A Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira, 3, o texto-base do Projeto de Lei 2633, conhecido como PL da Grilagem por 296 votos a favor, 136 contra e 1 abstenção.
O projeto amplia a possibilidade de regularização fundiária de terras da União por autodeclaração, ou seja, sem vistoria presencial do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).
A proposta, que é uma das prioridades do governo Bolsonaro para o setor, abre caminho à regularização de áreas da União ocupadas ilegalmente por grileiros e desmatadores, permitindo dar a criminosos ambientais o título das propriedades. Por isso, o projeto foi apelidado de “PL da Grilagem”.
“Metade do desmatamento da Amazônia é desmatamento para fazer regularização fundiária. As pessoas desmatam e depois procuram o Incra para fazer a regularização fundiária. Então, esse discurso de que as pessoas passarão a ser responsabilizadas é uma mentira, porque as pessoas só vão regularizar as áreas que elas já desmataram”, denunciou o deputado federal Rodrigo Agostinho (PSB-SP).
O projeto dispensa o Incra de fazer vistoria prévia de imóveis de até seis módulos fiscais, unidade de medida cujo valor é fixado pelo Incra e que varia de 5 a 110 hectares. O texto estabelece o marco temporal da ocupação em 22 de julho de 2008 para que a terra possa ser regularizada.
Caso o projeto seja aprovado, a regularização ocorrerá após análise de documentos enviados pelos próprios ocupantes das terras, como o CAR (Cadastro Ambiental Rural) e declarações de que os proprietários não tenham outro imóvel rural no país e não tenham sido beneficiários de programa de reforma agrária ou de regularização fundiária rural.
A vistoria prévia, segundo o texto, só será mantida em imóveis com termo de embargo ou de infração ambiental, com indícios de fraude no fracionamento da unidade de exploração e com requerimento por procuração.
Para acelerar a grilagem, o texto estabelece que pedidos de regularização de imóveis com até um módulo fiscal terão análise prioritária e a comprovação de uso produtivo da terra e ocupação será feita por sensoriamento remoto.
O texto determina que órgãos e as entidades consultadas poderão se manifestar em até 60 dias. Caso isso não aconteça, será presumido que não há oposição quanto à regularização.
O projeto permite que a terra seja utilizada como garantia para empréstimos relacionados à atividade a que se destina o imóvel. Isso significa que será possível usar terras da União como garantia de empréstimos. Se o adquirente ficar inadimplente com o banco, o banco tomará a terra da União.
Oposição critica proposta
A deputada federal Perpétua Almeida (PCdoB-AC), que orientou o voto contrário à proposta, ressaltou que o país já possui legislação adequada para garantir regularização fundiária (Lei 11.952/2009), que tem sua aplicação prejudicada porque o governo federal não cumpre a sua parte garantindo os recursos para sua execução.
“Esse projeto de lei prejudica a agricultura familiar e traz, inclusive, um aumento do conflito no campo, quando ela tende a superposicionar áreas tanto do grileiro, do invasor, do desmatador, como área do produtor e da pequena agricultura familiar”, afirmou.
Única representante indígena no Congresso, a deputada Joenia Wapichana (Rede-RR) disse que o projeto pode enfraquecer as salvaguardas necessárias à política de regularização fundiária.
“Nós estamos numa situação em que o Brasil precisa melhorar a imagem, ter uma imagem de salvaguarda, não uma insegurança jurídica”, disse. “Existe uma legislação já que fala da regularização fundiária, deve prover pelo avanço e não pelo retrocesso. Ela pode, sim, fragilizar a proteção ambiental”, afirmou Wapichana.
Levantamento da bancada do Psol na Câmara aponta que o texto pode levar a uma pressão para mudar o conceito de pequena propriedade rural de quatro módulos fiscais para seis módulos fiscais em outras leis e no Código Florestal. “Se esse conceito for alterado, vai representar aumento da anistia ao desmatamento e prevê mais anistia para pequenas propriedades rurais”, indica o partido, em nota.
A líder da legenda na Câmara, a deputada Talíria Petrone (RJ), defendeu que o Congresso não precisa acelerar as regularizações, mas sim “de investimento no Incra, em órgãos públicos que estão aí para fazer esse serviço. O que está em jogo aqui é a destruição das florestas, da natureza e dos povos indígenas”.
O deputado federal Daniel Almeida (PCdoB-BA) destacou que a matéria precisaria passar por um debate mais aprofundado, para evitar que, em nome da regularização fundiária, “se promova a entrega de espaços para latifúndios ou se degrade o meio ambiente”. Dentre os pontos polêmicos, estão a ampliação de dispensa de vistoria prévia no processo de titulação.
Para o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), a votação do projeto deveria ser adiada, para que os parlamentares pudessem optar por um texto mais ajustado às necessidades do Brasil.
“É fato que nós temos que tratar da regularização fundiária, mas é fato que nós temos que tomar medidas que impeçam que não só ocupações irregulares, indevidas assim como a repercussão que pode ter a expansão do desmatamento, entre outros efeitos colaterais, de matérias que acontecem quando não há o devido tratamento de uma matéria sensível como essa”, observou.
PL da Grilagem também é rejeitado por entidades ambientais
“O texto aprovado na Câmara possui brecha que pode permitir que áreas de florestas públicas ocupadas e desmatadas a qualquer tempo sejam regularizadas via licitação, com critérios a serem definidos pelo Poder Executivo via decreto. É um grande estímulo à continuidade da grilagem, visando à apropriação e titulação de terras”, disse Brenda Brito, pesquisadora do Imazon.
“O Brasil tem lei suficiente para atender à demanda de regularização fundiária. A lei em vigor, alterada em 2017, já facilitava a titulação de pequenas posses rurais. O texto do PL 2.633 beneficiará grandes latifúndios e desmatadores ao permitir a entrega de títulos sem a aferição da regularidade ambiental da área. O discurso de combate ao desmatamento, portanto, é falacioso. É importante lembrar que temos uma extensão de terras equivalente ao estado do Rio Grande do Norte sem destinação no Brasil. É um enorme patrimônio público, que não pode ter o grileiro e o crime organizado como destinatários privilegiados”, Juliana de Paula, do Instituto Socioambiental.
“O momento de emergência climática e de crise hídrica exige do Brasil compromissos efetivos com a proteção das florestas. Mesmo assim, com a imagem totalmente desgastada no cenário internacional, projetos de lei como esse da grilagem continuam nos mantendo na contramão. Descolados da ciência, da participação da sociedade na governança ambiental, a boiada empaca no Congresso Nacional. A Câmara dos Deputados deveria promover o diálogo e reverter retrocessos como esse.” Malu Ribeiro, disse a diretora de Políticas Públicas da Fundação SOS Mata Atlântica