Com cara e cheiro de privatização, plataforma, segundo ele, possibilitaria troca de dados de pacientes entre operadoras privadas de saúde, como no sistema financeiro
O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, disse que o ministério está estudando a possibilidade de criar modelo de compartilhamento de dados entre planos de saúde para aumentar a concorrência no segmento de saúde complementar, como é o caso das instituições financeiras por meio do Open Banking.
A ideia por trás do ‘Open Health’, como o projeto de Queiroga foi batizado, é que as operadoras de planos de saúde privados possam oferecer produtos diferenciados aos clientes.
Segundo ele, o projeto foi bem recebido pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), e o governo estuda editar uma medida provisória (MP) para implantar o sistema.
Como não seria bem recebido pelo chefe do Poder Executivo?
Bolsonaro não pensa ou reflete como presidente da República. Ele governa ao sabor das conveniências e dos projetos que o mercado apresenta. É o mais do mesmo. Não há novidade nisso.
‘SAÚDE ABERTA’
“Em conversa com Campos Neto [presidente do Banco Central], dissemos: vamos criar uma ‘saúde aberta’, disse o ministro. Eufemismo para engendrar projetos privatizantes. Nesse momento, o que os brasileiros precisam é o Estado presente para oferecer suporte eficaz às grandes dificuldades de povo.
O mercado e as empresas privadas só visam o lucro. Agora, é preciso ter visão de Estado para salvar o povo dessa profunda crise sanitária.
“Por que não usamos uma plataforma como ‘open banking’ para facilitar a portabilidade? Você sabe quanto tempo leva hoje a portabilidade (para um beneficiário mudar de um plano de saúde para outro)? Cerca de 90 dias”, indagou Queiroga.
“Então imagine em uma plataforma como essa onde você coloca seu CPF, seu plano aparece lá e alguns outros planos combinam com o seu perfil e você clica em cima [na tela do seu celular] e muda”, disse Queiroga ao jornal Valor Econômico.
A plataforma coletaria registros de pacientes e métricas adicionais de saúde, que seriam compartilhadas com as operadoras para oferecer “planos personalizados”, com preços mais baixos para quem usa menos o sistema de saúde, disse o ministro.
Além disso, de acordo com Queiroga, a adoção do modelo também reduzirá a carga sobre o sistema público de saúde, uma vez que muitas pessoas terão “acesso fácil” a cuidados de saúde adicionais.
A carga sobre o sistema de saúde pública brasileiro é o baixíssimo financiamento público, entre outras mazelas da gestão pública, como a falta de profissionais — médicos, enfermeiros, auxiliares, etc…
ESPECIALISTAS
“Não tem cabimento o ministro Queiroga tentar agradar o setor empresarial em plena nova onda da pandemia, em meio à falta de testes de covid na rede privada, escândalo de operadora acusada pela CPI do Senado Federal, e previsão de mais um aumento das mensalidades dos planos de saúde acima da inflação. O titular da pasta da Saúde, que deveria estar à frente da condução de respostas ao recrudescimento de casos de covid-19, registra, assim, mais um malogro de sua gestão”, repudia nota dos especialistas do GEPS (Grupo de Estudos sobre Planos de Saúde), da USP, e do GPDES (Grupo de Pesquisa e Documentação sobre Empresariamento na Saúde), da UFRJ.
“Ao prever a circulação livre de dados dos pacientes entre as operadoras, a medida tem dois propósitos explícitos: 1) permitir a seleção de risco, para que as empresas possam escolher aquelas pessoas que não tem nenhuma doença; e 2) facilitar a venda de planos “customizados”, de menor cobertura, baseados no histórico passado do paciente, sem considerar a imprevisibilidade futura das necessidades de saúde das pessoas”, prossegue o texto.
“Ao prever a circulação livre de dados dos pacientes entre as operadoras, a medida tem dois propósitos explícitos: 1) permitir a seleção de risco, para que as empresas possam escolher aquelas pessoas que não tem nenhuma doença; e 2) facilitar a venda de planos “customizados”, de menor cobertura, baseados no histórico passado do paciente, sem considerar a imprevisibilidade futura das necessidades de saúde das pessoas”.
O texto dos especialistas conclui apontando:
“No lugar de atender interesses de empresários da saúde em ano de eleição, o ministro Marcelo Queiroga devia, no momento, é se ocupar com a vacinação de crianças e coordenar efetivamente os esforços para o controle da nova onda de covid que ameaça colapsar o sistema de saúde mais uma vez”.