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Nesta quinta-feira (13), ocorreu o debate “A cultura como eixo fundamental na reconstrução do Brasil”, durante o 59° Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE), que acontece até domingo, em Brasília. A mesa contou com Lúcia Stumpf, professora da Universidade de São Paulo e ex-presidenta da UNE, Ana Petta, diretora de cinema, Valério Bemfica, presidente do Centro Popular de Cultura da UMES (CPC-UMES), Pedro Laurentino, poeta e escritor e Rosa Amorim, deputada estadual (PT-PE).
Valério Bemfica iniciou sua fala lembrando “uma provocação que fiz na 13ª Bienal da UNE”. “Eu comentava o fato de que o ‘Coiso’ tinha alcançado 48% dos votos válidos na eleição presidencial. Ou seja, que 58 milhões de brasileiros, com maior ou menor entusiasmo, tinham feito coro aos grunhidos emanados do esgoto da história. E isso apesar de todos os crimes cometidos contra a saúde, o patrimônio público, a cultura, a educação e a economia nacionais. Na ocasião eu afirmei: ‘Me desculpem os sociólogos, filósofos, políticos, educadores, mas a resposta sobre como chegamos nisso – e de que forma podemos sair – está no campo cultural. Acho até que poderíamos ter a petulância de rebatizar essa mesa: ‘A cultura É o eixo fundamental na reconstrução do Brasil’, disse à época”.
“Por essa afirmação, tomei um leve puxão de orelhas de um grande amigo, marxista da melhor estirpe. Vou, por isso, tentar me explicar um pouco melhor. ‘Não é a consciência dos homens que determina o seu ser; é o seu ser social que, inversamente, determina sua consciência’, nos lembra o bom e velho Marx. Ou seja, é a estrutura de classes, o conjunto de relações de produção de nossa sociedade que, em última instância, condiciona o que acontece na cultura, na política, nas relações sociais”, argumentou.
“É, portanto, evidente que a luta econômica, pela transformação das estruturas de produção da sociedade, sempre será a principal. Nunca teremos uma educação verdadeiramente libertadora, uma cultura realmente popular e humanista, uma sociedade livre do racismo, do machismo e de qualquer outra forma de preconceito ou mesmo uma democracia plena, enquanto vivermos um regime de opressão de classes. Isso não significa, evidentemente, que não devamos nos empenhar por estas bandeiras. Mas a luta fundamental sempre deverá ser contra a causa da exploração, não contra os efeitos”, afirmou.
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A professora Lúcia Stumpf afirmou que os estudantes precisam continuar lutando pela cultura dentro e fora das universidades. “A universidade mudou, o povo está na universidade e é preciso trazer essas discussões, trazer os anseios das comunidades, das periferias, e garantir que a cultura seja preservada, que ela seja realizada e difundida dentro e fora das universidades”, disse.
Para Pedro Laurentino, “triste de quem vai à universidade só para obter um diploma”. “Sai de lá bitolado, só com seu diploma na mão, pobre de espírito, de ideia, de consciência. Tem que levar a juventude, a cultura da juventude, lá da periferia, para dentro da universidade. E não essa cultura, forjada, desses ‘sertanojos’, que foi, inclusive, quem deu a sustentação de Bolsonaro nesses quatro anos”, disse Laurentino afirmando que sai do encontro “profundamente rejuvenescido com essa plenária, com esse debate”. “E reafirmo aquela frase: ‘ser jovem e não ser revolucionário é uma grande contradição’ e digo também que chegar à maturidade, de cabelos brancos, e não continuar sendo revolucionário é uma profunda decepção”.
O presidente do CPC falou também sobre como “o sistema capitalista busca, de todas as formas, atrasar a consciência social”. “Faz isso solapando a educação, criando uma situação jurídica que criminaliza as lutas sociais e endeusa a propriedade privada, monopolizando os meios de comunicação e informação. E, nos dias de hoje, faz isso – esse é o meu ponto – principalmente através da colonização cultural”.
“INDÚSTRIA CULTURAL”
“No campo do Audiovisual, a coisa é bem clara: sempre existiram políticas públicas para que a produção brasileira crescesse. Desde os tempos de Getúlio Vargas, medidas como isenção de impostos para compra de insumos e equipamentos, cota de tela, incentivo à construção de salas, criação de escolas de cinema e presença estatal na distribuição, garantiram que o percentual de público dos filmes brasileiros chegasse, no passado, a quase 40%, em um parque exibidor essencialmente nacional. Fechamos 2022 com cerca de 4%, com a maioria das salas em mãos de empresas estrangeiras. É claro que o descalabro bolsonarista piorou a situação, mas, nos últimos 10 anos, nunca estivemos acima dos 20%. O que mudou? Fomos convencidos de que o melhor que tínhamos a fazer era nos incorporarmos ao ‘mercado mundial’. A ‘retomada’ do cinema nacional focou suas lentes na cartilha da indústria cultural”, disse Valério.
“É claro que seguimos tendo criadores maravilhosos, diretores, técnicos, atores e roteiristas. Mas o país de Anselmo Duarte, Glauber Rocha, Leon Hirszman, Nelson Pereira dos Santos e Denoy de Oliveira precisa, para fazer filmes, da benção de distribuidoras, exibidores e empresas de streaming gringas! Em maior ou menor grau, produzimos segundo a estética, o formato, a temática e o calendário determinado pela metrópole. Hoje só teríamos um Terra em Transe ou um O Pagador de Promessas se a Netflix ou a Amazon abençoassem. E, com certeza, não o fariam”, continuou.
“Tampouco na música a coisa vai bem. No Brasil de Tom, Vinícius, João Gilberto, Chico, Caetano, Milton, Luiz Gonzaga, Cartola e Dona Lia de Itamaracá (para citar alguns, entre milhares), continuamos produzindo música da mais alta qualidade, mas só vinga o que emplacar dancinha no TikTok. A internet – antes embrulhada como o grande território da liberdade – virou o quintal de Zuckerbergs, Musks e Gates, com seus algoritmos alienantes e manipuladores. Eu poderia ficar recitando por horas exemplos de como o nosso teatro, a nossa poesia, as nossas artes plásticas, as nossas danças, o nosso idioma e a nossa culinária têm sofrido o deletério ataque dos colonizadores culturais”, concluiu o presidente do CPC-UMES.
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POLÍTICA DE ESTADO
Com gritos entoados no debate de “Arte na Veia, Bolsonaro na Cadeia”, a discussão destacou também os avanços conquistados nas Leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc 2, além da discussão da cultura como um investimento, não apenas um eixo.
Para a deputada estadual Rosa Amorim, “é importante preservar a cultura popular, os grupos que preservam o carnaval, o São João, as festas populares, o Carimbó”. “Da mesma forma, é importante preservar e organizar os pontos de cultura, pois a cultura é nosso direito, a cultura precisa ser fomentada e com investimento. A cultura emprega milhares de pessoas, movimenta economicamente o país. Também é preciso pensar nestas pessoas. Investimento, cuidado e atenção é o que precisa a nossa cultura, precisa ser política de estado, para que assim possamos alavancar o país”, afirmou.
TIAGO CESAR