SÉRGIO RUBENS DE ARAÚJO TORRES
(Hora do Povo, edição de 21 de fevereiro de 2000)
1. Prólogo
2. Assalto ao QG da 3ª Região Militar
3. Morro do Menino Deus
4. Tomada de Porto Alegre
5. Sucessão de Washington Luís
6. Aliança Liberal
7. Preparação da Insurreição
8. Campanha Eleitoral
9. O Amigo da Onça
10. Defecção de Prestes
11. Manifesto de Vargas
12. Volta por Cima
13. Assassinato de João Pessoa
14. Preparativos Finais
15. Colunas Avançadas
16. Revolução em Minas
17. Revolução no Nordeste – 1
18. Revolução no Nordeste – 2
19. A Caminho do Front
20. Deposição de Washington Luís
21. A Batalha de Itararé
22. Passagem por São Paulo
23. Chegada ao Rio de Janeiro
24. Epílogo
1. Prólogo
3 de outubro de 1930. Getúlio Vargas, governador do Rio Grande do Sul, candidato esbulhado nas eleições presidenciais de março, registra em seu recém iniciado diário:
“Se todas as pessoas anotassem diariamente num caderno seus juízos, pensamentos, motivos de ação e as principais ocorrências de que foram parte, muitos a quem um destino singular impeliu poderiam igualar as maravilhosas fantasias descritas nos livros de aventura dos escritores da mais rica imaginação. O aparente prosaísmo da vida real é bem mais interessante do que parece. Lembrei-me que se anotasse, diariamente, com lealdade e sinceridade, os fatos de minha vida como quem escreve apenas para si mesmo e não para o público, teria aí um largo repositório de fatos a examinar e uma lição contínua de experiência a consultar.
Não o fiz durante a minha mocidade cheia de episódios interessantes que vão se apagando pouco a pouco da memória. Depois, o trato contínuo com os homens e as observações feitas sobre os mesmos em fases e circunstâncias diferentes nos habilitam a um juízo mais seguro.
Lembrei-me disso hoje, dia da Revolução. Todas as providências tomadas, todas as ligações feitas. Deve ser hoje às cinco horas da tarde. Que nos reserva o futuro incerto neste lance aventuroso?…
Pela manhã recebi o secretário da presidência, com quem despachei a correspondência do dia, e entreguei-lhe para passar a limpo o manifesto revolucionário que deverá ser publicado amanhã… Chegou às 10 horas o coronel Claudino Nunes Pereira, comandante da Brigada Militar. Achei-o mais confiante. Estava antes vacilante e um tanto desanimado. Não acreditava no êxito do movimento… Atendi.. o dr. João Simplicio, secretario da Fazenda… Nada sabia sobre o movimento preparado para hoje, apenas os boatos insistentes que corriam a cidade… disse-me que queimaria toda a sua biblioteca se Minas entrasse no movimento revolucionário porque, se tal acontecesse, instituiria uma subversão completa de todas as noçòes que ele havia aprendido…
Quatro e meia, aproxima-se a hora. Examino-me e sinto-me com o espírito tranqüilo de quem joga um lance decisivo porque não encontrou outra saída digna para o seu estado. A minha sorte não me interessa e sim a responsabilidade de um ato que decide do destino da coletividade. Mas esta queria a luta, pelo menos nos seus elementos mais sadios, vigorosos e ativos. Não terei depois uma grande decepção? Como se torna revolucionário um governo cuja função é manter a ordem? E se perdermos? Eu serei depois apontado como responsável, por despeito, por ambição, quem sabe? Sinto que só o sacrifício da vida poderá resgatar o erro de um fracasso”.
2. Ataque ao Quartel-General da 3ª Região Militar
“Começou o movimento, um fogo vivo de fuzilaria e metralhadoras, uns vinte minutos de luta e foi tomado o quartel-general, presos o comandante da Região e seu estado-maior. O assalto foi feito por guardas civis e populares capitaneados por Osvaldo Aranha, Flores da Cunha e Adalberto Correia. Foi um lance épico”.
Osvaldo Aranha organizara meticulosamente o decisivo ataque. Por delegação de Vargas, ele assumira a frente dos preparativos da insurreição, desde o ano anterior, como secretário de Interior e Justiça de seu governo.
O plano era capturar, logo no início do levante, o general Gil de Almeida, comandante da 3ª Região Militar, e seu estado-maior, de modo a desarticular o esforço contra-revolucionário.
O quartel da Guarda Civil ficava nas imediações do Quartel-General da 3ª Região. Com várias semanas de antecedência, Aranha determinara que diariamente, às cinco da tarde, hora em que encerrava o expediente nas repartições militares, a Guarda Civil entrasse em formatura e iniciasse um desfile, saindo de seu prédio e passando, invariavelmente, pela frente ao QG. Sentinelas e demais ocupantes da unidade militar acostumaram-se àquela rotina.
No dia 3 de outubro, a cena costumeira se repetiria. A diferença é que alguns edifícios na retaguarda e no flanco esquerdo do quartel haviam sido discretamente ocupados pelos revolucionários que ali instalaram metralhadoras para servirem de cobertura ao assalto. Igualmente, nas imediações do QG um grupo armado, integrado por Osvaldo Aranha e pelo senador Flores da Cunha, aguardava a passagem da tropa da Guarda Civil. Quando esta chegou em frente ao QG, o ataque começou. As sentinelas foram surpreendidas e o prédio invadido. A luta foi curta, porém intensa. Dos 50 revolucionários que atacaram o prédio, a metade foi posta fora de combate – seis morreram na própria investida e cinco mais tarde, em conseqüência dos ferimentos. Mas estavam presos o general Gil de Almeida, o coronel Firmo Freire, chefe de seu estado-maior, e outros oficiais.
