Para OAB, “correção de crédito trabalhista pela TR é afronta à dignidade da pessoa humana”
O Supremo Tribunal Federal começou, nesta quarta-feira (12), o julgamento das ações que tratam sobre o índice de correção para atualizações dos créditos trabalhistas.
A corte decidirá se a correção deverá ser feita pela a aplicação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E) ou pela Taxa Referencial (TR).
A Taxa Referencial (TR) foi instituída por lei em 1991 quando passou a ser a base para a correção monetária de empréstimos, aplicação na poupança e dos saldos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). No entanto, durante anos a TR deixou de acompanhar os índices inflacionários reais, reduzindo, assim, os valores aos quais os trabalhadores têm a receber. Por isso, ações na Justiça pedem que o índice seja baseado no IPCA-E, que garante ao menos a correção inflacionária no pagamento dos débitos.
A sessão do STF discute o tema com base em duas Ações Diretas de Inconstitucionalidades, movidas pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra). Nas ações, a entidade questiona as alterações feitas na CLT na reforma trabalhista de 2017, que em seu artigo 879, §7º, determina que “a atualização dos créditos decorrentes de condenação judicial será feita pela Taxa Referencial (TR), divulgada pelo Banco Central do Brasil”.
Em sua ação, os juízes do Trabalho afirmam que “os créditos trabalhistas resultantes das condenações impostas pela Justiça do Trabalho (assim como os depósitos judiciais recursais) não podem ser atualizados por índices que não reflitam a atualização monetária)”.
No julgamento também constam ações a favor da correção pela TR, movidas por representantes do sistema financeiro (Confederação Nacional do Sistema Financeiro – Consif Confederação Nacional da Tecnologia da Informação e Comunicação – Contic).
A Anamatra afirma que as alterações promovidas pela reforma trabalhista violam o direito de propriedade e a proteção do trabalho e do salário do trabalhador. Além disso, os magistrados apontam que essa é uma medida que, concretamente, favorece os maiores devedores da Justiça do Trabalho, incluindo os bancos.
Suspensão dos processos
No final de junho, o relator das ações, ministro Gilmar Mendes, determinou a suspensão da tramitação nacional de todos os processos no âmbito da Justiça do Trabalho em que se discuta se os valores devidos serão corrigidos pela TR ou por outros índices, como o IPCA-E.
Em outros momentos, o plenário do STF já se pronunciou pela inconstitucionalidade da Taxa Referencial como índice de correção para precatórios, mas nunca se debruçou sobre o uso do índice na Justiça do Trabalho especificamente. Diversos ministros entenderam que a TR não é mais capaz de atualizar o valor da moeda, e seu uso pode gerar empobrecimento do credor.
Nesse primeiro dia de julgamento, foram realizadas manifestações dos autores das ações e de terceiros interessados (amici curiae). Em seguida, os trabalhos foram suspensos para serem retomados na sessão do próximo dia 26 de agosto, com a apresentação do voto do relator.
A Anamatra, através do advogado Alberto Pavie Ribeiro, denunciou o caráter discriminatório que incorrerá na aplicação da correção monetária pela TR, destacando que o próprio Supremo “tem afirmado e reafirmado a inconstitucionalidade da utilização da TR como índice destinado a promover a atualização monetária de qualquer valor, razão pela qual não poderia o legislador, por óbvio, voltar a incidir na mesma constitucionalidade para fim de impor a TR para correção de créditos trabalhistas”.
Já o advogado da Consif, Fábio Lima Quintas, defendeu que não cabe a atuação extraordinária do STF a “censurar” a vontade do legislador pelo uso da TR na correção dos débitos trabalhistas.
OAB: “TR é confisco”
Para o advogado Cesar Brito, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a TR representa confisco à propriedade, fonte da subsistência do trabalhador, porque não repõe a perda patrimonial, em afronta à dignidade da pessoa humana e a outros direitos fundamentais.
“Lei ordinária pode muito, mas não pode tudo. Lei ordinária não pode tratar com indignidade a pessoa humana, não pode ferir o princípio da isonomia, não pode violar direitos e garantias fundamentais. O STF já disse claramente que a TR é confisco. A TR não pode premiar aquele que confisca não pagando os débitos do trabalhador no momento próprio. São débitos de natureza alimentar, que causam fome, dor e necessidades às famílias. É importante para a classe trabalhadora a decisão do STF no sentido de que a o seu crédito não é diferente de qualquer outro crédito. Foi isso que a Constituição fez ao elevar o trabalho, por diversas vezes, como forma de erradicar a pobreza e de engrandecer as pessoas. A OAB, cumprindo a sua missão constitucional, pede que a Constituição seja aplicada na sua plenitude, especialmente para aqueles que a Carta Cidadã dedicou tanto carinho e tantos artigos. Viva a dignidade da pessoa humana, viva a dignidade do trabalhador”, afirmou Cezar Britto.
