Uma nova testemunha ouvida no caso de Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes, assassinados a tiros no dia 14 de março, revelou em seu depoimento que o vereador Marcello Siciliano (PHS) e Orlando Oliveira de Araújo, ex policial militar preso sob acusação de comandar uma milícia na Zona Oeste, queriam a morte da vereadora.
O homem que trabalhou para uma das maiores milícias do Rio de Janeiro, procurou a Superintendência da Polícia Federal para, em troca de proteção, denunciar o envolvimento do vereador e do ex-policial militar. Nos depoimentos, ele deu informações sobre datas, horários e locais de reuniões entre o vereador e o miliciano, que hoje está preso em Bangu 9. Ele também forneceu detalhes de como a execução foi planejada.
A testemunha depôs ao chefe da Polícia Civil, delegado Rivaldo Barbosa, e afirmou ter presenciado ao menos quatro conversas entre o político e o ex-policial, que segundo ele, ainda chefia uma milícia na Zona Oeste do Rio. Ele também entregou o nome de quatro homens que teriam sido escolhidos para o assassinato, agora investigados pela polícia. O depoente afirmou que, em junho do ano passado, testemunhou um encontro entre o vereador e o ex-PM em um restaurante na Avenida das Américas, no Recreio dos Bandeirantes, cujo nome foi fornecido aos policias. Ele disse que ouviu os dois falando sobre Marielle. “Eu estava numa mesa, a uma distância de pouco mais de um metro dos dois. Eles estavam sentados numa mesa ao lado. O vereador falou alto: ‘Tem que ver a situação da Marielle. A mulher está me atrapalhando’. Depois, bateu forte com a mão na mesa e gritou: ‘Marielle, piranha do Freixo’. Depois, olhando para o ex-PM, disse: ‘Precisamos resolver isso logo’”, afirmou a testemunha, referindo-se a uma menção feita ao deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL), de quem Marielle foi assessora durante a CPI das Milícias, na Assembleia Legislativa do Rio.
Na época desta reunião, o ex-PM já era foragido da Justiça. Ele tinha dois mandatos de prisão, e, em outubro, foi preso numa operação da Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas e Inquéritos Especiais (Draco-IE), da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core) e da Subsecretaria de Inteligência da Secretária de Segurança. A testemunha afirmou que o vereador e o ex-PM têm negócios em conjunto na Zona Oeste. Em seus depoimentos, o delator ainda mencionou os nomes de pelo menos 15 pessoas, incluindo policiais, bombeiros e empresários, que seriam integrantes do grupo comandado pelos dois. O Siliciano é quem dá o suporte financeiro a várias ações da milícia, de acordo com o depoimento. “O ex-PM era uma espécie de capataz do vereador, que passou a apoiar a expansão do grupo. Pelo que sei, era apoio político, mas ouvi comentários de que a milícia agia em grilagem de terras na Zona Oeste, especialmente no Recreio dos Bandeirantes”.
O motivo da testemunha ter todas estas informações é porque, por cerca de dois anos, foi obrigado a trabalhar para o miliciano, depois que ele tomou a comunidade onde o delator instalava equipamentos de TV a cabo. Segundo ele, depois de ser ameaçado de morte, foi coagido a trabalhar para Orlando. “Fui coagido: ou morria ou entrava para o grupo militar. Virei uma espécie de segurança dele. Também ficava responsável por levar o filho para a escola; acompanhava a mulher de Orlando para compra em shoppings”, disse.
Ainda de acordo com ele, a desavença entre o vereador e Marielle foi motivada pela expansão das ações comunitárias da parlamentar do PSOL na Zona Oeste e sua crescente influência em áreas de interesse da milícia, mas que seriam controladas pelo tráfico. Uma das brigas, segundo a testemunha, envolvia comunidades em Jacarepaguá. A testemunha explicou ainda que o ex-PM é dono da comunidade Vila Sapê, em Curicica, que trava uma guerra com os traficantes da Cidade de Deus. Segundo a testemunha, a vereadora passou a apoiar os moradores da Cidade de Deus e comprou briga com o ex-PM e o vereador, que tem uma parte do seu reduto eleitoral na região.
“Ela peitava o miliciano e o vereador. Os dois chegavam a travar uma briga por meio de associações de moradores da Cidade de Deus e da Vila Sapê. Ela tinha bastante personalidade. Peitava mesmo”, revelou. Orlando era o braço operacional do vereador na Zona Oeste. O vereador continuou a contar com o apoio da quadrilha mesmo depois que o miliciano foi preso ano passado.
A testemunha entra em detalhes ainda mais profundos no depoimento, ao contar que um mês antes do atentado à vereadora, o miliciano teria dado a ordem para o crime de dentro da cela de Bangu 9. Primeiro mandou que homens de sua confiança providenciassem a clonagem de um carro. O serviço teria sido feito por dois homens identificados nas investigações. Já clonado, o Cobalt prata foi visto circulando antes do crime próximo ao campo de futebol na comunidade da Merk, na Zona Oeste, controlada pelo ex-PM. A testemunha afirmou que um homem identificado como Thiago Macaco foi encarregado de fazer o levantamento dos hábitos da vereadora: onde ela costumava ir, o local que frequentava e os trajetos que Marielle usava ao sair da Câmara de Vereadores.
Após os depoimentos, a Secretaria de Segurança determinou que a Polícia Civil dê proteção à testemunha.
O Vereador Marcello Siciliano (PHS) nega ter envolvimento com o crime.