Entidade Repórteres Sem Fronteiras entrega petição com 100 mil assinaturas exigindo a imediata libertação do jornalista
O WikiLeaks pediu neste domingo (3) que as autoridades americanas retirem as acusações contra o fundador do mais famoso portal de denúncias do mundo, o australiano Julian Assange, que na segunda-feira (4) irá saber da juíza britânica Vanessa Baraitser sua decisão sobre a extradição pedida por Washington, que ameaça o jornalista com até 175 anos de prisão por trazer a público os crimes de guerra dos EUA no Iraque e Afeganistão, o que, para os EUA, seria “espionagem” e “complô com hackers”.
Já se completaram 10 anos da divulgação dos arquivos do Pentágono comprovando os crimes de guerra no Iraque e no Afeganistão, inclusive o vídeo do assassinato, por um helicóptero Apache, de uma dezena de civis em Bagdá, inclusive dois jornalistas da Reuters, e um pai que levava os filhos para a escola e parou para socorrer as vítimas.
Depois de revelar ao mundo esses e outros crimes da ocupação, Assange foi vítima de perseguição e de linchamento moral pelos EUA, com a conivência do Reino Unido e da Suécia, e acabou se exilando na embaixada do Equador em Londres por sete anos para não ser extraditado.
Foi entregue em 2019 pelo novo governo colaboracionista de Quito à polícia britânica e em seguida encarcerado na chamada ‘Guantánamo britânica’, o presídio de segurança máxima de Belmarsh.
“O simples fato de este caso ter chegado ao tribunal é um ataque histórico e em larga escala à liberdade de expressão”, disse Kristinn Hrafnsson, editor do WikiLeaks. “Esta é uma luta que afeta o direito de todos a saber e que está sendo travada coletivamente”, acrescentou.
Hrafnsson enfatizou que o governo dos EUA “deveria ouvir as ondas de apoio dos principais meios de comunicação social, ONGs de todo o mundo, como Anistia Internacional e Repórteres sem Fronteiras, e a ONU, que pedem que as acusações sejam retiradas”.
Em artigo publicado neste domingo no jornal The Mail on Sunday, a companheira de Assange e mãe de seus dois filhos, Stella Morris, advertiu que se o tribunal decidir contra Assange, “será um desastre para o Reino Unido, tanto política como juridicamente”. Morris, advogada de Assange, irá comparecer ao tribunal na segunda-feira com a equipe de defesa.
REPÓRTERES SEM FRONTEIRAS
Também a organização Repórteres sem Fronteiras (RSF) engrossou o coro contra a extradição do jornalista que denunciou os crimes de guerra, enviando na sexta-feira (01/01) ao governo do Reino Unido uma petição com mais de 108 mil assinaturas exigindo a libertação imediata do fundador do Wikileaks. “A acusação dos EUA contra Julian Assange é claramente motivada politicamente”, disse em Berlim Christian Mihr, diretor da RFS.
Mihr afirmou que os EUA buscam uma punição exemplar contra Assange, para “dissuadir profissionais de mídia em todo o mundo”. “O que está em jogo aqui é o futuro do jornalismo e da liberdade de imprensa em todo o mundo.” É previsto que uma das partes recorra da sentença desta segunda-feira.
“Se os EUA tiverem sucesso em seu pedido de extradição e levarem Assange a julgamento, cada jornalista no mundo estará ameaçado pelo mesmo destino se publicar informações secretas de interesse público”, alertou. Em dezembro, o relator especial da ONU sobre Tortura, Nils Melzer, voltou a exigir a libertação do jornalista, cujo caso ele tem acompanhado de perto nos anos recentes.
A atriz australiana Pamela Anderson, que visitou Assange várias vezes na embaixada e, depois, na prisão, classificou de “loucura” o que o jornalista vive no cárcere. “Ele está… lotado entre assassinos em uma prisão que está repleta de Covid. Estamos no meio do inverno e está um gelo lá dentro e suas roupas de inverno não foram entregues. A coisa toda é uma loucura medieval”. Outras personalidades, como o cineasta John Pilger e o ex-Pink Floyd Roger Waters, têm expressado solidariedade ao jornalista.
ELLSBERG
Uma das principais testemunhas de defesa foi Daniel Ellsberg, mundialmente conhecido por ter trazido a público a verdade sobre a Guerra do Vietnã, com os Papeis do Pentágono, também perseguido na época. Durante o julgamento, iniciado em fevereiro do ano passado, interrompido durante o lockdown no Reino Unido e retomado em setembro, várias testemunhas da defesa ressaltaram que Assange não teria um julgamento justo em território norte-americano.
Na semana passada o governo alemão afirmou que “acompanha com preocupação” o processo de extradição do australiano, ressaltando que seu estado de saúde física e mental deve ser levado em consideração.
“Acompanho com preocupação o procedimento de extradição realizado no Reino Unido contra o fundador do Wikileaks, Julian Assange”, sublinhou a comissária federal alemã para os Direitos Humanos, Bärbel Kofler, através de nota.
“Os direitos humanos e aspectos humanitários de uma possível extradição não devem ser negligenciados”, apelou, acrescentando ser “imprescindível que o estado de saúde física e mental de Julian Assange seja levado em consideração na decisão da extradição”, recordando que o Reino Unido está “vinculado pela Convenção Europeia dos Direitos Humanos”.
Em junho passado, mais de 130 personalidades, a maioria na Alemanha, incluindo políticos, jornalistas, escritores e artistas, assinaram uma declaração exigindo a libertação imediata de Assange.
ECOS DE NUREMBERG
Como salientou o jornalista Alexander Mercouris, editor do portal The Duran, “Assange e WikiLeaks expuseram crimes de guerra desenfreados e abusos dos direitos humanos durante as guerras ilegais travadas pelo governo dos EUA e seus aliados”, com um total de mortos que atinge possivelmente “centenas de milhares ou mesmo milhões”. Em contraste, ao longo de toda a audiência, nenhuma evidência foi produzida de que, como resultado de qualquer uma das ações de Assange, alguém tenha sofrido algum dano físico real.
“No entanto, é Assange quem está no banco dos réus, enfrentando demandas de sua extradição para os Estados Unidos, onde uma sentença de 175 anos pode aguardar por ele, enquanto os responsáveis pelos crimes colossais que ele expôs, não apenas andam livres, mas estão entre aqueles que estão tentando prendê-lo”.
Mercouris observou que “os crimes que Assange expôs foram claramente definidos como crimes de guerra pelo Tribunal de Nuremberg, cujas decisões são universalmente aceitas como a base do direito internacional de crimes de guerra”, e segundo o qual “nenhuma sanção deve jamais ser imposta por expor tais crimes quando eles ocorrem”.
“Em outras palavras, são Assange e suas fontes, em primeiro lugar Chelsea Manning, que são os defensores do direito internacional, incluindo os Princípios de Nuremberg, e inclusive no processo que está em andamento, enquanto são aqueles que os perseguem, inclusive por trazerem o caso atual contra Assange, que são violadores do direito internacional”.