela segurança do presidente e que tem a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) sob seu organograma, que daria o suporte técnico à operação, fornecendo os equipamentos de espionagem necessário. Apenas cinco pessoas conseguem conhecimento do plano.
“Três estavam na reunião: Jair Bolsonaro, Daniel Silveira e Marcos Do Val, a quem caberia a tarefa de gravar Alexandre Moraes, caso aceitasse a missão. O senador foi escolhido porque conheceu o ministro há mais de uma década. Era, portanto, o personagem certo para se aproximar do magistrado sem levantar suspeitas e montar a armadilha que, nas palavras de Bolsonaro, “iria salvar o Brasil”. Do Val pediu um tempo para pensar na proposta. Mas havia pressa.
“No dia seguinte à reunião, Silveira inventou uma série de mensagens ao senador cobrando uma resposta. Na primeira delas, reafirmou que do Val poderia ficar tranquilo, que a missão era segura. Repetiu que apenas três pessoas sabiam do plano, e outras duas tomariam conhecimento apenas após a conclusão da primeira etapa da operação — “cinco estrelas”, destacou, fazendo supor que os dois personagens ocultos seriam militares. O deputado garantiu que a coisa toda era tão sigilosa que “nem o Flávio saberá”, se referindo ao filho do presidente, Flávio Bolsonaro.
“Estarei em QAP até o comando do 01 para irmos até lá”, acrescentou. No jargão policial, QAP significa “na escuta”, de “prontidão”. Por último, Silveira lembrou que “o conteúdo” captado seria utilizado exclusivamente para pautar a “ação” que já estaria “desenhada e pronta para ser implementada”.
“Percebendo a hesitação do colega e preocupado com o tempo, Silveira continuou insistindo. “Não há riscos”. “Caso não extraia nada, é descartado o conteúdo e ninguém saberá”. E voltou a destacar a importância da missão: “Não sei se você compreendeu a magnitude desta ação. Ela define, literalmente, o futuro de toda a nação”. O deputado pede ao senador que ele não comente nada com absolutamente ninguém. Do Val sem resposta continua. Numa terceira mensagem, Silveira lembrou que as “escutas usadas em operações especiais” já estavam à disposição. E garantimos mais uma vez o apelo: “Se aceita a missão, parafraseando o 01, salvamos o Brasil”. Zero Um é o presidente da República. Por fim, numa quarta e última mensagem, o deputado lembra que “pessoas muito importantes e relevantes” estão envolvidos na operação e que todos depositavam nele “uma esperança sem precedentes”. Nada de resposta.
“No dia 14 de dezembro, na data agendada pelo ministro para o encontro com o senador, o Supremo Tribunal Federal julgou a legalidade do chamado orçamento secreto. No intervalo da sessão, Alexandre Moraes deixou o plenário e, de toga, foi até o salão branco do prédio, onde Marcos do Val já o aguardava, conforme o combinado. A conversa foi rápida, durou apenas alguns minutos. O parlamentar narrou detalhes do encontro que teve com o presidente, da proposta indecorosa que recebeu e dos objetivos abjetos do plano. Acostumado nos últimos tempos a lidar com as mais mirabolantes teorias da conspiração, Moraes fez um único comentário: “Não acredito”, disse em tom de espanto. À noite, depois de relatar o caso ao ministro e condenado de que estava se envolvendo em algo perigoso, Val finalmente respondeu às mensagens de Daniel Silveira. “Irmão, vou declinar da missão”, escreveu, sem dar maiores emoções. O deputado assentiu: “Entendo, obrigado”.
Bolsonaro, Daniel Silveira e os outros envolvidos nessa trama para dar um golpe tem que serem punidos com todo rigor da lei.