Na mesma rua, a poucos metros do Quartel-General, a guarnição do arsenal de guerra foi dominada por outro contingente integrado por guardas civis e populares, dirigidos pelos deputados federais Adalberto Correia e Francisco Antunes Maciel.
3. Morro do Menino Deus
3 de outubro. Diário de Vargas:
“No morro do Menino Deus estavam dois corpos o 8º e o 9º Batalhão de Caçadores. O primeiro, sob o comando do tenente-coronel Galdino Esteves, aderiu, e o segundo ofereceu fraca resistência sendo preso o comandante e alguns oficiais”.
O segundo alvo estratégico da insurreição na capital gaúcha era o fortificado Morro do Menino Deus, onde estavam sediados dois regimentos de Cavalaria Divisionária – o 3º e o 4º. Em setembro, o general Gil de Almeida havia reforçado essa posição com o 8º e o 9º Batalhão de Caçadores, respectivamente comandados pelo tenente-coronel Galdino Esteves e pelo coronel Toledo Bordoni. O contingente ali aquartelado atingia um efetivo de 1.500 homens.
Além de se constituir na mais importante posição da tropa federal, em Porto Alegre, no imenso paiol do Morro estava armazenada a “única reserva de munição existente no estado”.
O coronel João Alberto, veterano da Revolução de 1924, encarregado de comandar a investida, comenta o fato:
“O ponto fraco da revolução era justamente o reabastecimento da munição de fuzil. Nem a Brigada Militar do estado nem os corpos de tropa do Exército dispunham de municiamento para grandes combates. Seria temeridade armar uma centena de milhar de homens para uma luta séria, contra um adversário poderoso, sem ter o reabastecimento garantido… Aquela munição não nos podia escapar. Se o general Gil a fizesse explodir no último instante o êxito do movimento talvez ficasse comprometido”.
Momentos antes da hora combinada para o ataque, o tenente-coronel Galdino Esteves neutralizou o 8º Batalhão, sob seu comando, conduzindo-o para o salão do rancho. Sob a cobertura de um grupo comandado por Estilac Leal, João Alberto atacaria as trincheiras, na parte alta do Morro, guarnecidas pelo 9º Batalhão, também previamente minado pela pregação revolucionária. O tenente Setembrino Palma, com um pequeno grupo de guardas civis e alunos do CPOR, procuraria imobilizar as tropas de Cavalaria, surpreendendo-as em seus alojamentos.
João Alberto fez a seguinte narração do episódio:
“Tínhamos apenas cinco minutos de espera, quando ouço uma fuzilaria vinda lá de baixo, na direção do quartel de Cavalaria. O tenente Setembrino Palma cumprira a sua palavra. Dei o sinal de avanço… Uma fuzilaria nervosa estrondou por toda a linha de fortificação do adversário. Quis, minha boa estrela, que o ataque… incidisse sobre a trincheira ocupada pela companhia do tenente Amaro, nosso companheiro de conspiração… Galgando temerariamente o parapeito da própria posição, para se dar a conhecer, no meio das balas, ele agitou um lenço vermelho, símbolo das forças revolucionárias… Em menos de meia hora dominamos o Morro e precipitamo-nos, em seguida, sobre os alojamentos em defesa de Setembrino”.
O tenente, no entanto, já havia dominado os 170 soldados que se encontravam no quartel. Estes se renderam pouco depois de haver tombado o seu comandante – capitão Jaime Argolo Ferrão.
4. “De Pé, Pelo Brasil!”
3 de outubro. Diário de Vargas:
“Resistiu até a madrugada o 7º Batalhão de Caçadores comandado pelo coronel Acauã. Durante à tarde e parte da noite, a cidade sofreu o alarme de fogo cruzado entre os sitiantes e sitiados, fuzilaria, metralhadoras e morteiros. Pouco depois da meia-noite, veio um oficial do 7º ao palácio propor-me um parlamento. Entreguei-o ao coronel Góis Monteiro que ficou dirigindo as operações como meu chefe do estado-maior. Este regulou as condições de entrega e o 7º se rendeu”.
Com a queda desta unidade, Porto Alegre passou inteiramente ao comando das forças revolucionárias. O coronel Benedito Marques da Silva Acauã, comandante do 7º Batalhão de Caçadores, era cunhado do senador Flores da Cunha, o que não o impediu de oferecer uma resistência encarniçada, acima de todas as expectativas. Para não permitir que a luta se prolongasse em demasia, os revolucionários tiveram que fazer uso maciço da artilharia e mesmo dos lança-chamas que haviam sido preparados por outro veterano das revoluções de 1922 e 1924, o major Henrique Ricardo Holl.
Porém, no momento da rendição, o coronel Acauã formou a tropa, para despedir-se de seus comandados, e informou que, conforme as condições estabelecidas, todos aqueles que quisessem regressar a seus lares deveriam dar um passo a frente, pois poderiam fazê-lo com todas as garantias. Nem um só homem se moveu, incorporaram-se todos às fileiras revolucionárias.
No dia 4, pela manhã, os jornais estampavam o manifesto revolucionário que o secretário de Vargas recebera dele, pela manhã do dia 3, com a orientação de encaminhá-lo para a publicação, no dia seguinte – sutilezas a que se obriga um governador decidido a dirigir uma revolução e não a alardeá-la:
“O povo oprimido e faminto. O regime representativo golpeado de morte, pela subversão do sufrágio popular… Daí como conseqüência lógica a desordem moral, a desorganização econômica, a anarquia financeira, o marasmo, a estagnação, o favoritismo, a falência da Justiça. Entreguei ao povo a decisão da contenda, e, este, cansado de sofrer rebela-se contra os seus opressores… Não foi em vão que o nosso Estado realizou o milagre da união sagrada. É preciso que cada um de seus filhos seja um soldado da grande causa. Rio Grande, de pé pelo Brasil! Não poderás falhar ao teu destino heróico!”
