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TIBÉRIO CANUTO (*)
Então ficamos assim. Lula veta Fernando Henrique, Boulos veta Moro, lavajatistas vetam Lula, petistas vetam Michel Temer que se auto veta, assim como Sarney se autovetou. Nessa quadrilha de vetos há um único ganhador: Jair Bolsonaro.
Por miopia política ou por interesses subalternos, o ato da Frente Democrática, iniciativa do Direitos Já, coordenado por Fernando Guimarães Rodrigues – que tinha tudo para ser um momento importante da união dos brasileiros em defesa da democracia -, explicitou, que mais uma vez setores da esquerda só aceitam sambar se tiver o poder de dizer quem entra e quem não entra no samba.
Essa história de vetar a participação dos outros me fez lembrar de um episódio da campanha presidencial de 1989, quando eu era coordenador de comunicação da campanha de Roberto Freire. Representando o candidato dos comunistas, fui à reunião convocada pela TV Bandeirantes para definir os participantes e as regras do primeiro debate dos presidenciáveis do país.
Lá estava o representante do Partido dos Trabalhadores, que vetava a participação de Ronaldo Caiado, por ser o presidente da União Democrática Ruralista. O diretor de jornalismo da Bandeirantes, Fernando Mitre, me perguntou qual era a posição da candidatura Roberto Freire.
Respondi: “os comunistas não vetam ninguém porque já foram vetados na maior parte de suas vidas”. Tinha ouvido essas palavras anos atrás, da boca de Giocondo Dias.
Com isto estou querendo dizer que o veto é uma medida antipática e autoritária, Alem do mais deixa o vetado na condição de vítima e de merecedor da solidariedade de mesmo de quem dele diverge.
Frente Democrática não se constrói em cima de questões passadas e nem do futuro. Se constrói em cima de questões presentes, onde todos que tem um mesmo objetivo se unem. Alcançado o que os unia, cada um segue o seu caminho.
Exige desprendimento político e discernimento sobre quem é o inimigo a derrotar. Nos anos de chumbo, era a ditadura militar. Era importante deixá-la para trás. Isso só seria possível com a costura de uma ampla frente democrática que combinasse a pressão das massas com a luta institucional.
Setores da esquerda preferiram o caminho da luta armada. Foram derrotados política e militarmente. Quando viram que o caminho era outro, foram muitos bem vindos na Frente Democrática. Ninguém ficou de dedo em riste cobrando seus erros.
O mesmo aconteceu com os dissidentes do regime, que, por razões diversas, romperam com a ditadura e vieram para a Frente Democrática. Não me refiro aqui nem a figura de Teotônio e de Severo Gomes, mas a parceiros de viagem que desembarcariam em outra estação, quando o país alcançasse a democracia. Não ficamos cobrando o passado de ACM, Sarney, Bornhausen, entre outros.
Se no atual momento ficarmos discutindo o papel de cada um em um passado cujas feridas ainda não cicatrizaram, não iremos a lugar algum. De maneira clara, acho um desserviço os vetos, seja lá a quem for.
Não vou repetir aqui exemplos que já citei em outras notas. Vou me referir apenas a um caso. No ano passado Matteo Salvini, líder da extrema direita italiana e naquele momento político mais popular do país, tentou desestabilizar o governo para que fosse convocada uma nova eleição da qual provavelmente ele seria o grande vencedor.
Sentindo o que aquilo significava como ameaça à democracia na Itália, Metteo Renzi, líder do Partido Democrático, tomou a iniciativa de procurar o seu grande adversário, o Movimento Cinco Estrela para propor um governo de União Nacional, além do Força Itália, de Berlusconi.
As divergências entre o MS5 e o PD eram profundas, pareciam insuperáveis, mas Renzi teve a sabedoria de relevá-las em nome do objetivo comum. Pragmaticamente, dizia, vamos nos unir agora. Quando o perigo passar, cada um toma esse caminho.
Esse deve ser o espírito da Frente que deve ser construída agora. Nela cabem todos, absolutamente todos. De Lula a Moro, de Boulos a Doria. E ela não tem dono. Ninguém é o São Pedro que tem a chave quem entra nesse céu e quem fica de fora.
Os articuladores do ato de amanhã deveriam ler com atenção o post da jornalista Vera Guimarães, do BR Político. Ele serve de advertência para o risco de uma boa iniciativa produzir resultados não desejados. Vamos ao post de Vera:
“
“Frente Ampla Cada Vez mais estreita
O termo frente ampla e a democracia deveriam unir esquerda, centro esquerda, centro e centro direita, além de setores da direita não reacionária, mas as diferenças partidárias, as rusgas recentes e o pensamento voltado para 2022 impedem que se tire o bode da sala em nome de objetivos comum.
Lula não vai porque, para ele, só interessa uma frente ampla que diga que o impeachment de Dilma Roussef foi golpe, sua prisão após condenação por crime comum foi golpe e que, de quebra, faça um linchamento público de Sérgio Moro.
O convite a Moro, aliás, ameaça provocar defecção de setores da esquerda que estavam se desgarrando da orientação de Lula e pretendiam participar.
Os organizadores do ato virtual previsto para este fim de semana como ponta pé inicial do movimento, ao justificar a esse ou aquele, explicitam a estreiteza da frente “ampla”: dizem que cabe só à coordenação fazer convites (!) e que eles são limitados a 100 (!)
Nas Diretas Já, o então jovem PT, comandado por um Lula que ascendera como lideranças depois das greves do ABC no final da década de 1970, dividia o palanque com raposas recém egressas da Arena da ditadura, e que formavam a Frente Liberal que depois viraria o PFL.
Foi graças ao racha da direita que mesmo sem diretas, Tancredo Neves venceu Paulo Maluf, tendo Sarney como vice.
Torcer o nariz e fazer campeonato de quem é mais democrata neste momento ajuda uma única pessoa, e ela se chama Jair Bolsonaro. Não surpreende que o PT queira isso deixando Bolsonaro como espantalho e boicotando qualquer aliança que, lá na frente, possa resultar no apoio a um candidato não petista, o cacique vive a ilusão de que pode prorrogar sua influência já francamente declinante.
Mais uma vez, Bolsonaro agradece fazendo arminha com a mão, talkei?”
(*) Analista político e ex-coordenador de comunicação da campanha presidencial de Roberto Freire