Bolsonaro não “acabou” com o “Renda Brasil” porque queria poupar os aposentados de ter seus proventos rebaixados – ou porque não queria cortar, ainda mais, o seguro-desemprego (ou a ajuda aos deficientes).
O “Renda Brasil” jamais existiu – nem era algo além de um slogan mentiroso, oco, de propaganda.
Se quisesse implantar o “Renda Brasil”, como até os comentaristas econômicos da TV demonstraram, não seria difícil para Bolsonaro. Afinal, seu objetivo era apenas superar um pouquinho o famélico Bolsa-família de Lula e do PT.
Não seria difícil – e, para isso, não era necessário reduzir as aposentadorias, não repondo a inflação inclusive naquelas aposentadorias que já estão no piso de um salário-mínimo.
Mas Bolsonaro não queria colocar dinheiro no “Renda Brasil”. Por isso, ele não podia ser mais do que um fantasma. O objetivo do “Renda Brasil” era meramente demagógico, no pior sentido do termo, aquele em que não há qualquer contrapartida material para os supostos beneficiados, somente propaganda vazia.
Naturalmente, é preciso ser idiota para se enganar com um estrupício desse tipo. Tudo caminhava, portanto, para o esboroamento.
Foi quando, no Ministério de Guedes, apareceu um sujeito – o secretário da Fazenda, Waldery Rodrigues, que tem fama de não emitir sequer um arroto sem autorização do chefe – para dizer que tinha sido descoberta a fórmula mágica e genial de financiar o “Renda Brasil”.
Literalmente, disse esse Waldery:
“A desindexação que apoiamos diretamente é a dos benefícios previdenciários para quem ganha um salário mínimo e acima de um salário mínimo, não havendo uma regra simples e direta de correção [do benefício]”.
E ainda exemplificou:
“O benefício hoje sendo de R$ 1.300, no ano que vem, ao invés de ser corrigido pelo INPC, ele seria mantido em R$ 1.300“.
Enfim, disse a frase verdadeiramente genial:
“Não haveria redução, haveria manutenção“.
Ou seja, a redução do poder aquisitivo, do valor real da aposentadoria ou da pensão previdenciária, como consequência da não reposição do valor da inflação, não seria redução, seria “manutenção”!!
Não era genial, leitor?
Era tão escandaloso, que, dessa vez, os comentaristas das TVs e jornais não se contiveram. Em suma, o secretário da Fazenda de Guedes mostrou sua verdadeira face intelectual – muar ou asinina. Ou, como disse um aposentado com vocação sintética, que ouvimos na fila de um supermercado: “uma vaca” (que nos desculpem os bovinos, mas o sentido figurado tem dessas coisas).
Mas, claro, quem colocou esse sujeito no cargo foi Guedes – e Bolsonaro. Se um elemento assim tão insensível ocupa a Secretaria da Fazenda do Ministério da Economia, é porque o governo é assim e precisa de gente (?) assim.
Entretanto, o charivari criado fez com que Bolsonaro percebesse que o esboroamento do “Renda Brasil” estava muito próximo.
Daí sua “live” de terça-feira (15/09), em que diz:
“Até 2022, no meu governo, está proibido falar a palavra Renda Brasil. Vamos continuar com o Bolsa Família e ponto final“.
Só faltou chamar o Lula para substituir Mourão como candidato a vice-presidente nas próximas eleições.
Humor à parte, é óbvio que as eleições continuam a não ser o seu objetivo principal. Bolsonaro quer se fortalecer na opinião pública, em especial nos estratos mais miseráveis – aqueles em que Lula, antes, imperava com os trocados do Bolsa-família.
No entanto, se fortalecer não é sobretudo para enfrentar eleições, mas para dar um golpe, aquele golpe com que devaneia desde a derrubada da ditadura, em 1985.
Certamente, se não conseguir força para o golpe – e, se depender de nós e de muita gente, não vai conseguir – Bolsonaro terá que enfrentar as eleições.
Mas essa não é a sua opção preferencial.
Em resumo: Bolsonaro esquentou algo chamado “Renda Brasil” durante meses e meses, principalmente depois que o Congresso aprovou os R$ 600 do auxílio-emergencial para a pandemia.
Agora, aproveitando a jumentice do secretário de Guedes – e do próprio Guedes -, ele acabou com a própria criatura, quer dizer, com o próprio rótulo vazio, erguido no ar, que era o “Renda Brasil”.
“Eu já disse, há poucas semanas“, falou Bolsonaro na terça-feira, “que eu jamais vou tirar dinheiro dos pobres para dar para os paupérrimos. Quem porventura vier propor para mim uma medida como essa, eu só posso dar um cartão vermelho. É gente que não tem o mínimo de coração, o mínimo de entendimento de como vivem os aposentados do Brasil.”
Se isso fosse verdade, ele não teria nomeado Guedes (e o malfadado Waldery Rodrigues) para o Ministério da Economia; não teria acabado com o Ministério do Trabalho; não teria proposto a famigerada “reforma da Previdência”; não teria proposto R$ 200 para o auxílio-emergencial, obrigando o Congresso a ampliá-lo para R$ 600; não teria deixado Guedes elaborar um “Renda Brasil” que em vez de dar alguma coisas aos pobres, tira deles para dar, não a outros pobres, mas a alguns ratos que roem a sociedade brasileira.
Se quisesse dar “cartão vermelho” a essa escória, já teria dado. O que falta mais para isso? Que eles proponham o escalpelamento público e automático dos velhos e dos jovens pobres?
Quem colocou no governo essa “gente que não tem o mínimo de coração, o mínimo de entendimento de como vivem os aposentados do Brasil“?
Foi o leitor? Fomos nós? Foi o povo?
Ou foi Bolsonaro?
A responsabilidade de tudo isso é, evidentemente, dele, Bolsonaro, que ocupa a Presidência da República.
Que venha posar de paladino contra os bandidos que ele mesmo colocou no poder, junto com si próprio, apenas revela, mais uma vez, a sua impudência, a sua falta de vergonha, o seu cinismo.
CARLOS LOPES