O apelo foi atendido prontamente. Em poucos dias, cerca de 50.000 voluntários se alistaram para a luta. As tentativas de reação das forças federais, no interior do estado, restringiram-se a Rio Grande, Bajé, São Gabriel, Alegrete, Itaqui, São Borja e Passo Fundo, e foram rapidamente debeladas. O Rio Grande estava pronto.
5. Sucessão de Washington Luís
Getúlio Vargas assumiu o governo do Rio Grande do Sul em 25 de janeiro de 1928. Desde a campanha eleitoral, no ano anterior, conseguira a pacificação do estado, sendo apoiado por chimangos e maragatos. Republicanos e libertadores, pela primeira vez na história da República, trocavam as armas pela busca do entendimento. Da rica experiência política vivida pelo país, ao longo da década de 20, Vargas tirara a convicção de que o Rio Grande dividido deixava a oligarquia cafeeira de mãos livres para impor seus interesses ao conjunto do país. E estes tornavam-se cada vez mais estreitos e excludentes.
A política de valorização do café convertera-se numa bomba de efeito retardado. A safra de 1927 fora de 28.334.000 de sacas, para um consumo mundial de 23.536.000. O governo sustentava artificialmente o preço, comprando o excedente com recursos obtidos através de empréstimos nos bancos ingleses e norte-americanos. Em dez anos, o número de pés de café havia passado de 2.000.000, para 2.579.000. A safra de 1929 ameaçava atingir a casa das 38.000.000 de sacas. Uma violenta crise despontava no horizonte, antes mesmo de sobrevir o crack da bolsa de Nova Iorque.
Diante dessa situação, a oligarquia cafeeira paulista decidiu ignorar o pacto que previa a transferência da presidência da República a um aliado mineiro, nas eleições de março de 1930. A manutenção de seus privilégios, num quadro de crise aguda, implicaria na imposição de maiores sacrifícios aos demais setores da sociedade, daí a necessidade de um presidente paulista, nada menos que o governador do estado, ainda que isso provocasse a ruptura da tradicional política do café-com-leite.
Pela segurança de que seus privilégios seriam preservados sem hesitação, a oligarquia cafeeira estava disposta a pagar o preço do isolamento político. Considerava que o sistema eleitoral vigente lhe garantiria a vitória em quaisquer circunstâncias. Além do voto a bico de pena – aberto e não secreto – que propiciava a intimidação dos eleitores, a designação de todos os componentes das mesas era de responsabilidade exclusiva dos presidentes das casas legislativas. Depois de colhidos e contados, os votos eram incinerados, restando as atas, cuja validação e totalização também estavam sob estrito controle dos presidentes dos legislativos.
Em poucas palavras, Getúlio Vargas resumiu o funcionamento desse sistema:
“Na maior parte dos estados do Brasil, as eleições são lavradas em atas falsas, feitas nas casas dos apaniguados dos governos locais, sem interferência do povo”.
Se isso não fosse o bastante, no caso das eleições aos cargos de presidente da República, deputados e senadores, a comissão de verificação de poderes da Câmara Federal, também nomeada pelo presidente da casa, se encarregaria da degola – termo pelo qual celebrizou-se o ato de transformar candidatos derrotados em vencedores e vice-versa.
À frente do governo de Minas, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, reagiu à pretensão da oligarquia paulista, de impor o nome de Júlio Prestes, retirando-se da disputa e selando uma aliança, em 17 de junho de 1929, pela qual o Partido Republicano Mineiro e o Partido Republicano Rio-Grandense vetariam a candidatura do dr. Julinho e se unificariam em torno de Getúlio Vargas.
6. Aliança Liberal
A proposta das forças dominantes nos estados que detinham o primeiro e o terceiro maior colégio eleitoral do país seria submetida ao presidente Washington Luís, através de carta firmada por Vargas, em 11 de julho de 1929, da qual foi portador o senador Flores da Cunha. O calejado general dos corpos provisórios rio-grandenses admitiu que “o estado de espírito do presidente me perturbou”:
“O Sr. Washington Luís leu rapidamente a carta. Pelo seu ar de assombro observei que estava sob a impressão de um homem que houvesse caído das nuvens de seu sonho, no chão duro da realidade”.
O presidente da República anteviu a tempestade que iria colhê-lo, no final de seu mandato. Ele não nutria especial simpatia pela candidatura do dr. Júlio Prestes, e sentia que sua obra administrativa, dedicada à estabilização monetária, estava a pique de ser sacrificada pela pressão por novas emissões e empréstimos capazes de absorver os gigantescos excedentes da produção cafeeira. Limitou-se, porém, a cumprir os desígnios de sua classe. Despachou emissários ameaçando de retaliações as forças políticas que ousassem alinhar-se aos estados rebelados.
Em 31 de julho, a comissão executiva do Partido Republicano Mineiro lançou publicamente as candidaturas de Getúlio Vargas e do governador da Paraíba, João Pessoa, à presidência e vice-presidência da República. As forças que as apóiam organizam-se, no início de agosto de 1929, na Aliança Liberal, composta pela Frente Única Gaúcha, englobando republicanos e libertadores, pelos partidos republicanos de Minas e da Paraíba, e pelas forças oposicionistas nos demais estados. Contavam com 70 deputados federais e 12 senadores, aproximadamente a terça parte do Congresso Nacional.
A 12 de setembro, o Partido Republicano Paulista secundado pelas agremiações situacionistas de 16 estados homologa as candidaturas de Júlio Prestes e do baiano Vital Soares à presidência e vice-presidência da República.
