“A ABE está recebendo diariamente denúncias sobre o desabastecimento de medicamentos anticrise em todo o país. A pessoa com epilepsia também tem direito à saúde e não iremos permitir a violação desse direito”, afirma neurologista e presidente da Associação Brasileira de Epilepsia (ABE), Lécio Figueira, sobre a falta de um dos principais medicamento para o controle da epilepsia no Sistema Único de Saúde (SUS).
Diante da escassez do levetiracetam no sistema público de saúde, o Ministério da Saúde propõe a redução da dosagem de 750mg para 250 mg. “Isso é absolutamente irresponsável e não é uma solução real”, afirma o neurologista. Em ofício encaminhado às Secretarias de Estado da Saúde, a pasta afirma que “fez-se necessária a busca por estratégias para prevenir eventuais prejuízos aos pacientes”.
“A maior preocupação na substituição dele é não fazer o mesmo efeito do que o de 750 mg. Eu tenho medo de usar os três de 250 mg e de repente não fazer o efeito que só um de 750 mg faz”, afirma a policial penal Gislene Bernardino de Freitas, 37, em entrevista ao jornal “O Povo”, do Ceará. Gislene foi diagnosticada com epilepsia em 2016 e desde então vem realizando o tratamento com levetiracetam.
Mesmo que o paciente consiga a dosagem, a médica neurologista Mariana Krueger, alerta que a substituição tomando o triplo de comprimidos, pode dificultar a adesão do medicamento. Ela também chama a atenção para o fato de que nem todos os pacientes têm consulta de imediato com um médico, o que pode agravar o quadro, “havendo crises epilépticas e necessidade de internação hospitalar ou ainda estado de mal epiléptico”. “O estado de mal epiléptico pode requerer UTI ou inclusive ocasionar sequelas neurológicas, ou ainda levar à morte”, alerta.
Essa preocupação também é compartilhada pelo presidente da ABE. “Não é possível trocar de medicação de uma hora para outra. Você pode descompensar o paciente e ele pode não responder à nova dosagem”, afirma.
A embaixadora da Associação Brasileira de Epilepsia (ABE) do Ceará, Jéssica Lima, que também faz tratamento contra epilepsia, diz que é inaceitável o desabastecimento do remédio que está sendo disponibilizado há pouco tempo. “Era para eles [Ministério da Saúde] terem se programado. É inaceitável essa proposta do Ministério também. Você sair de uma dosagem maior para uma menor, passando a tomar três comprimidos ao invés de um. Isso terá um efeito bem prejudicial”, aponta.
Ela informa que, desde novembro, a entidade vem recebendo inúmeras denúncias sobre o desabastecimento do medicamento no Estado.
O Ministério da Saúde afirmou que a substituição da dosagem do medicamento ficará “a critério do médico prescritor”, com necessidade de nova receita e documentação. Para Figueira, essa orientação, na prática, não funcionaria e acabaria, assim, como alerta Krueger, sobrecarregando o sistema. “Todos eles precisam passar por uma nova consulta, novos exames, novo fichamento. Isso vai sobrecarregar o sistema”, afirma.
No documento enviado às secretarias, o órgão alega que o consumo foi maior do que a expectativa. Outro pretexto é de que uma proposta de licitação para compra do remédio em setembro teria falhado, mas que outra está em andamento. Lecio Figueira rebate e diz que é comum ao ministério apresentar problemas nas compras de medicamentos e que imprevistos já haviam sido identificados no primeiro semestre deste ano, mas as medidas para solucioná-los não foram adotadas. “Eles tinham tempo hábil para tomar uma atitude adequada. O Ministério sempre vem com esses problemas, mas dessa vez estamos lutando para que isso acabe”, afirma. A ABE iniciou um movimento de repúdio nas redes sociais chamado #SOSEpilepsia para reverter a situação, informa o médico.
A epilepsia é uma doença neurológica e das mais frequente no mundo. Desde o ano passado o medicamento para o seu controle vinha sendo distribuído pelo SUS. Nos Estados Unidos e na Europa, o remédio é disponibilizado há pelo menos 20 anos.
“Historicamente, todos os fins de ano tem um problema na licitação, no sistema e os pacientes ficam sem algum remédio. Dessa vez, a situação é mais crítica. É um remédio mais caro e novo no Brasil, que está sendo disponibilizado há pouco tempo”, explica o vice-presidente da ABE.