O Plenário da Câmara dos Deputados aprovou, por 408 votos favoráveis e 67 contrários, o texto-base da proposta que revisa a Lei de Improbidade Administrativa (Projeto de Lei 10887/18). O projeto é de autoria do deputado Roberto de Lucena (Pode-SP) e o relator é o deputado Carlos Zarattini (PT-SP).
Veja as principais mudanças propostas pelo parecer do relator que foi aprovado
O projeto prevê a alteração do artigo 9.º da lei, que estabelece que “constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir, mediante a prática de ato doloso, qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade”.
O relator também acrescentou um novo parágrafo ao artigo 18, em que estabelece que “a ilegalidade, sem a presença de dolo que a qualifique, não configura ato de improbidade”.
Impunidade para negligência
Outra alteração importante que consta do projeto é a substituição do termo “negligentemente” para “ilicitamente” em alguns incisos do artigo 10. Por exemplo, a redação do inciso X ficará da seguinte forma: “agir ilicitamente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio público”.
Na lei atual, a palavra usada, em vez de “ilicitamente”, é “negligentemente”. Isso aumenta as chances de punição.
Só é improbidade se houver perda patrimonial
A redação proposta por Zarattini para inciso VIII do artigo 10 estabelece que só haverá improbidade administrativa quando “frustrar a licitude de processo licitatório ou de processo seletivo para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, ou dispensá-los indevidamente” acarretar “perda patrimonial efetiva”. Ou seja, um ato só vai ser improbidade se acarretar perda patrimonial efetiva para a administração pública.
“Carteirada” e contratação de parentes deixam de ser improbidade
Outra mudança que é alvo de críticas é a supressão total do artigo 11 da lei atual, que elenca uma série de condutas que constituem atos de improbidade administrativa por atentar “contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições”.
O relatório de Zarattini altera esse artigo e estabelece que ações ou omissões ofensivas a princípios da administração pública que, todavia, não impliquem enriquecimento ilícito ou prejuízo aos cofres públicos não configuram improbidade administrativa.
Ou seja, uma série de atos que hoje são punidos como improbidade administrativa — como “carteirada”, tortura de presos por parte de agentes carcerários, contratações de parentes, entre outros — não terão mais sanção prevista em lei. Esse tipo de caso poderá apenas ensejar ações civis.
Entidades como a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) veem retrocessos com a nova legislação discutida pelo Congresso. “A retirada total do artigo 11 que trata por exemplo do nepotismo e o trecho que estabelece o prazo de cinco anos para a prescrição são os mais preocupantes. Eles querem em cinco anos o julgamento e o trânsito em julgado. Esse prazo torna inócuo qualquer ação em relação a investigações de improbidade. Eles estão praticamente dizendo: ‘não faça porque vocês não vão conseguir’”, argumenta Manoel Murrieta, presidente da Conamp.
Segundo Murrieta, um encontro com o relator da proposta e entidades do Judiciário iria ocorrer ainda na segunda-feira (14) para tratar do tema. No entanto, ele classificou como inoportuna a discussão da matéria neste momento de pandemia. “As notícias que temos é que o novo relatório melhorou em relação ao anterior, mas esse relatório não é publico, então não temos o que discutir sobre ele. Eu espero que as sugestões que as instituições levaram ao relator tenham sido acatadas. Há uma ausência total de debate em relação ao projeto. O momento é inoportuno em relação à pandemia. A pressa e a falta de conhecimento prévio nos deixam em uma situação de apreensão”, completou Murrieta.
Na mesma linha, o procurador-geral de Justiça do Ministério Público de São Paulo, Mário Sarrubbo, alega que a Câmara tenta “passar a boiada” com esse projeto. Para ele, a intenção é travar o trabalho dos órgãos de combate à corrupção. “A Lei de Improbidade é uma das mais importantes legislações no combate à pandemia da corrupção. Será que a população quer mesmo tornar a lei da improbidade na lei da impunidade?”, questiona o procurador.
A Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), integrada por promotores e procuradores de todo Brasil, divulgou nota criticando cinco pontos diferentes do relatório do PL. De acordo com a Conamp, o PL que tramita na Câmara vai aumentar a impunidade no país, enfraquecer o combate ao enriquecimento ilícito, à prática de “atos que causam lesão ao patrimônio público” e à de “atos violadores dos princípios constitucionais da legalidade, moralidade, impessoalidade, probidade e publicidade”.