O pacote de arrocho que prevê extinção de empresas públicas e retirada de verba de universidades, o Projeto de Lei 529/2020, entrou em sua fase final na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp).
Em síntese o PL 529/20, gestado pela Secretaria da Fazenda, de Henrique Meirelles prevê o fim de 10 autarquias públicas, a entrega de 9 parques para o setor privado, e a interferência na receita das três principais universidades públicas paulistas – USP, UNESP e UNICAMP. Tudo para ser executado até o início do próximo ano.
Após o adiamento da votação convocada para a última segunda-feira (28), resultado de uma manobra da oposição para barrar o PL, a sessão extraordinária de votação desta terça-feira (29) também foi encerrada por falta de quórum.
Com a oposição de muitos deputados ao pacote, a previsão é que não ocorra acordo para diminuir os tempos de discurso em plenário. Dessa forma, o texto pode ser discutido por mais de seis horas, levando as sessões até a madrugada. Deputados da oposição e independentes trabalhavam para que a sessão não tivesse quórum, postergando ainda mais a votação pros próximos dias.
O projeto passou mais de três semanas parado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Assembleia, que não se reuniu por falta de quórum. Deputados agora levantam a hipótese de que a falta de reuniões tenha sido intencional, para que o projeto não fosse debatido. Foram menos de 24 horas entre a nomeação do relator especial e a apresentação de seu relatório, com 68 páginas.
Cerca de 623 emendas foram propostas à matéria, que traz questões pertinentes à venda de imóveis do Estado; extinção de entidades descentralizadas; alterações em tributos como o ICMS e IPVA, e contribuição de servidores junto ao Iamspe, além de tratar da utilização de Fundos Especiais e da criação de Programa de Demissão Incentivada (PDI).
No entanto, as mesmas 623 emendas ao texto foram rejeitadas no relatório pelo relator Alex de Madureira (PSD), que traz algumas alterações para moderar a proposta inicial. Na história do poder legislativo, a tramitação do projeto é algo sem precedentes, incluindo as dez emendas feitas pelo próprio relator foram rejeitadas.
A autorização para extinguir institutos, fundações e estatais foi mantida na proposta, apesar de emendas e manifestações enviadas à Alesp que pedem a exclusão desse trecho do projeto. Foram incorporadas, contudo, algumas mudanças. A Fapesp e o Caixa Beneficente da Polícia Militar (que administra a assistência a familiares de PMs) foram poupados da obrigação de repassar o superávit anual aos cofres do estado. A medida continua valendo para as demais autarquias e fundações, como Unicamp, Unesp e USP.
O PL/529 propõe ainda a extinção de dez empresas públicas estaduais. São elas:
• Fundação Parque Zoológico de São Paulo;
• Fundação para o Remédio Popular (FURP)
• Fundação Oncocentro de São Paulo (FOSP);
• Instituto Florestal;
• Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano de São Paulo (CDHU);
• Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos de São Paulo S. A. (EMTU/SP);
• Superintendência de Controle de Endemias (SUCEN);
• Instituto de Medicina Social e de Criminologia (IMESC);
• Departamento Aeroviário do Estado de São Paulo (DAESP);
• Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo (ITESP).
Durante a sessão extraordinária, parlamentares discorreram sobre o conteúdo da proposição e acerca da relação entre os poderes. “Fico me perguntando se não era hora de o governo do Estado estar preocupado em construir estruturas de governança metropolitana e não extingui-las”, pontuou o deputado Maurici (PT), enquanto Gil Diniz (PSL) criticou a convocação desta segunda-feira: “O que me surpreende é a subserviência deste poder ao Executivo, eu tenho vergonha”.
Para a deputada Leci Brandão (PCdoB), que é coordenadora da Frente Parlamentar sobre Privatização e em Defesa do Patrimônio e dos Serviços Públicos de Qualidade, “política social não é para dar lucro, é algo relacionado ao bem viver da população, às demandas do povo pobre e da maioria da população do Estado, inclusive”. Na avaliação da parlamentar, fundações, autarquias e empresas não podem ser responsabilizadas pelo déficit orçamentário causado pela pandemia e citado pelo governo em uma estimativa de R$ 10,4 bilhões para o ano de 2021.
Em questão de ordem, o deputado Campos Machado (PTB) observou a falta de debates e deliberações de comissões permanentes em torno da propositura. Avaliando aspectos legais, o parlamentar pediu para que a deliberação da matéria não acontecesse até pronunciamento do Judiciário sobre sua constitucionalidade. “O início da votação do PL 529/2020, por este Plenário, colocará em xeque a credibilidade e a seriedade desta Casa na avaliação independentemente de matéria”.
A deputada Monica Seixas da Bancada Ativista (PSOL) também apontou a falta de tempo para analisar o texto e a multidisciplinaridade da propositura, que ela definiu como “um ataque gratuito aos serviços públicos e aos servidores”, ao pedir provas do impacto no orçamento.
Na tribuna, o deputado Caio França (PSB) defendeu a importância da Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp), questionou a retirada de direitos de pessoas com deficiência e informações do Executivo. “Além de ser um projeto que trata de tantos temas, o que é um absurdo, os dados que o governo nos apresenta e defende aqui não são verdadeiros”. Segundo ele, dentre as entidades presentes na lista de extinção, existem superavitárias, como a CDHU.
Na mesma linha seguiu o deputado Carlos Giannazi (PSOL) que, dentre os pontos abordados, criticou a tramitação da matéria e a designação de relator especial para formular relatório em substituição ao parecer das comissões. “O projeto não tramitou, não foi debatido nas comissões pertinentes”, declarou. Parte dos parlamentares também mencionaram a falta de audiências públicas para a construção da propositura.
Sobre as alterações de tributos previstas no texto, o deputado Daniel José (Novo) ironizou que grande parte dos recursos arrecadados com as medidas da proposição vêm do aumento do ICMS e não da diminuição da máquina pública. “De onde vem o resto do resultado financeiro deste projeto se só R$ 500 milhões são de redução de estruturas? É aí que começamos a ver onde o peso do Estado aumenta nas costas do cidadão comum”, disse ele.
PREJUÍZOS À POPULAÇÃO
Numa audiência pública na Alesp, realizada no dia 14 de agosto, servidores dos órgãos estaduais ameaçados pelo projeto elencaram os prejuízos à população caso o PL 529 seja aprovado e destacaram que a economia alegada pelo governo será bem menor do que se o governo tomasse medidas como a revisão de renúncias fiscais a empresas.
“Essas despesas, se forem cortadas, não significarão praticamente nada em termos de recursos para o estado”, disse a deputada Beth Sahão (PT), que propôs a audiência. Ela destacou que os órgãos a serem extintos ou privatizados representam investimento ínfimo do orçamento estadual.
A parlamentar disse que o governo prevê queda de cerca de R$ 22 bilhões na receita por conta da crise causada pelo coronavírus, mas argumenta que o problema poderia ser enfrentado de outra forma: “Por exemplo, nos mais de R$ 40 bilhões que concede de renúncia fiscal. Ou seja, tem como resolver. É só deixar de transferir recursos públicos para o setor privado”.
Os participantes lembraram ainda que as empresas ameaçadas não representam ônus aos cofres públicos, visto que muitas delas sofrem há anos com falta de recursos e de concursos públicos para renovar seus quadros, prestando atendimento a duras penas graças aos servidores.