Oposição vai à Justiça contra MP da privatização
Em segunda votação, a Câmara dos Deputados aprovou nesta segunda-feira (21), por 258 votos a 136, a Medida Provisória (MP) 1.031/2021, editada por Jair Bolsonaro, que abre caminho para a privatização da Eletrobrás, maior companhia de energia elétrica da América Latina. O texto segue para sanção presidencial.
Com o aval do Congresso Nacional, após a aprovação nas duas Casas, a União perde controle da Eletrobrás e reduz sua participação na companhia de 60% para 45%. Mas, parlamentares da Câmara e do Senado já avisaram que estão entrando no Supremo Tribunal Federal contra a privatização.
Ao longo da sessão, parlamentares da oposição lembraram as mais de 500 mil vítimas da Covid-19 e cobraram do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que decretasse luto oficial por respeito às vidas ceifadas. Os deputados também cobraram que a Casa, no lugar de discutir a entrega da estatal, que trará sérios prejuízos à Nação e ao consumidor, deveria, naquele momento, estar debatendo medidas para acelerar a vacinação dos brasileiros, a compra de vacinas e evitar mais mortes diante do negacionismo de Jair Bolsonaro.
Ao longo da sessão, parlamentares contrários, e até favoráveis à privatização da Eletrobrás, combateram a forma como a discussão veio ao Plenário e a inclusão dos “jabutis”, as emendas incluídas no texto pela base do governo na Câmara e no Senado que vão onerar o consumidor em R$ 84 bilhões, segundo denúncias de associações e consultorias ligadas ao setor de energia.
O deputado Alexis Fonteyne (Novo – SP) afirmou que um dos pontos problemáticos da MP “é a contratação compulsória de térmicas”. “O problema é que essas térmicas vão ser contratadas compulsoriamente pela nova empresa Eletrobrás, mandando a conta para todos os brasileiros”, denunciou Fonteyne. Mesmo sendo favorável à privatização, toda bancada do Novo votou contra a MP.
O deputado Renildo Calheiros, líder do PCdoB, declarou que “a Câmara aprovou um projeto de resolução muito ruim. E o Senado da República conseguiu a proeza de fazer algo ainda pior”. De acordo com Calheiros, “a lei consagra contratos para as termoelétricas que ganham quando são utilizadas e ganham quando não são utilizadas. Sem fornecer nada, elas recebem recursos que saem, ao final, do povo brasileiro”. “A conversa é a mesma. A conversa é de que as contas vão baixar, que a energia vai ficar mais barata. Cada vez o prazo fica mais longo e cada vez a energia fica mais cara”, denunciou.
André Figueiredo (PDT-CE) destacou a importância da Eletrobrás para o Brasil afirmando que “a empresa representa, acima de tudo, a soberania do povo brasileiro”. “Nós, que já temos um modelo que é exitoso e uma empresa que é superavitária, vamos entregá-la e, certamente, a conta vai chegar ao bolso do consumidor brasileiro. Já estão falando que vão tirar 10 bilhões da outorga, para compensar o aumento na Conta de Desenvolvimento Energético que está nas faturas mensais dos consumidores brasileiros. Isso dura um ano, e aí a conta vai, mais cedo ou mais tarde, chegar, porque, justamente, o modelo que está sendo proposto em nada, em absolutamente nada, será benéfico para o Brasil”, avaliou Figueiredo.
O deputado Hildo Rocha (MDB-MA), ao frisar que o MDB era a favor da capitalização da Eletrobrás, disse que não votaria a favor do texto. “Quero deixar bem claro que sou contra a proposta que está posta para que nós possamos votar na data de hoje”, disse. “Não sou contra a desestatização… Eu liguei para dez especialistas em energia elétrica. Oito disseram que vai haver aumento de tarifa, que essa forma como está sendo feita a capitalização da Eletronorte é equivocada, que vai aumentar o preço da energia elétrica no ano que vem, porque é quando se vai concluir o processo de capitalização”, declarou Rocha. Dos 33 deputados do MDB, 18 votaram contra a MP.
O líder da Oposição, deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), destacou que a medida provisória “vai fazer os brasileiros pagarem para privatizar a Eletrobrás”. “O custo dos ‘jabutis’ inseridos na medida provisória soma R$ 84 bilhões”, disse Molon. “É muito grave que estejamos votando uma proposta recheada de reservas de mercado, interesses privados e que leva ao fim do planejamento energético brasileiro no momento em que o Brasil corre o risco de ter um novo apagão”, denunciou Molon, que afirmou que questionará no STF a legalidade da MP.
