Em nota divulgada na última terça-feira (8), o Ministério Público Federal (MPF) apontou inconstitucionalidade em projeto de lei que tenta legalizar a mineração em terras indígenas da Amazônia visando as reservas de potássio da região.
No documento, o MPF destaca que “o estado de beligerância, de ameaça externa ou mesmo a declaração de guerra entre dois ou mais países não autorizam a diminuição do sistema de proteção internacional dos direitos humanos, particularmente das minorias e de grupos vulneráveis”.
A base governista de Jair Bolsonaro no Congresso endossa o projeto e tem defendido a celeridade na apreciação do texto desde o início da guerra entre Rússia e Ucrânia, principais fornecedores de fertilizantes à base de potássio para o Brasil.
Apesar do risco de desabastecimento, líderes ambientalistas apontam que a aprovação do texto não solucionaria a questão a tempo do fim do conflito, e argumentam que o episódio é somente uma justificativa encontrada pelo governo para legalizar a mineração em terras indígenas, ponto que, mesmo sem uma legislação em vigor, já faz parte da realidade da Amazônia, um dos polos mundiais de exploração mineral.
O órgão superior do MPF ressalta que, ao contrário, no estado de guerra, seguindo os termos da Convenção de Genebra, a rede de defesa dos refugiados, crianças, mulheres e de grupos étnicos minoritários deve ser ampliada.
De acordo com a nota, eventual escassez ou dependência externa para a produção de fertilizantes químicos em benefício de um setor específico da economia nacional, por mais relevante que seja, não pode servir ao propósito de fragilizar ou aniquilar o direito constitucional dos índios às terras que tradicionalmente ocupam e ao usufruto exclusivo de suas riquezas naturais.
O MPF cita o levantamento feito pelo Estadão, divulgado na última quinta-feira (3), que mostra que, somente no estado do Amazonas, “a maioria das principais minas de potássio, substância usada em fertilizantes para o agronegócio, está localizada fora de terras indígenas”. Com isso, segundo a Câmara do MPF, o resultado revela que não há sobreposição entre elas na imensa maioria dos casos, “o que significa que não são as terras indígenas que impedem a exploração de potássio no país”.
A nota também reitera argumentos já apresentados em manifestações anteriores sobre o tema. De acordo com o MPF, o PL 191/2020 contém “vício insanável”, incompatível com o regime de urgência, porque pretende regulamentar a atividade minerária em terras indígenas, sem prévio debate no Congresso Nacional sobre as hipóteses de interesse público da União, com a edição de lei complementar, como determina a Constituição.
Por fim, reitera o pedido para que o Executivo, por meio da Fundação Nacional do Índio (Funai), do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), da Polícia Federal e do Ministério da Defesa, adote todas as providências necessárias para coibir a mineração e o garimpo ilegal em terras indígenas, inclusive para a retirada de garimpeiros invasores dessas terras.
O MPF tem se manifestado reiteradamente contra o PL 191/2020, destacando a inconstitucionalidade da proposta e a preocupação com o aumento do garimpo ilegal em terras indígenas.
Em junho do ano passado, o MPF divulgou nota pública contra a mineração em terras indígenas, na qual reafirmou que a mineração e as obras de aproveitamento hidrelétrico em TIs mereceram atenção especial da Constituição de 1988, justamente pelo potencial dano e ameaça à vida e à cultura desses povos.
Em fevereiro de 2020, o órgão superior do MPF já havia divulgado nota contra o mesmo PL. No documento, a Câmara alertou que a aprovação do projeto pode levar à “destruição de importantes áreas hoje ambientalmente protegidas, assim como à desestruturação ou desaparecimento físico de diversos povos indígenas, especialmente aqueles localizados na região Amazônica”.
Em junho do mesmo ano, o órgão superior do MPF enviou nota técnica ao Congresso Nacional defendendo a rejeição do projeto pelas Casas Legislativas. O documento informa, entre outros pontos, que há na Constituição Federal expressa distinção entre as atividades econômicas minerárias em geral, a mineração estratégica em terras indígenas e as atividades produtivas indígenas existentes sobre minerais em seus próprios territórios.
Veja a nota na íntegra:
http://www.mpf.mp.br/pgr/documentos/PGR00085541.2022.pdf