Promotoria da Suécia exumou inquérito arquivado sobre suposta ofensa sexual. Na falta de base legal, a procuradora Persson alegou o “risco de fuga” de Assange, já preso sob segurança máxima em Londres
A equipe de defesa do jornalista e fundador do WikiLeaks, Julian Assange, obteve uma vitória legal ao conseguir na semana passada com que o Tribunal Distrital de Uppsala, na Suécia, rejeitasse pedido da vice-diretora da promotoria sueca, Eva-Marie Persson, de decretação de mandato europeu de prisão à revelia, apesar de sequer existir uma acusação formal contra ele, apenas uma “investigação preliminar” de suposta má conduta sexual, que já fora descartada por duas vezes anteriormente pelos próprios promotores suecos no período de oito anos.
A sentença determinou que, para prosseguir, a investigação não “exigia a detenção de Julian Assange” e o tribunal, portanto, “não acha proporcional deter Julian Assange”, decisão que implica em que a promotoria não tem como avançar com pedido de extradição agora. A Suécia é um dos cinco países que o Relator Especial da ONU sobre Tortura, o jurista suíço Nils Melzer, denunciou por perseguição judicial implacável contra Assange. Os outros são EUA, Grã Bretanha, Austrália e Equador.
Veredicto que foi comemorado pelo advogado sueco de Assange, Per Samuelsson, como “uma grande vitória … os promotores foram rejeitados”. Ele acrescentou que no estágio a que as coisas chegaram, a investigação “está arruinada” e é impossível “fazer as coisas direito em termos da integridade”. Para o ex-presidente da Ordem dos Advogados da Suécia, Bengt Ivarsson, que considerou “correta” a decisão do Tribunal Distrital, “a única coisa razoável a fazer seria abandonar totalmente essa investigação, de uma vez por todas”, afirmou.
Persson teve a desfaçatez de declarar ao tribunal que o mandato europeu de prisão deveria ser concedido porque havia “risco de fuga” de Assange. Questão prontamente desmontada por Samuelsson, já que o jornalista está num presídio de segurança máxima na Grã Bretanha (por faltar a uma audiência, o que em qualquer outro caso, aliás, seria punido com uma multa).
Samuelsson assinalou ainda que sequer Assange fora solicitado a participar voluntariamente da investigação. “Portanto, ele não pode ser preso, por motivo de interrogatório”, afirmou. O advogado de defesa acrescentou que, se quisessem, os promotores suecos poderiam procurar entrevistar Assange na prisão de Belmarsh ou via link de vídeo.
O advogado acusou os promotores suecos de serem uma espécie de linha auxiliar das tentativas norte-americanas para extraditar Assange e insistiu em que o jornalista precisa se concentrar em se defender do pedido de extradição de Washington, no qual é acusado sob a “Lei de Espionagem” por publicar, no WikiLeaks, junto com os principais jornais do mundo, provas de crimes de guerra e de conspirações malignas da diplomacia norte-americana, com sentença que pode ir a 175 anos de cárcere.
INIQUIDADES E LINCHAMENTO
A rejeição por esse tribunal sueco do mandato europeu de prisão para Assange ajuda a chamar a atenção para todas as iniquidades cometidas por órgãos judiciais ingleses e suecos – mas não só eles – contra o jornalista e confirma a denúncia do Relator Especial Melzer sobre um grupo de Estados democráticos “se unindo deliberadamente para isolar, demonizar e abusar de um único indivíduo por tanto tempo e com tão pouca consideração pela dignidade humana e pelo Estado de Direito”. “Esforço conjunto”, cujo objetivo, como apontou, era “entregá-lo aos Estados Unidos, o que é um pouco do elefante na sala”.
Assim, no mês passado, os promotores suecos do nada reabriram a “investigação preliminar”, após o complô conduzido por Washington submeter o governo do Equador a violar sua constituição e o direito internacional de asilo para levar a polícia secreta inglesa para dentro da embaixada em Londres em 11 de abril e arrancar à força Assange. Nesse mesmo dia, um juiz o sentenciou a 50 meses de cadeia, depois de lhe dar 15 minutos para preparar sua defesa. Por faltar a uma audiência, isto é, por ter ido se asilar na embaixada do Equador para escapar de ser extraditado para as mãos da CIA. O que se confirmou com a oficialização no mesmo dia do pedido de extradição dos EUA contra o jornalista, e fim do sigilo do processo em curso há anos contra ele.
Que tudo no caso cheirava a complô também se confirmou com a prisão da denunciante Chelsea Manning por ‘desacato a tribunal’ por se negar a mentir para incriminar Assange, nas vésperas da invasão da embaixada em Londres.
MANDATO DE PRISÃO FAKE
Recentemente, o ex-embaixador britânico, publicista e apoiador do WikiLeaks, Craig Murray, expôs a pouco conhecida pusilanimidade que cerca todo o caso “Suécia vs Assange”.
