Próximo de completar um mês de funcionamento, o inquérito aberto no Senado vai tomando rumo e desvendando fatos sobre a pandemia e a gestão do governo sobre esta, que apenas o presidente da República e alguns de seus auxiliares mais próximos tinham conhecimento
Não foi possível, ainda, a CPI da Pandemia afetar seriamente tido a popularidade do governo, mas é visível que a comissão tem conseguido revelar alguns fatos embaraçosos para o presidente da República e o governo. Como a revelação, na semana passada, de que foram ignoradas 10 mensagens da Pfizer com oferta de vacinas.
Mas, também, não restam dúvidas que à medida que as investigações avançam e surgem descobertas de práticas, no mínimo, comprometedoras por parte do governo, isso causa sensíveis desgastes para Bolsonaro e seus colaboradores mais diretos.
Por exemplo, a descoberta que o governo não negara apenas a oferta de imunizantes da Pfizer. Na verdade, sob a interferência direta de Bolsonaro, o Ministério da Saúde, sob a gestão de Eduardo Pazuello, negara 11 ofertas de imunizantes. Essa atitude resultou no fato de o Brasil ter menos de 3% da população do mundo, mas é o segundo em mortes por Covid-19 do mundo. O país tem hoje quase 450 mil óbitos, em números oficiais.
O Brasil é o segundo país do mundo com população acima de 20 milhões de habitantes com mais mortes por Covid-19 por milhão, o chamado coeficiente de mortalidade ou simplesmente mortalidade. A marca foi atingida em 29 de abril, quando o País chegou a 1.887 mortes, superando o Reino Unido (1.881).
Abril foi o mês com mais mortes por Covid-19 no País desde o início da pandemia. Foram registradas mais de 70 mil vítimas de coronavírus. Até então, março de 2021 era o mês mais letal, com 66.573 mortes.
A Itália, primeiro país a sofrer com a pandemia causada pelo novo coronavírus, continua como líder do ranking, com 1.996 óbitos por milhão de habitantes. Os Estados Unidos são o quarto colocado (1.730) e tem 100 milhões a mais de habitante que o Brasil.
Nesta semana, a CPI completa um mês de funcionamento. O colegiado foi instalado, por decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) em 27 de abril.
Fato que está patente é que alguns auxiliares e ex-auxiliares do governo compareceram diante da CPI e mentiram despudoradamente. Foi o caso do atual ministro da Saúde, Marcelo Queiroga; do ex-secretário de Comunicação, Fábio Wajngarten; e do ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello. Ele que pediu “desculpas” ao País por transitar sem máscaras num shopping em Manaus (AM) e neste domingo (23) engrossou, com o presidente, manifestações públicas no Rio de Janeiro, sem tomar nenhuma das medidas básicas de prevenção contra a virose.
Esse fato é, no mínimo, constrangedor para o Exército brasileiro, já que Pazuello é general de divisão. Diante disso, o comandante-geral da força, Paulo Sérgio Nogueira, vai enviar o general e ex-ministro da Saúde para a reserva. Tudo indica que era isto que o militar queria.
CAMINHOS DA CPI
Senadores na comissão já pensam nos próximos passos. Há, por exemplo, tentativas de realização de acareações, conforme defendido pelo vice-presidente do colegiado, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP). Outra sugestão controversa é a de que a CPI possa fechar acordo de delação premiada.
O relator, senador Renan Calheiros (MDB-AL), chegou a solicitar na semana passada que a comissão possa contratar serviço de checagem, em tempo real, das informações prestadas por testemunhas e investigados. Tal medida poderia resultar em aumento expressivo dos embates na comissão, mas efetivamente teria efeito devastador sobre os que na cadeira da CPI se sentassem para depor, seja lá qual fosse sua condição.
Renan também anunciou que deve apresentar relatório preliminar sobre os primeiros 30 dias de investigação. A CPI já realizou 10 reuniões, ouviu oito testemunhas e aprovou 235 requerimentos.
Há quem defenda, ainda, a convocação de pessoas próximas ao presidente Jair Bolsonaro. Uma das possibilidades mais sensíveis é a convocação do vereador Carlos Bolsonaro, filho do presidente. Isso porque, de acordo com alguns depoimentos, ele teria participado de reuniões no Palácio do Planalto para discutir medidas de combate à pandemia.
Por parte dos aliados do governo há grande esforço para que a comissão entre noutra fase, passando a investigar governadores e prefeitos que receberam recursos do governo federal, como uma forma de desviar o assunto da CPI.
PRAZOS DA CPI
A CPI tem validade de 90 dias. Se seus integrantes decidirem continuar trabalhando no recesso de julho, o inquérito pode ser concluído no dia 27 de julho.
Caso contrário, terminará em agosto. Mas é possível, quase com certeza, que seja prorrogada. Para tanto, é preciso novo requerimento com apoio mínimo de 27 senadores.
Essa quase que provável prorrogação, se for o caso, não será difícil, considerando que para que fosse criada foram obtidas mais assinaturas que o mínimo necessário. Esse também vai produzir mais embate a ser travado na CPI entre aliados e opositores do governo. Por óbvio, os governistas, que não queriam a instalação não vão querer também a prorrogação dos trabalhos do colegiado.
UMA APOSTA E/OU UMA ESPECULAÇÃO
Por que diante do caos sanitário e no setor de saúde, os poderes — Congresso Nacional e o STF — além de a elite econômica, não tomam atitude mais severa contra o presidente Bolsonaro, que claramente atua em favor de espalhar o vírus?
A resposta para este dilema é relativamente simples. Porque os ricos e endinheirados do Brasil já foram, senão todos, quase todos vacinados. Se não o foram por aqui nestas terras brasilis, o foram no exterior, onde a vacinação avança com infinitamente mais rapidez, como é o caso dos Estados Unidos.
Enquanto o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, inclusive como médico, orienta medidas sanitárias e de saúde para conter o vírus, o presidente da República atua em sentido contrário. E o interessante disso é que o ministro não pede demissão do cargo, pois a prática do chefe do Poder Executivo desmoraliza um dos auxiliares dele mais relevantes para a questão da pandemia.
AGENDA DESTA SEMANA
Nesta semana, o colegiado deverá ouvir apenas a secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, cujo depoimento está marcado para terça-feira (25), às 9h.
Dentre outras explicações, a secretária, que é médica, também terá que falar sobre a plataforma desenvolvida pelo Ministério da Saúde, o TrateCov, recomendando o uso de cloroquina no combate à Covid-19.
Depois de ouvir a secretária, a CPI vai se reunir para votar requerimentos na quarta-feira (26).
M. V.