A convenção da Aliança Liberal realizou-se a 20 de setembro no Palácio Tiradentes, sede do Câmara Federal. Em seu discurso, Antonio Carlos procuraria desencorajar iniciativas governamentais para a subversão da vontade popular, afirmando:
“… sem as razões morais… que impeliram os nossos maiores a fundar as instituições republicanas… a ordem material e a política… não passarão de um remanso estagnado, em cujo seio se opera lentamente, em todos os países escravizados, a transformação da submissão em revolta”.
O líder da bancada gaúcha, João Neves, dissera o mesmo de forma mais direta, na sessão da Câmara, de 5 de agosto:
“Vencidos num pleito liso, reconheceremos com prazer a nossa derrota; mas vencedores… ninguém conseguirá esbulhar o país na sua escolha!”.
7. Preparação da Insurreição
No mês de agosto, enquanto a Aliança Liberal tomava forma, Osvaldo Aranha estabeleceu a ligação entre os homens que governavam o Rio Grande do Sul e os oficiais que haviam promovido as revoluções de 1922 e 1924. Ambos eram velhos conhecidos. Por três vezes o próprio secretário de Interior e Justiça havia terçado armas contra seus novos interlocutores. Em novembro de 1924, batera João Alberto e Juarez Távora, em Alegrete, e Siqueira Campos, em Itaqui. Dois anos mais tarde, fora derrotado por Alcides Etchegoyen, nas proximidades de Santa Maria.
“Jamais houve ressentimento entre nós, tal o cavalheirismo que mantínhamos depois da luta”, escreveu João Alberto. O coronel relata o desdobramento desses contatos:
“Prestes a instância de Siqueira Campos veio a Porto Alegre encontrar-se com o dr. Getúlio Vargas, a fim de estabelecer as bases da nossa colaboração. Começamos a restabelecer os contatos com os nossos amigos nos diferentes estados, dando-lhes instruções para que fizessem discretamente os preparativos para o levante e emprestassem todo o apoio político à candidatura do dr. Getúlio Vargas… Porto Alegre tornou-se um forte centro de conspiração. Ninguém supunha que o resultado das eleições favorecesse o candidato oposicionista. A máquina eleitoral do governo e o sistema tradicional de fraude nas urnas eram bem conhecios. Não havia alternativa. A luta pelas armas era inevitável…”
Luís Carlos Prestes entrevistou-se secretamente com Vargas, no palácio do governo, por duas vezes, nos meses de setembro e novembro. As condições que ele apresentou, como representante do movimento tenentista, para aceitar a chefia militar da revolução, foram aprovadas por Getúlio. Osvaldo Aranha entregou-lhe o primeiro documento de falsa identidade: Manoel de Souza. Os recursos solicitados foram enviados, através de um banco em Buenos Aires – 800 contos de réis.
A 13 de outubro, vindo de Buenos Aires e passando por Montevidéu, Juarez Távora chega a Porto Alegre, onde se encontra com Siqueira Campos e João Alberto. Sua missão, previamente acertada com Prestes e Miguel Costa, era deslocar-se para o Nordeste, a fim de assumir o comando das operações militares naquela região. Antes porém recebeu a incumbência de avistar-se com o governador de Minas – na época, o termo empregado era presidente do estado:
”Demorei-me em Porto Alegre pouco mais de uma semana tendo tido oportunidade de ser apresentado ao presidente Getúlio Vargas, por Osvaldo Aranha, no próprio Palácio Piratini… Antes de deixar Porto Alegre, recebi, com Siqueira Campos, a missão de entender-me, em nome do governo do Rio Grande do Sul com o presidente Antonio Carlos, de Minas Gerais, a respeito de contribuição que devia caber a este estado, para a compra de armamento no estrangeiro”.
Após a missão junto ao governo mineiro, Siqueira Campos se fixa em São Paulo. Para reforçar o levante em Minas Gerais, é designado o capitão Leopoldo Néri da Fonseca. João Alberto concentra a sua atividade no Rio Grande do Sul. Nelson de Mello no Distrito Federal. Juarez, antes de seguir para o Nordeste, passou pelo Rio de Janeiro, tendo sido preso e encarcerado na fortaleza de Santa Cruz. Só no dia 28 de fevereiro, véspera de carnaval, depois de empreender uma fuga espetacular, é que consegue retomar a viagem para Pernambuco. O coronel Estilac Leal, que o acompanhara na escapada, segue para Porto Alegre.
8. Campanha Eleitoral
Os principais pontos do programa de Getúlio Vargas – anistia aos revolucionários de 1922 e 1924, voto secreto, liberdade de imprensa, educação pública e legislação trabalhista – davam um caráter popular à campanha da Aliança Liberal e colocavam seus partidários na ofensiva em relação às forças que permaneciam atadas a velhas teses sintetizadas pelo presidente da República, na conhecida sentença:
“A questão social é um caso de polícia”.
A maioria governista decidiu então esvaziar as sessões parlamentares, impedindo a manifestação dos deputados aliancistas. Mas estes replicaram passando a promover comícios nas escadarias do palácio Tiradentes. A temperatura se eleva. No dia 26 de dezembro, o deputado situacionista Manuel Francisco de Sousa Filho ataca com um punhal o deputado gaúcho Ildefonso Simões Lopes e seu filho Luís, na entrada da Câmara. Na luta, Ildefonso disparou dois tiros contra o deputado pernambucano, que morreu no local. O gaúcho era vice-presidente da comissão executiva da Aliança Liberal. A imprensa governista procura criar um clima de comoção. O líder da bancada do Rio Grande chega a telegrafar a Vargas recomendando o adiamento de sua viagem à capital da República.
