O ex-governador do Ceará, Ciro Gomes (PDT), participou, na quarta-feira (1º), de um seminário da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) para discutir o Movimento da Legalidade, liderado, em 1961, pelo então governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, que impediu um golpe já naquele período.
Ciro Gomes avalia que muitos elementos presentes na tentativa de golpe de 1961 também podem ser vistos “de forma caricata no governo Bolsonaro”.
O ex-governador disse que Jair Bolsonaro “está chamando para o 7 de Setembro uma manifestação que busca, basicamente, produzir cadáveres para criar um pretexto de apelo à ordem que justifique a disruptura com a democracia, o estabelecimento de um estado de sítio ou até uma nova ditadura”.
Assim como na década de 1960, acrescentou Ciro, “não há o menor ambiente para isso. Mas é preciso que todos nós tenhamos uma preciosa lição da nossa história para saber que se não vai acontecer é porque há que se organizar a resistência”.
Ciro comparou as mentiras de Bolsonaro em relação ao combate à corrupção às de Jânio Quadros, que renunciou à Presidência, em 1961, em uma tentativa de golpe.
“Bolsonaro, que é corrupto de origem, incompetente absoluto, incapaz, que nunca deu um dia de serviço à nação brasileira, membro ilustre do chamado baixíssimo clero, do fundo do poço da moralidade, da decência, da competência ou do espírito público, se apresenta com uma publicidade de antagônico à corrupção que o PT tinha representado”, disse.
O pré-candidato à Presidência afirmou, ainda, que os elementos que estão no entorno de Jair Bolsonaro são pupilos de Silvio Frota e outros golpistas de 1961 e 1964 e têm o “mesmo apego – nenhum – às virtudes da República, à democracia e ao Estado de Direito”.
Ciro criticou a “visão autoritária” e “o acobertamento da conduta criminosa da quadrilha em que se transformou a própria família Bolsonaro”.
A TENTATIVA DE GOLPE
Ciro Gomes narrou na palestra que as forças que tentaram dar um golpe em 1961 e três anos depois, em 1964, conseguiram, já se movimentavam desde o governo de Getúlio Vargas. Em 1954, Vargas conseguiu impedir, com seu suicídio, um golpe que se armava.
O próximo presidente eleito, Juscelino Kubitschek, que representava, segundo Ciro, um Brasil moderno e industrial que tinha sido anunciado na Revolução de 1930, perdeu a disputa de reeleição, em 1960, para uma “onda moralista, de denúncias de corrupção jamais evidenciadas, mas que foram simbolizadas na candidatura tosca do Jânio Quadros, cujo símbolo era uma vassoura para varrer a corrupção”.
João Goulart, “que era naturalmente o sucessor, o filho político de Getúlio Vargas”, foi eleito vice-presidente da República. Na época, as candidaturas para presidente e vice eram independentes.
Ciro Gomes afirmou que o presidente Jânio Quadros tinha apenas promessas mentirosas.
“O Jânio dá com ‘os burros n’água’, não entrega a promessa da questão econômica e moral e faz uma renúncia acreditando que esse gesto provocasse uma movimentação das forças militares para trazê-lo de volta como um ditador, mas isso não aconteceu”, continuou.
Como parte deste plano, Jânio mandou seu vice, João Goulart, para uma viagem à China, com quem o Brasil estava estabelecendo relações econômicas. A carta de renúncia foi enviada para o Senado no dia 25 de agosto, uma sexta-feira.
Na avaliação de Ciro Gomes, a fração golpista das Forças Armadas “não acreditava que um golpe em favor de uma pessoa como Jânio Quadros não era do melhor interesse deles”.
Com o vice-presidente na China, “dá-se um vazio de poder no Brasil” e “se movimentam as tropas para ameaçar” a democracia.
MOVIMENTO DA LEGALIDADE
Foi nessa situação que o governador do Rio Grande do Sul, Leonel de Moura Brizola, que era do mesmo partido de João Goulart, o PTB, começou o Movimento da Legalidade, que impediu a consumação do golpe.
Ciro Gomes afirmou que Brizola “sabia que as Forças Armadas não se movimentam se não tiverem absolutamente coesas” e agiu para conseguir trazer o III Exército para o campo democrático.
“O João Goulart, combinado com o Brizola, dilatou sua viagem ao Brasil. Ao invés de tomar o avião pelo caminho mais curto, tomou um fazendo várias paradas no caminho para o Brasil, por onde pretendia entrar pelo Uruguai e Rio Grande do Sul, onde seria protegido”.
“Nessa eminência, o Brizola serve de aríete e mobilizou as estruturas da indústria bélica brasileira, que foi ocupada por Brizola e distribuiu armas para a população”, contou o ex-governador do Rio Grande do Sul.
“Ele próprio entrincheirou-se no subsolo do Palácio do Piratini e dali conseguiu com que o transmissor da Rádio Guaíba ficasse disponível para uma chamada a todos os legalistas, no Brasil inteiro, e muita gente se somou, grupos de pessoas se organizavam para armar uma confrontação com os golpistas da data”.
“Essa agonia levou algo ao redor de 14 dias. Essa rede de rádios tomou todo o território nacional e o espírito democrático do povo brasileiro veio em defesa desse momento de risco pessoal extraordinário do Brizola”, relatou.
Ciro, que era governador do Ceará enquanto Brizola foi governador do Rio de Janeiro, no começo da década de 1990, contou que Leonel Brizola e João Goulart se “chocaram” quando Goulart aceitou assumir a Presidência da República em um regime parlamentarista.
“Brizola zangou-se, aborreceu-se, e eles romperam”.
“A História talvez faça justiça, porque o que João Goulart pretendeu, tendo o mesmo comportamento em 1964, foi que não houvesse mortes entre os brasileiros, que não houvesse sangue. Há ainda um tempo para amadurecer essa percepção”, conjecturou.