Como amicus curiae pela Federação Interestadual dos Trabalhadores e Pesquisadores em Serviços de Telecomunicações (Fitratelp), o advogado Mauro Menezes, também relembrou julgamentos no STF nos quais a TR foi considerada inconstitucional. Para ele, não se pode desvalorizar os créditos trabalhistas e permitir que o poder econômico se utilize desses valores.
No mesmo sentido, os representantes da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e da Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB), Ricardo Quintas Carneiro e Zilmara Davi Alencar, defenderam que a declaração da inconstitucionalidade das normas preservará o patrimônio da pessoa trabalhadora e os direitos sociais.
Ricardo enfatizou que os créditos trabalhistas possuem natureza alimentar e, por isso, a necessidade de isonomia alcançada pelo IPCA-E. Assim, pediu a declaração de inconstitucionalidade no uso da TR.
Representantes do Ministério Público do Trabalho (MPT) e de associações de magistrados argumentam que a TR não é capaz de atualizar o valor da moeda, já que seu crescimento é igual ou próximo a zero há anos. Por isso, usar este índice afrontaria o direito constitucional à propriedade.
O advogado Cláudio Pereira de Souza Neto, pela Contic, afirmou que o subsistema criado pelo legislador, para promover a atualização dos débitos trabalhistas e dos depósitos recursais, além de não violar nenhuma norma constitucional expressa, é dotado de plena razoabilidade (ainda que não reponha nada da perda inflacionária).
O Advogado Geral da União (AGU), José Levi, finalizou as sustentações orais dizendo que as leis são constitucionais até que o órgão competente venha a lhes declarar a inconstitucionalidade. Para ele, a autoridade das leis tem sido solapada.
Tribunal Superior do Trabalho
Com a TR representando perda para os trabalhadores, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) agia para uniformizar a jurisprudência sobre o tema. No último dia 15 de junho, o Pleno do tribunal começou a julgar uma arguição de inconstitucionalidade sobre os dispositivos da reforma trabalhista que preveem o uso da TR. Foi formada maioria de 17 ministros, dos 27, para declarar a TR inconstitucional, e para substituí-la pelo IPCA-E.
O julgamento seria concluído no dia 29 de junho, um dia antes da suspensão dos processos por Gilmar Mendes. A Procuradoria-Geral da República (PGR) recorreu e pediu a suspensão dessa liminar, argumentando uma possível paralisia na Justiça do Trabalho. Dias depois, Mendes explicou que sua decisão não impede execuções na Justiça do Trabalho, apenas paralisa os processos nos quais há a discussão sobre o índice de correção monetária.
Para a Anamatra, a decisão de Gilmar Mendes pegou a todos de surpresa e, mesmo com a explicação, gera dúvidas sobre seu alcance e potencial de suspender ações trabalhistas. Por isso, a Anamatra atuou para que o presidente do STF, Dias Toffoli, pautasse o mais breve possível as ações que discutem o uso da TR no plenário. O pedido foi atendido, e as ações foram incluídas na pauta nesta semana.
Impressionante como os argumentos dos defensores da TR são frágeis, se apegam no momento ruim da economia. Ora senhores, a 30 anos que o STF vem proclamando a inconstitucionalidade da TR utilizada para correção monetária nos débitos trabalhistas. Afirmam que o legislador, na reforma trabalhista de 2017, confirmou sua utilização. Lógico os malandros, ou seja, grandes devedores contumazes, via recursos protelatorios, ganhavam tempo (vários anos), enquanto aplicavam seus recursos no mercado financeiro com boas taxas de juros, findo um longo tempo, quitavam suas dívidas com enorme ganho (diferença entre aplicação financeira x TR), em prol do enorme prejuízo ao credor trabalhista, malandros né! Em nenhum momento refletiram que o legislador, mesmo sabendo da posição do STF em relação à TR, exerceu abuso de poder, rasgando a constituição colocando artigo na reforma trabalhista confirmando a TR. Já está na hora de acabarmos com essa malandragem e o STF tem a grande oportunidade de colocá-los em seu devido lugar.