Quatro dias depois, Getúlio desembarca no Rio de Janeiro. Viera proceder a leitura de sua plataforma, como já o fizera Júlio Prestes, no saláo do Automóvel Clube do Brasil, cumprindo uma antiga tradição da vida política nacional. Logo após a sua chegada, Vargas procura desanuviar o ambiente, fazendo uma visita ao presidente Washington Luís.
No dia 2 de janeiro de 1930, ao lado de João Pessoa, o candidato promove a leitura da plataforma, em praça pública, perante multidão de proporções sem precedente concentrada na esplanada do Castelo. Vargas esclarece o significado da nova liturgia que emprestara ao ato, com a seguinte afirmação:
“Apesar de nem sempre terem dos fatos uma visão de conjunto, são realmente as classes populares sem ligações oficiais as que sentem com mais nitidez, em toda a sua extensão, por instinto e pelo reflexo da situação geral do país sobre as condições de vida, a necessidade de modificação dos processos políticos e administrativos”.
Deixando o Rio, a comitiva aliancista embarca num trem para São Paulo. O convite para que Getúlio Vargas participasse de uma manifestação pública na capital paulista fora feito pelo Partido Democrático – dissidência do Partido Republicano Paulista que havia aderido à Aliança Liberal.
Realizado o comício, no dia 4 de janeiro, sábado, a dissidência se mostra surpresa e assustada com o prestígio de Vargas em “seu” território, conforme expressa o relato de Paulo Nogueira Filho, um dos próceres do Partido Democrático que estivera no Rio de Janeiro para discutir a organização do ato:
“… o cortejo se pôs em marcha pela Avenida Rangel Pestana no Brás, o bairro industrial. Muita gente postada na calçada… O que começou a surpreender foi que, aclamado o candidato, aquela gente toda, ao invés de regressar às suas casas, se incorporava ao cortejo que ia se avolumando espantosamente…
Assim que por volta das 20h despontou o cortejo na várzea do Carmo, tive um arrepio. Não era possível o que via! Caminhava não um cortejo, mas uma imensa multidão. Que sucederia quando aquela gente toda se encontrasse com a que estava acima da ladeira? A multidão, como nunca São Paulo vira igual, repetia: Nos queremos Getúlio, nós queremos Getúlio! Daí por diante tudo foi de roldão… Falaram com extrema dificuldade os oradores escalados. Era um vozerio só e imenso a se alçar nos céus de Piratininga. A não ser aqui ou ali, os acordes do Hino Nacional, nada mais se ouviu a não ser: Nós queremos Getúlio. Nós queremos Getúlio!”.
Na semana seguinte, 8 de janeiro, Siqueira Campos, responsável pela chefia militar da revolução em São Paulo, esvazia a sua pistola contra policiais que o localizaram e tentaram capturá-lo. Auxiliado por populares, consegue empreender a fuga, chegando até a sede do jornal O Estado de São Paulo, onde Júlio de Mesquita, integrante do Partido Democrático, lhe presta apoio. São presos seus colaboradores Emídio Miranda, Djalma Dutra e Aristides Correa Leal, veteranos de 1924. O aparelho da rua Bueno de Andrade 101, centro da conspiração, era freqüentado também pelos tenentes Ricardo Holl e Oswaldo Leite Ribeiro. Alertados por Siqueira de que uma delação levara a polícia até o local, eles restringem seus contatos com os elementos do Partido Democrático, passando a priorizar a articulação com o grupo integrado por Maurício Goulart e Oscar Pedroso D’Horta.
9. O Amigo da Onça
Também em Minas Gerais e nas principais cidades do Norte e do Nordeste as caravanas da Aliança Liberal realizaram um amplo trabalho de agitação política. A pressão do governo federal provocara uma cisão no Partido Republicano Mineiro, encabeçada pelo vice-presidente da República, Melo Viana, e outra na Paraíba, dirigida pelo ex-governador João Suassuna e pelo deputado José Pereira, ambas de reduzida expressão eleitoral.
A Aliança Liberal realizara uma campanha contagiante. Impossível compará-la com a insossa e burocrática performance da chapa oficial.
Porém, no dia 19 de março, antes mesmo de concluídas as apurações, o presidente do Partido Republicano Rio-Grandense, dr. Borges de Medeiros, em meio às denúncias generalizadas de fraude, se antecipa e, em entrevista ao jornal carioca A Noite, dá uma declaração visando paralisar os preparativos revolucionários, com os quais estava em desacordo. Com a autoridade de quem já governara o estado por cinco vezes, sendo sucedido por Vargas em 1928, diz o amigo da onça:
“Devemos, pois, reconhecer com franqueza e lealdade que o sr Júlio Prestes está eleito… O Rio Grande do Sul… reconhecerá lealmente a derrota de seu candidato, que é, também, o seu presidente. E, portanto, reconhecerá como legal o governo do dr. Julio Prestes… esses elementos que mais ardentes e apaixonados se mostraram durante a campanha igualmente nada farão. Também eles compreendem a situação e se subordinarão à maioria, pois são homens inteligentes bem-educados e disciplinados.”
O pronunciamento recomendava a aceitação da fraude eleitoral como um fato irreversível. Ondas de protesto voltaram-se contra ele. Manhosamente, Borges o retifica admitindo o prosseguimento da luta, porém exclusivamente pela via da ação parlamentar e da pregação doutrinária.
No dia 22 de março, o mineiro Virgílio Melo Franco e o gaúcho Batista Luzardo viajam a Petrópolis, no Rio de Janeiro, e depois a Belo Horizonte, para conversar com o ex-presidente Epitácio Pessoa, tio do governador da Paraíba, e com Antônio Carlos. Pretendiam certificar-se da disposição desses líderes em apoiar a via revolucionária.