O líder da Minoria, o deputado Marcelo Freixo, destacou que “o Brasil caminha para um apagão”. “Nós estamos falando da sexta empresa mais lucrativa do Brasil, misturando empresa pública com empresa privada. É um acinte, essa privatização. É só olhar o que aconteceu no Amapá: 22 dias de apagão com energia privatizada. Quem solucionou o problema do Amapá foi a Eletrobrás, que foi socorrer a situação grave”, destacou Freixo. “Não podemos prejudicar uma população inteira, que vai pagar mais caro a luz, para beneficiar meia dúzia de pessoas”, frisou.
A deputada Joenia Wapichana (Rede-RR) disse que “o texto traz graves prejuízos ao Brasil”. “É prejuízo econômico, porque a privatização não é viável do ponto de vista financeiro, resultando em uma verdadeira venda do patrimônio público a preço módico. É um prejuízo social também porque gera impactos negativos ao orçamento familiar dos brasileiros. É prejuízo ambiental, porque caminha na contramão do mundo, ao incentivar a matriz energética mais cara e mais poluente”, frisou a parlamentar.
No mesmo sentido, o deputado de Opedro Uczai (PT-SC) disse que “já era um escândalo contratar 6 mil megawatts de térmicas, e ampliaram para 8 mil megawatts numa região que não tem gasoduto. E vão transferir para a conta de luz a conta das termoelétricas. É um escândalo ambiental. É um escândalo o aumento da tarifa. E o mais grave é o escândalo no custo de geração. Enquanto a produção de 1 mega de térmicas custa R$ 600 mil, dá para produzir o mesmo mega no Norte e no Nordeste a R$ 90 mil”, argumentou Uczai
Veja os principais pontos que foram aprovados:
Processo de privatização
A Eletrobrás será privatizada por oferta pública de suas ações em Bolsa de Valores. Cada acionista ou grupo de acionistas não terá poder de voto superior a 10% e a União terá ação preferencial de classe especial, conhecida como “golden share”, que dará poder de veto nas deliberações sobre o estatuto social da companhia.
Uma nova empresa será criada para administrar a Eletronuclear e a usina de Itaipu Binacional, que não serão privatizadas. Além disto, após ser privatizada, a Eletrobrás não poderá ser extinguida, fundida ou mudar de sede as seguintes subsidiárias: Companhia Hidroelétrica do São Francisco (Chesf); Furnas; Eletronorte; e Eletrosul. Esta regra vale por apenas dez anos.
Térmicas movidas a gás , PCHs, Proinfra e o Linhão do Tucuruí
O texto aprovado estabelece a obrigação da contratação de usinas termelétricas movidas a gás natural – que são caras e poluentes – para o fornecimento de 8 megawatts (MW) de energia por 15 anos, mesmo em locais em o insumo. Será necessário construir gasodutos, que podem onerar as contas de luz.
Essas usinas devem ser instaladas nas regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste que não possuem infraestrutura de transporte de gás natural. Especialistas do setor de energia têm apontado que os custos das construções destas usinas serão repassados aos consumidores de energia.
O texto estabelece uma reserva de mercado para contratação mínima de 40% de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs). A regra vale para os leilões feitos até 2026. As PCHs têm potência de geração de energia de até 50 MW, com área total do reservatório de água igual ou inferior a três quilômetros quadrados. Essa exigência também gerará repasse de custos aos consumidores, estimam os especialistas.
A MP também prorroga por 20 anos os contratos com antigas usinas térmicas que foram construídas por meio do Proinfa (Programa de Incentivos às Fontes Alternativas de Energia Elétrica). Segundo especialistas, o preço pago pela energia dos projetos do Proinfa é superior ao valor de mercado, gerando custo adicional para os consumidores.
O governo Bolsonaro também está autorizado a dar continuidade a construção do Linhão do Tucuruí, sistema de transmissão de energia que vai ligar Roraima ao sistema elétrico nacional, sem necessidade de licenças ambientais, atropelando o Ibama e a Funai. Do total de 721 km do traçado previsto para ser erguido, 125 km passam dentro da terra indígena Waimiri Atroari, onde estão 31 aldeias e vivem 1.600 índios.