Citado como “exemplo” de combate ao coronavírus por Jair Bolsonaro, a Suécia, “o país que não fechou”, tem a mais alta taxa de mortalidade per capita da doença de toda a Europa, sendo que 90% dos seus idosos – setor que concentra a maior parte dos mortos – não foram sequer encaminhados a hospitais e faleceram no próprio asilo. A denúncia foi publicada no dia 21 de maio pelo Sörmlands Media, com base em dados do Conselho Nacional de Saúde e Bem-Estar.
Outro estudo divulgado pela Universidade de Oxford aponta que, até a última terça-feira, das 4.125 mortes causadas pela doença no país nórdico, 3.848 eram de pessoas de mais de 60 anos, que representam 95% dos óbitos por Covid-19. Do total, 65% tinham mais de 80 anos – e cerca de três quartos viviam em asilos, segundo o governo. Porém, apenas 3,9% das pessoas que tiveram acesso a atendimento em Unidades de Terapias Intensivas (UTIs) tinham mais de 80 anos
De acordo com as estatísticas oficiais de terça-feira (26), a Suécia contabiliza 34.440 casos confirmados pela pandemia, dos quais tão somente 343 pessoas estão internadas em UTIs.
No levantamento mais recente, da universidade americana Johns Hopkins, o país estaria em sexto lugar no ranking mundial, com uma taxa de mortalidade de 39,57 por 100 mil habitantes – quase quatro vezes superior à registrada pelo Brasil (11,21 por 100 mil habitantes).
ABUSOS
Frente à explosão de denúncias e comprovações de ilegalidades, o governo sueco foi obrigado a recuar e reconhecer o fracasso da sua “estratégia” de não proteger adequadamente seus idosos. Um sem número de documentos explicitou o fracasso de tratamento nos próprios asilos – em vez de encaminhá-los a hospitais e UTIs – e agir com cuidados paliativos (de fim de vida), no lugar de tratamentos; e a orientar a não administração de oxigênio, mesmo nas manifestações mais extremas da doença.
Em seus casos mais graves, um dos principais sintomas da Covid-19 é precisamente a falta de ar. Após receber 317 notificações sobre falhas na administração de oxigênio, o órgão de inspeção sanitária (IVO) anunciou na quarta-feira que irá investigar as condições das instituições de longa permanência de idosos. “Temos recebido sinais de que os idosos não têm tido acesso a tratamento com oxigênio, que faz parte das recomendações para tratamento paliativo do Conselho Nacional de Saúde e Bem-Estar”, afirmou a diretora-geral do IVO, Sofia Wallström, frisando que “todos têm direito a receber o cuidado de que precisam, seja paliativo ou de outro tipo”.
Outra estatística, publicada no dia 21 de maio pelo Sörmlands Media, com base em dados do Conselho Nacional de Saúde e Bem-Estar, indicou que 90% dos idosos não foram encaminhados a hospitais – mas morreram no próprio asilo. Um documento interno do Hospital Universitário Karolinska, com objetivo de orientar os chefes de UTIs na tomada de decisão durante a pandemia, estipulou que pessoas com mais de 80 anos, bem como pessoas entre 60 anos e 80 anos com múltiplas doenças, não deveriam receber prioridade para terapia intensiva.
A situação é tão alarmante que são inúmeros os exemplos como de Thomas Anderson, que somente viu seu pai, Jan Anderson, de 81 anos, receber tratamento depois que denunciou o asilo Ärlingshem, perto de Estocolmo, à imprensa e às autoridades. Thomas disse que um médico orientou a enfermeira por telefone, sem consultar ou informar a família, a prescrever morfina ao paciente. Após a intervenção do filho, o idoso passou a receber soro e anticoagulantes. Não havia oxigênio, mas ele sobreviveu à doença.
A médica inspetora do IVO e neurocientista Jenny Fjell, 47, diz ter ficado chocada com a morbidade das ditas “recomendações”. “Não podia ficar ali, pensando que as pessoas estavam simplesmente sendo mortas. E de onde saiu essa ideia de dar cuidado paliativo? Ninguém questionou se essa realmente era uma doença tão letal? Como médica, não faz sentido pra mim. Não acredito que médicos e enfermeiras queiram ser assassinos. Mas muitos dos meus colegas também diziam que estavam só ‘seguindo ordens’”.
Diante da gravidade da situação, Jenny criou a página “Todos têm direito a oxigênio”. E alertou: “Ligue para o médico da família e pergunte o que está sendo aplicado em asilos e home cares de sua região. Mande e-mails para funcionários públicos e políticos do seu município ou distrito. Certifique-se de manifestar por escrito, para você e para seus entes queridos, que quer cuidados hospitalares, se for necessário, no tratamento da Covid-19. Ligue para o asilo mais próximo e pergunte como eles estão agindo lá. Sinta-se à vontade para gravar”, recomendou.