Luzardo retornou a Porto Alegre, comunicando a Vargas e Osvaldo Aranha o resultado favorável. No dia seguinte, Luís Aranha, irmão de Osvaldo, parte com a incumbência de fechar o acordo – que já havia sido antecipado por Siqueira Campos e Juarez Távora, em outubro de 1929 – acerca da compra de armamentos na Tcheco-Eslováquia. Para o pagamento desse material, no valor de 16.000 contos, o Rio Grande do Sul daria 8.000 – solicitava à Minas a contribuição de 6.000 e à Paraíba 2.000. Nessas conversações se reafirmou que a direção militar da insurreição ficaria sob responsabilidade de Juarez Távora, no Norte, do capitão Leopoldo Néri da Fonseca, em Minas Gerais, de Siqueira Campos, em São Paulo.
A cizânia aberta pelo presidente do Partido Republicano Rio-Grandense, no entanto, inoculara o vírus da incerteza no coração do governador de Minas. Este decide então enviar o seu secretário do Interior, Francisco Campos, ao Rio Grande, para parlamentar com Borges de Medeiros.
Borges era osso duro de roer. Dispunha ainda de considerável influência. Muito próximos a ele se encontravam o comandante da poderosa Brigada Militar, coronel Claudino Nunes Pereira, os senadores Paim Filho e Vespúcio de Abreu, os deputados federais Barbosa Gonçalves, Domingos Mascarenhas, Carlos Penafiel e Lindolfo Collor. O último havia adiantado a Vargas seu ponto de vista sobre a via revolucionária, em carta datada de 12 de agosto de 1929:
“Vencida a revolução estaremos desmoralizados e exaustos. Vencedora, quem terá vencido? Nós ou os revolucionários de escala?… Inclino-me, por isto, contra a possibilidade de levarmos a luta a extremos de violência material. Digo por isto para não fazer aqui uma explanação doutrinária perfeitamente descabida, tendente à demonstração, que está no espírito de todos nós, que um mau governo é ainda preferível à vitória de uma insurreição…”.
O secretário de Antônio Carlos retornou do Rio Grande no dia 27 de abril. Não se pode dizer que voltara de lá entusiasmado.
10. Defecção de Prestes
No início do mês de maio, um novo golpe atingiria as fileiras da revolução. Emídio Miranda, que conseguira evadir-se da prisão, encontra-se com Siqueira Campos, em São Paulo. Traz a minuta de um manifesto que Prestes redigira. O documento preconizava o rompimento com a Aliança Liberal, a partir da autocrítica de terem os tenentes se deixado usar como joguetes das disputas interoligárquicas “apoiadas e estimuladas pelos dois grandes imperialismos que nos escravizam e aos quais os politiqueiros brasileiros entregam, de pés e mãos atadas, toda a Nação”.
Siqueira comunica-se com João Alberto e Miguel Costa. No dia 8, estão os três em Buenos Aires, a fim de expressarem ao velho companheiro seu integral desacordo com a idéia.
Prestes permanece irredutível. Como a quase totalidade dos comunistas latino-americanos, na época, com os quais passara a conviver em Buenos Aires, sua compreensão das idéias marxistas era precária. A estratégia política que julgava derivar delas não ia além de uma fantasia sectária. Mas ele aferrou-se a ela. Depois de uma penosa discussão que varou a noite, o máximo que conseguiram obter dele foi o adiamento da publicação do manifesto, por um mês, e o compromisso de transferir recursos financeiros que estavam sob sua guarda.
João Alberto e Siqueira Campos, ainda insones e não refeitos do golpe, embarcaram à 1h55, do dia 10 de maio, no monomotor Laté 28, número 914, da companhia francesa Aeropostale, com capacidade para cinco passageiros. O vôo faria escalas em Montevidéu, Porto Alegre, Santos e Rio de Janeiro. O avião viera de Santiago – Chile – e atrasara sua chegada em mais de oito horas. Voar sobre o Prata, no escuro e com más condições de tempo, não era o que recomendava a prudência. A três quilômetros de Montevidéu, o avião perdeu altitude e mergulhou nas águas geladas. João Alberto fez um pungente relato do episódio:
`Despertei com um golpe na cabeça. O avião boiava na água, agitado pelas ondas que contra ele se quebravam… Antes de deixarmos o pouco que restava do nosso ‘Laté 28’ lembrei-me de que trazia comigo cerca de dez contos, que Prestes me havia dado… Pedi a Siqueira que os guardasse, pois tinha maiores possibilidades de chegar à terra do que eu. Siqueira protestou, dizendo que iríamos vencer juntos mais aquela parada… Eu não era grande nadador… Mal havia recuperado a calma (talvez decorridos uns dez minutos de nado), ouvi, perto de mim, o grito angustiante de Siqueira. ‘Espera João!’ Voltei-me ainda em tempo de o ver, a um metro de mim, ser tragado por uma onda. Desapareceu sem estender um braço para pedir auxílio…. Veio então o desespero. Nadei violentamente, com todas as minhas forças, na direção das luzes da cidade. Tinha a impressão de que Siqueira fora vitimado por um peixe… Ele era um grande nadador… Jamais poderia eu supor naquele momento que o vitimara um ataque de angina, conforme foi constatado, mais tarde, pela autópsia….A idéia de que um peixe investira contra Siqueira não me deixava um instante. Sentia-o a perseguir-me… Parecia que tudo estava acabado e chegara também a minha vez. Mas uma onda bateu-me em cheio no rosto… Era preciso agir com calma, nadar com método, economizar energia e, sobretudo, não pensar em peixes. Se houvesse tubarões eu não tinha como me defender… O importante era nadar, até alcançar aquelas luzinhas esbatidas pela cerração que baixava cada vez mais.
