HAROLDO LIMA *
O momento era para algo esplendoroso, marcante, definidor. Afinal, celebravam-se os 75 anos da ONU, uma instituição criada depois da vitória grandiosa dos povos contra o nazifascismo em 1945.
O ambiente geral, contudo, era taciturno, melancólico. A pandemia do coronavírus enfeitava o ambiente de cuidados e ameaças em que o presencial fascinante de autoridades do mundo inteiro desfilando pelos corredores cedia lugar a espaços vazios, à mídia eletrônica que tomava os lugares dos líderes.
De qualquer maneira, tudo foi arranjado para que aquele instante fosse sublimado por discursos imponentes, bem construídos e bem ditos que apareceriam em imagens para o mundo inteiro. O vasto e requintado auditório onde confortavelmente cabiam 2000 pessoas era espaçadamente ocupado por 200 funcionários, nenhum dos quais da primeira divisão. De qualquer maneira, tudo pronto, os aparelhos foram ligados, homens apareceram em telas, o espetáculo ia começar. Deu-se a palavra ao primeiro orador que a tradição indicava, o presidente do Brasil, Bolsonaro. E o esperado espetáculo murchou.
Não interpreta papéis centrais quem nunca teve traquejo para isso. O velho baixo-clero da Câmara dos Deputados do Brasil nunca foi de alçar voos mais altos. Não gosta, nem tem jeito para isto. E o espetáculo murcho foi se transformando em uma lástima, na forma e no conteúdo.
Na forma porque não é para qualquer um apresentar-se descontraído, transmitindo empatia. E o orador assemelhava-se a um ser frio, de porcelana, todo abotoado, programado, aparentemente zangado, chateado, talvez por não ter o que dizer. O traço humano da descontração, do olhar envolvente, da espontaneidade, do sorriso, não existia.
Mas isto não foi o pior.
Pior foi o conteúdo. Aí passou a ideia de um desastre, pelo que disse, pelo que não disse e por ser uma espécie de tragédia recorrente. Sim, porque, há um ano, o mundo e o Brasil ficaram em total desconforto ante discurso semelhante, no mesmo lugar, na mesma situação.
Grande mal estar causou a forma afrontosa com que o Presidente do Brasil apresentava em cores róseas a situação dramática de nosso país. É que as cores róseas eram falsas, mentirosas.
Sublimando o ridículo, Bolsonaro vangloriou-se do desastroso procedimento que teve frente a pandemia, soltou rojões ante o descalabro dos incêndios nas florestas que cresceram com seus incentivos aos destruidores das matas. Sem a menor vergonha, jogou nas costas dos índios e dos caboclos a responsabilidade pelo fogo.
Dados foram forjados, argumentos falsificados, realidades inventadas, tal foi o discurso do Bolsonaro, como já mostrou quase todos os órgãos de imprensa.
Enfim o primeiro discurso de abertura da 75ª assembleia da ONU foi um embuste.
Aí começou o segundo discurso, muito esperado porque seria o de Trump, o presidente da hoje segunda maior potência econômica do mundo, os Estados Unidos.
Trump se exibiu como ele é, fanfarrão, arrogante, ameaçador, desrespeitoso.
O mundo está aturdido com o avanço, ainda não controlado, do coronavírus e com quedas monumentais da economia dos diferentes países. Aquela assembleia esperava ouvir do presidente americano uma orientação, como ficariam os países desenvolvidos e os em desenvolvimento. Haveria paz para os povos puderem encontrar as sendas das suas retomadas desenvolvimentistas? Ou o espectro de conflitos e guerra voltaria?
O Trump, logo de saída, disse a que veio: será necessário responsabilizar a China pela pandemia da coronavírus. O grande país asiático, na sua visão exótica e alucinada, é o responsável pela pandemia e outros graves problemas, é quem controla a Organização Mundial da Saúde e precisa, repete ele, ser responsabilizado. Seus projetos em defesa do meio ambiente e reflorestamentos, suas realizações ecológicas numerosas, não valem nada, segundo o milionário Trump. Nessa linha de apresentar fatos invertidos diz, com a maior desfaçatez, que seu país, a nação mais guerreira do mundo, é líder de direitos humanos.
Finalmente, o presidente americano expressou de forma lapidar a sua visão beligerante do futuro: diz estar trabalhando para a paz, e acrescenta, mas a paz pela força. E ilustra esse raciocínio ameaçador dizendo, temos níveis avançados de armamento e rezo a Deus para que não tenhamos que usá-los. Em síntese, Trump foi a expressão lapidar da arrogância, causou asco.
Pouco depois desse começo desastroso, passou-se a palavra ao presidente da China Xi Jinping. Começava a falar para 193 países representados na ONU aquele que já agora está à frente da maior potência econômica do mundo, sim, porque, como mostrou recentemente o professor Luiz Fernandes da UFRJ, baseado em dados do FMI, a China em 2019, pela Paridade do Poder de Compra, o PPC, chegou 19,3% do PIB mundial, enquanto os Estados Unidos ficaram com 15,1% .
Diferentemente dos dois tresloucados que falaram antes, mentindo e ameaçando, o presidente Xi Jinping começou falando da importância da luta contra a pandemia, que deve ser travada com base na ciência e na qual a humanidade sairá vencedora. Nessa luta, afirmou o Xi, é preciso levar em conta, em primeiro lugar, pessoas e vida, é preciso aumentar a solidariedade e nos unirmos. Disse ser necessário rejeitar a politização da pandemia e a estigmatização.
Todo o discurso do Xi foi levantando perspectivas positivas para a humanidade. Restaurar a economia, em particular nos países em desenvolvimento, buscar o desenvolvimento sustentável, que passa a prazo curto pela descoberta da vacina contra a pandemia, que, se descoberta pela China, será compartilhada com os países em desenvolvimento.
O presidente chinês fez apreciações globais. Disse que vivemos em uma vila mundial, onde devemos abraçar a visão de comunidade e rejeitar a divisão; que, comprometidos com esses propósitos, devemos respeitar a independência dos países. Enfatizou: o mundo é diverso e devemos usar essa diversidade como inspiração para melhorar a condição humana; e mais, é preciso defender o desenvolvimento inclusivo, o combate ao unilateralismo, e concluiu salientando ser preciso fazer uma revolução verde, fazer da terra um lugar melhor para se viver. Precisamos, disse ele, cuidar da mãe natureza, onde todos devem ter mesmos direitos e respeitar mesmas regras.
Nessa linha de raciocínio, Xi apontou para a importância de se erradicar a pobreza e concluiu afirmando não querer guerra fria nem de qualquer natureza, queremos diálogo, paz mundial e leis internacionais.
Em suas palavras finais, disse que um bastão da história foi passado para nossa geração, e que juntos poderemos fazer do mundo um lugar melhor para todos.
O Xi Jinping levantou a bandeira da esperança, falou de paz, solidariedade, diálogo, de revolução verde, de desenvolvimento sustentável. Salvou a abertura da assembleia 75ª Assembleia Geral da ONU.
* Haroldo Lima é membro da Comissão Política Nacional do Comitê Central do Partido Comunista do Brasil.