Senadores querem saber quem financiou e quem ganhou dinheiro com a prescrição indiscriminada da droga, considerada ineficaz no combate ao coronavírus
A CPI da Covid-19, no Senado, vai começar a investigar os entusiastas da cloroquina no “tratamento precoce” contra à pandemia de Covid-19, que serão os próximos alvos da CPI. A comissão quer saber quem financiou e quem ganhou dinheiro com a prescrição indiscriminada da droga, considerada ineficaz no combate ao novo coronavírus.
Conjunto de requerimentos aprovados nesta semana direciona a apuração para empresas farmacêuticas, agências de publicidade, entidades médicas e pessoas físicas que promoveram campanhas em favor do “Kit Covid”.
Até a semana passada, a CPI havia aprovado 18 requerimentos relacionados a medicamentos sem eficácia comprovada contra a Covid-19. É o caso da cloroquina, da hidroxicloroquina, da azitromicina e da ivermectina. Na maioria dos casos, os pedidos apenas requisitavam informações a laboratórios públicos, à Casa Civil e aos ministérios da Saúde, da Defesa e das Relações Exteriores.
Depois de tantas evidências robustas de que os fármacos são ineficazes no tratamento e combate ao vírus, a CPI quer descobrir porque esses medicamentos ainda não foram abandonados, depois de mais de 1 ano que o País enfrenta, erraticamente, o novo coronavírus.
INFORMAÇÕES COMO SIGILOSAS
Embora algumas respostas já tenham sido encaminhadas à comissão, a maior parte dos documentos não pode ser acessada pelos senadores — especialmente aqueles dados enviados por órgãos do Poder Executivo. Isso porque — mesmo sem previsão legal — alguns gestores classificaram as informações como sigilosas, o que na prática restringe o acesso e dificulta a análise do material.
Nesta semana, dois movimentos da CPI buscaram afastar esse obstáculo e aprofundar a investigação sobre as campanhas em favor da cloroquina. O primeiro passo foi a aprovação de requerimento do relator, senador Renan Calheiros (MDB-AL), que altera a classificação de todos os documentos recebidos pela comissão e categorizados como sigilosos, reservados ou pessoais.
“É que estão mandando todos os documentos como se fossem sigilosos. Nós vamos fazer uma quebra. Tudo vem carimbado ‘sigiloso’, quando não é nada sigiloso. Nós vamos acabar com esse negócio. A pessoa, quando mandar um documento para cá, tem que dizer porque, qual a razão para ser sigiloso. Se não vier, nós vamos abrir”, anunciou o presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM).
NOVOS REQUERIMENTOS
O segundo movimento também veio na forma de requerimentos. Nas duas últimas reuniões deliberativas, os senadores aprovaram mais de 40 novos pedidos para apurar especificamente o uso do “Kit Covid” no enfrentamento da pandemia.
A novidade é que esses agora não se restringem a pedidos de informação: a CPI aprovou a quebra dos sigilos telefônico, telemático, bancário e fiscal de pessoas e empresas ligadas à defesa da cloroquina e de outras drogas sem eficácia comprovada para combater a Covid-19.
O primeiro alvo da transferência de sigilos é a Associação Dignidade Médica de Pernambuco, pessoa jurídica por trás do Movimento Médicos pela Vida. O senador Humberto Costa (PT-PE) quer saber se a entidade recebeu dinheiro público ou privado para promover campanhas em favor do “Kit Covid”.
“O movimento pressiona as autoridades sanitárias no País a adotarem o estabelecimento da profilaxia e do tratamento imediato da Covid-19 e a distribuição pelo programa Farmácia Popular de medicamentos como cloroquina, hidroxicloroquina e ivermectina. Campanha em favor de tratamentos inúteis e dispendiosos que operam objetivamente contra a saúde pública”, justifica o senador.
O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) sugeriu a quebra dos sigilos bancário, fiscal, telefônico e telemático de três empresas de comunicação: PPR (Profissionais de Publicidade Reunidos), Calya/Y2 Propaganda e Marketing e Artplan Comunicação. As três agências têm contratos com o governo federal.
“GABINETE PARALELO”
Outros dois alvos da quebra de sigilos são o empresário Carlos Wizard e o virologista Paolo Zanotto, apontados como integrantes do “gabinete paralelo” da Saúde. Segundo Alessandro Vieira, há “indícios de que [Wizard] tenha mobilizado recursos financeiros para fortalecer a aceitação das medidas que o presidente da República julgava adequadas, mesmo sem qualquer comprovação científica”. Durante reunião com Jair Bolsonaro, Paolo Zanotto recomendou “tomar um extremo cuidado” com o uso de vacinas.
Para o senador Rogério Carvalho (PT-SE), a transferência dos sigilos à CPI pode demonstrar que o “gabinete paralelo” auxiliou o presidente da República a transformar a cloroquina “num meio de controle sanitário”.
“Era só a cloroquina. Ele passou a defender a cloroquina como sendo a única forma de conter a expansão da pandemia. E a gente sabe que a cloroquina não previne, não diminui a letalidade dos casos de infectados. Ele largou os brasileiros à própria sorte para assegurar a implantação da sua teoria”, disse Rogério.
A CPI também aprovou pedidos de informações a 34 laboratórios e empresas farmacêuticas sobre as vendas de produtos relacionados ao “Kit Covid’. Outros dois requerimentos encaminhados à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) buscam saber quais empresas estão autorizadas a produzir e comercializar esses medicamentos no Brasil.
“LOBBY”
A CPI descobriu nesta semana, que o presidente Jair Bolsonaro atuou em favor de duas empresas privadas que produzem a hidroxicloroquina. Em telegrama enviado ao primeiro-ministro da Índia em abril do ano passado, o chefe do Poder Executivo pede a liberação de insumos para a fabricação do medicamento no Brasil.
A partir desta informação, a CPI aprovou requerimentos para investigar a atuação das farmacêuticas EMS e Apsen. São três pedidos de informações sobre a venda de drogas do “Kit Covid” pelas duas empresas, além de um requerimento que prevê a convocação do presidente da Apsen, Renato Spallicci.
O relator da CPI, senador Renan Calheiros, criticou a atuação de Jair Bolsonaro na defesa da cloroquina e no que classificou como “um lobby” para beneficiar os laboratórios privados. O parlamentar comparou o presidente da República ao líder religioso norte-americano Jim Jones, que em 1978 estimulou o suicídio em massa de 918 seguidores.
“Temos um Jim Jones na Presidência da República. A diferença é que o americano induziu ao suicídio, e o que está na Presidência do Brasil induz à continuidade dessa tragédia e desse morticínio. Isso não pode continuar a acontecer. Depois de ser pego no flagrante de estar fazendo lobby para empresa privada pela cloroquina, ele ataca a máscara como a querer mudar de assunto”, afirmou Renan.
O relator da CPI anunciou que alguns depoentes chamados à CPI na condição de testemunhas devem voltar a falar — mas agora na condição de investigados. Renan, entretanto, não identificou quem seriam essas pessoas ou por qual motivo elas passariam a ser investigadas. Disse apenas que a medida busca “demonstrar a fase seguinte do aprofundamento da investigação”.
Com informações da Agência Senado