João Alberto conseguiu chegar a Montevidéu. Havia sido o único sobrevivente do trágico acidente. Prestes acompanhou os trabalhos para o resgate do corpo daquele que fora o seu amigo mais próximo. Velou-o por duas semanas, até o dia 24 de maio, quando o corpo embalsamado foi embarcado num navio francês, com destino ao Rio de Janeiro. No dia 29 de maio, o Diário da Noite estampava em suas páginas o documento Prestes.
11. Manifesto de Vargas
Pressionado a reconhecer a legitimidade do pleito e encerrar o questionamento do seu resultado, Getúlio Vargas rompe o silêncio de dois meses e publica, no dia 31 de maio, o manifesto À Nação Brasileira. Com a habilidade necessária a quem não se encontrava ainda em condições de deflagrar a insurreição, Vargas mantém a bússola orientada nessa direção, ao afirmar que o governo negara-se a fornecer-lhe as condições para que se considerasse derrotado, mas que esse julgamento, na verdade, não cabia a ele, e sim ao povo.
“Por intermédio de procuradores tentei examinar os trabalhos de reconhecimentos para que pudesse conscientemente confessar de público a minha derrota, se dela me convencesse. Negaram-me vista. Não me assiste o direito de julgar por causa própria. Como candidato, devo acatar a decisão dos poderes competentes instituídos para a apuração e o reconhecimento das eleições. Não se confunda este escrúpulo com deserção… Tratando-se de uma campanha de feição nitidamente popular, como a que apoiou a minha candidatura, cabe ao povo manifestar-se se está ou não de acordo com o seu encerramento”.
O manifesto conclui denunciando os “atos de prepotência praticados contra a Paraíba e Minas Gerais” – pelos mesmos poderes competentes que proclamaram a vitória de Júlio Prestes. Define essas ações como “a mais deplorável incompreensão do momento histórico”:
“Punem-se dessa forma sumária, com a truculência dos reconhecimentos, dois estados da Federação, que não supunham constituir delito, num país republicano, pleitear desassombradamente a vitória nas urnas em favor dos candidatos de suas preferências”.
Sob orientação de Washington Luís, a maioria governista no Congresso promovera a degola nas bancadas de Minas e da Paraíba. A bancada do Partido Republicano Mineiro sofreu um corte de 14 deputados, sendo diplomados em seus lugares os candidatos da Concentração Conservadora que apoiara Júlio Prestes. O partido perdeu também a presidência de todas as comissões que detinha na Câmara. Na Paraíba, nenhum dos candidatos apoiados por João Pessoa foi diplomado. O objetivo do golpe era legitimar a ação de Suassuna e José Pereira que, a 26 de fevereiro, havia proclamado o Estado Livre de Princesa, preparando o caminho para uma intervenção federal destinada a depor o governador João Pessoa e seus aliados políticos.
12. Volta por Cima
O manifesto de Vargas e as grandes manifestações no Rio de Janeiro e São Paulo, nos dias 4 e 5 de junho, que vêm render a última homenagem ao herói do Forte Copacabana, contrabalançam os reveses e dão novo alento à revolução, até que, a 17 de junho, tem início uma fatídica troca de telegramas entre Francisco Campos e Osvaldo Aranha:
17 de junho – “Movimento inteiramente sem articulação e preparado com deficiência… Presidente (de Minas) igualmente inclinado pensar toda a conveniência de João Pessoa pedir intervenção ao estado, certo presidente da Republica proceder com correção”. (Francisco Campos)
19 de junho – “Se governo Minas prefere desistir luta armada, deve dizê-lo francamente, pois acataremos sua opinião. Urge resposta franca”. (Osvaldo Aranha)
21 de junho – “Balanceada situação, presidente é de parecer adoção como diretiva exclusiva ação política sobre base aliança três estados, agora e no futuro governo”. (Francisco Campos)
23 de junho – “Nosso pensamento única solução ante cegueira, brutalidade governo e corrupção política geral ser ação saneadora movimento armado… Minas responsabilizado desistência. Rio Grande submete-se império circunstâncias, determinando cessação preparativos. Meu pensamento situação pior que dos negros que sofreram escravidão com menos ridículo”. (Osvaldo Aranha)
Sem o apoio do governador de Minas, as chances de vitória do levante eram remotas. A única porta que Antônio Carlos deixara aberta para a aceitação da luta armada era a de uma eventual deposição do governador da Paraíba, na qual ele antecipadamente declarava não acreditar.
De Minas, Virgílio Melo Franco ainda telegrafa a Aranha, procurando relativizar as conseqüências do recuo do chefe.
“23 de junho – Único chefe vacilante é o próprio presidente. Minha convicção porém se Rio Grande exigir cumprimento compromisso ele próprio não falhará”. (Virgílio)
Osvaldo Aranha explode:
“24 de junho – Minha convicção você e eu vitimas mistificação vergonhosa. Estou farto dessa comédia, impossível continuar sob direção chefe tão fraco que desanima próprios soldados. Minha disposição inabalável abandonar definitivamente vida política”. (Osvaldo Aranha)
Comunicado por Aranha de sua intenção, o coronel João Alberto, conforme relato de Juarez Távora, “endereçou carta aos seus companheiros renunciando a liderança militar do movimento e indicando-me para nela substituí-lo”. João Alberto havia assumido a função após a defecção de Prestes e a morte de Siqueira Campos, com muitas dúvidas sobre a sua capacidade de exercê-la efetivamente.