O mandato de detenção europeu original de Assange da Suécia não foi emitido por nenhum tribunal, mas por uma procuradora, Marianne Ny, em completa violação da Lei britânica de Extradição de 2003, que exige ainda que haja “a decisão de acusar ou de tentar acusar”. Mas foi aceito pela “Justiça” inglesa e, pior, confirmado pela Suprema Corte britânica.
Para passarem por cima da lei, se valeram – como denunciou Murray – do expediente de usar uma tradução do sueco para o francês (“autoridade judicial”), já que se fosse usada a tradução em língua inglesa ficaria explícita a contradição com o texto da lei inglesa.
A aceitação desse mandato ilegítimo é a “base” para a prisão então de Assange e depois para dizer que estava violando a fiança, e mais tarde para as 50 semanas em prisão de segurança máxima. Tanto era assim, que imediatamente após a confirmação da Suprema Corte inglesa, a lei de extradição foi alterada para tornar impossível a repetição da falseta: mandato de prisão só pode vir de “tribunal”.
Documentos obtidos sob garantia da lei de liberdade de informação revelaram que o Serviço de Promotoria da Coroa Britânica (CPS) insistiu em 2010 e 2011 que as autoridades suecas rejeitassem a oferta de Assange para questioná-lo na Grã-Bretanha, ou via link de vídeo, em vez de buscar um mandado de extradição. Os documentos também demonstraram que os suecos estavam considerando desistir da investigação já em 2013, mas foram pressionados por Londres para continuarem: “não se atrevam a ficar com medo!”
Nos seis anos seguintes, em que 44 pessoas fora da Suécia depuseram a promotores, essa condição foi negada a Assange. Até que em 2016, o Tribunal de Recurso sueco decidiu que Ny havia violado o seu dever, porque uma investigação preliminar deve ser aberta e ativa, levando a uma acusação, ou fechada. Em novembro de 2016, promotores suecos entrevistaram Assange no prédio da embaixada. No ano seguinte, eles encerraram a investigação, apesar do fato de que eles poderiam ter continuado com ela.
DESTRUIÇÃO DE REPUTAÇÃO
Murray, em seu blog, também entrou na delicada discussão propriamente dita das alegações contra Assange. Desde o início, o objetivo político com a imputação de ‘estuprador’ a Assange foi para destruir a reputação do jornalista, após o massivo vazamento de documentos oficiais norte-americanos expondo crimes de guerra no Iraque e Afeganistão, e facilitar sua extradição aos EUA. Como se soube depois, a então secretária de Estado Hillary Clinton chegou a propor silenciar Assange com “ataque de drones”.
“A evidência de crimes sexuais sempre foi extremamente, extremamente fraca para qualquer um que se desse ao trabalho de examiná-la”, assinalou Murray. A primeira acusação caiu por terra, após exame do preservativo que supostamente Assange teria “rasgado com os dedos”, entregue pela acusadora à polícia, mostrar que “não tinha nenhum DNA de Assange, uma impossibilidade física”.
Na outra acusação, a segunda mulher reconhece que teve sexo consensual com Assange em sua cama, mas que cochilou e estava “meio adormecida” quando Assange começou a fazer sexo com ela novamente, o que ele contesta, afirmando que ela “estava totalmente desperta e responsiva através de uma série de atos sexuais”.
Murray, que conversou com Assange sobre o problema, acredita na sinceridade dele e, porque não, na dela. Não há gravação, não há testemunhas, apenas os sentimentos de cada qual sobre o ocorrido. Eles estiveram bebendo. Essa é a investigação.
Quando o caso foi deflagrado, é amplamente conhecido o que ocorreu. Estimulada pela mulher que entregou o preservativo fake para análise, a segunda mulher resolveu chamar a polícia para perguntar se Assange poderia ser obrigado a fazer um teste de HIV e não demonstrava considerar, naquele momento, a hipótese de ter sofrido ‘violação’.
Pelo menos é o que se depreende de mensagens que enviou no dia da ida à delegacia. Em mensagem enviada às 14h25 a um amigo, ela disse que “não queria acusar JA, mas a polícia queria segurá-lo”.
Às 17h26, ela mandou uma mensagem dizendo que ficou “chocada quando prenderam JA porque eu só queria que ele fizesse um teste”. Na noite seguinte, às 22h22, ela mandou uma mensagem de texto: “foi a polícia quem inventou as acusações”.
Como nota Murray, apesar disso, a advogada dela está convencida “de que agora deseja que uma acusação prossiga”. “O problema é essa questão da prova. Como o tribunal viu, não há nenhuma”. Antes de deixar a Suécia, Assange prestou esclarecimentos em detalhes à promotoria, até ser autorizado a deixar o país cinco semanas depois, quando o caso foi retirado pelo promotor-chefe de Estocolmo. Foi depois reaberto por Ny, o que é possível pelas normas jurídicas suecas, ao que se acredita, graças a “gestões” de Washington.
ANTONIO PIMENTA