Porto é usado por milícias para contrabando de armas, drogas e produtos usados para extorquir os moradores
Alex Nóbrega de Oliveira, delegado da alfândega do porto de Itaguaí (RJ), perseguido por Bolsonaro nos últimos dois anos, pediu demissão do cargo.
Ele foi responsável por grandes apreensões de contrabando e armas das milícias que atuam no Rio de Janeiro. Em meados de 2019, a Receita Federal teve uma crise provocada pela pressão do Planalto para substituir Oliveira. A saída dele agora foi publicada no Diário Oficial da União há cerca de dez dias.
Na época, o subsecretário-geral João Paulo Ramos Fachada foi demitido por rejeitar as trocas na unidade do Rio de Janeiro. Mesmo após a notoriedade do caso, Oliveira continuou sofrendo pressões no cargo, ameaças e chegou a ser escoltado por equipes de segurança. Até que, no ano passado, ele perdeu poderes sobre a fiscalização no porto de Itaguaí.
Sob pressão, Oliveira expôs a colegas, na ocasião, o embate por posições estratégicas na região metropolitana do Rio de Janeiro. Por meio de mensagens, disse que existiam “forças externas que não coadunam com os objetivos de fiscalização da RFB [Receita Federal do Brasil], pautados pelo interesse público e defesa dos interesses nacionais.”
Ele havia sido informado pelo ex-superintendente da Receita no Rio de Janeiro, Mario Dehon, que havia uma indicação política para assumir a alfândega do porto.
As pressões do Planalto começaram a ter resultado no ano passado. Em outubro e novembro, portarias da Receita tiraram parte de suas tarefas. Algumas atribuições, como decidir quais importações serão inspecionadas fisicamente, passaram a ser compartilhadas com a alfândega do porto de Vitória.
Além disso, a equipe do fisco em Itaguaí ficou menor nos três anos em que Oliveira esteve à frente da delegacia do porto. O número de auditores fiscais recuou um terço – de 21 para 14, entre o início de 2018 e hoje. As milícias aplaudiram o esvaziamento. Os “negócios” estavam liberados de inspeções rigorosas.
Além das armas, o porto é usado, por exemplo, como portal de entrada de produtos piratas e TV Box (aplicativos de reprodução ilegal de sinais de TV fechada e de filme) – “mercados” em que milícias operam com grandes lucros.
Itaguaí está entre os dez portos com maior movimento de cargas no país. Como é impossível abrir todos os contêineres, os fiscais da aduana cumprem um protocolo: é o chamado gerenciamento de risco.
Esse processo divide as mercadorias entre os canais verde (risco baixo), amarelo (conferência documental) e vermelho (conferência documental e física, inclusive com a abertura do contêiner).
O porto na região metropolitana do Rio de Janeiro está também na rota de navios da China e despertou interesse de contrabandistas. A Justiça Federal do Rio investiga um esquema de corrupção que envolveu auditores da Receita Federal. Numa tentativa de interferência na Receita, o governo Bolsonaro pediu a troca de Oliveira, em 2019, por um apadrinhado político.
Entre as medidas tomadas recentemente houve uma mudança no gerenciamento da fiscalização dos produtos desembarcados. O gerenciamento de risco em Itaguaí passou a ser feito também em Vitória, após uma portaria da Receita publicada no ano passado. Oliveira pediu demissão ainda em 2020 e esperou a conclusão do processo seletivo interno da Receita para seu substituto.
A Justiça Federal do Rio investiga um esquema de corrupção que envolveu auditores da Receita Federal. Numa tentativa de interferência na Receita, o governo Bolsonaro pediu a troca de Oliveira, em 2019, por um apadrinhado político. O indicado seria o auditor fiscal Gilson Rodrigues de Souza, que tem mais de 35 anos de experiência de fiscalização em Manaus, mas sem atuação na área de alfândega.
No primeiro ano de governo, Bolsonaro também pressionava por trocas na Polícia Federal. Ao comentar o assunto, ele chegou a dizer que foi eleito justamente para tomar decisões e que não será um “banana”. “Houve uma explosão junto à mídia no Brasil, uma explosão. Está interferindo? Ora, eu fui [eleito] presidente para interferir mesmo, se é isso que eles querem. Se é para ser um banana ou um poste dentro da presidência, tô fora”, afirmou em agosto de 2019.
Fonte: DL News