A 27 de junho, Osvaldo Aranha deixou a secretaria de Interior e Justiça. João Alberto já havia se retirado para Buenos Aires. A disposição de Juarez não era mais animadora. Ele relata:
Desalentado, no dia 5 de julho, enviei carta circular aos meus companheiros militares de conspiração no Norte do país comunicando-lhes as más notícias que acabava de receber do Sul, e minha intenção conseqüente de interromper, por tempo indeterminado, a missão revolucionária de que fora incumbido junto a eles… Estava decidido… a entregar-me às autoridades militares para saldar velhas e novas contas com a justiça… escrevi à minha prima Nair, comunicando-lhe aquela minha decisão e indagando-lhe se me aceitaria como seu noivo, mesmo diante da precária perspectiva de só podermos nos avistarmos, nos próximos anos, no confinamento de uma prisão”.
As reservas da revolução não tardaram a se movimentar. O abalo durou poucos dias. Juarez revela que “a partir de meados de julho” recebeu “notícias mais animadoras, resultantes de entendimentos havidos entre Osvaldo Aranha e os elementos militares então liderados por Estilac Leal”, o que o levou a desistir do intento anunciado e retomar o trabalho conspiratório.
João Alberto, porém, só voltaria a ação em 14 de agosto. A liderança militar das operações seria assumida, em setembro, pelo tenente-coronel Góis Monteiro – oficial que comandava a guarnição de São Luís Gonzaga das Missões, e não participara das Revoluções de 1922 e 1924. Sua adesão foi obtida no mês de agosto, após o dr. Borges de Medeiros haver decidido, finalmente, curvar-se à vontade da maioria.
13. Assassinato de João Pessoa
No dia 26 de julho, João Pessoa se encontrava em Recife. Há exatos cinco meses, ele enfrentava os bandos de jagunços e cangaceiros que comandados pelo ex-governador João Suassuna e pelo deputado José Pereira haviam transformado o município sertanejo de Princesa em “estado livre”.
Logo no início do conflito, o Ministro da Guerra respondera ao pedido de permissão do governo da Paraíba para a importação de 100.000 cartuchos necessários ao aparelhamento de sua polícia, impondo condições destinadas a inviabilizá-la. João Pessoa denunciaria a manobra tornando público o seguinte telegrama:
“Essa exigência, revele-me Vossa Excelência, é, bem sei, um embaraço que cria para, privado dos recursos de defesa, seja eu forçado a entregar o estado a facínoras e salteadores profissionais da espécie de Tocha, Sinhô, Salviano, Caixa de Fóeforos, Asa preta, Mocinho, Bode, Luís Triângulo, Possidônio, Mourão, José Fausto, Augusto Antas, José Soares, Manoel Virgolino, João Mourão e outros, a fina flor do cangaço recrutado por José Pereira”.
Após as eleições, a maioria governista no Congresso negou-se a diplomar os candidatos apoiados pelo governador, proclamando como vitoriosos os seus rivais. Depois de amarrar as mãos do governo e estimular a desordem no estado, o dr. Washington Luís passara a ameaçar a Paraíba com uma intervenção, para restabelecer a ordem pública.
A atitude do governo federal havia produzido profunda repulsa na opinião pública que apoiava com crescente admiração a resistência de João Pessoa. Armas e munições obtidas através de contribuição popular eram enviadas ao pequeno mas valente estado nordestino – conforme era carinhosamente chamado.
Em Recife, João Pessoa visitou o Diário da Manhã, avistando-se com seus correligionários aliancistas, Carlos e Caio de Lima Cavalcanti. Em companhia do último, saiu para tomar sorvete na Confeitaria Glória. Ali, às 17h, foi baleado de surpresa e à queima-roupa por três tiros desferidos pelo advogado João Dantas, que foi dominado, em seguida, pelo motorista do governador assassinado.
Aliado de Suassuna e José Pereira, João Dantas já havia sido processado por crime de morte, ocorrido em função de conflitos coronelísticos na cidade de Mamanguape, durante o governo de Sólon de Lucena. Pouco antes de transferir-se para Olinda, em Pernambuco, a polícia paraibana havia apreendido em sua residência vários rifles e farta munição destinadas ao abastecimento dos cangaceiros de Princesa.
A alegação de que o crime fora cometido por razões de ordem pessoal não convenceu a população. A versão patrocinada pela imprensa governista procurava reduzir o assassino à condição de vítima, ao sustentar que ele apenas reagira ao fato da polícia haver divulgado cartas amorosas apreendidas na busca realizada em sua residência. Isso só fazia aumentar a ira do povo, revoltado com a manobra pela qual se pretendia fazer de João Pessoa o responsável por seu próprio assassinato.
Em Recife, o desabafo do juiz de direito, dr. Cunha Melo, no velório do mártir, correu de boca em boca até chegar às páginas dos jornais:
“Vivo não te venceram. Morto não te vencerão!”
Juarez Távora, que se encontrava na capital da Paraíba, descreve o impacto inicial causado pelo crime:
“Ao cair da noite, pude pressentir, no porão em que me encontrava, a fúria ululante do povo, a agitar-se, enraivecido pelas ruas. Dentro de poucas horas a cidade se transformara num pandemônio de ódios e desesperos desaçaimados. Não demorou muito para que o clarão dos incêndios imprimisse tons trágicos à iluminação da capital…”.
A informação chegou a Porto Alegre no momento em que Osvaldo Aranha estava sendo homenageado num banquete. Ele não se faz de rogado:
Já que outros não podem manter a ordem republicana, frente aos desmandos do Catete, a nós, rio-grandenses, cabe fazê-lo”.
No distrito federal, Lindolfo Collor assume a tribuna da Câmara para dizer:
“Caim, o que fizeste do teu irmão? Presidente da República, o que fizeste do presidente da Paraíba?”.
14. Preparativos Finais
O enterro de João Pessoa, realizado no Rio de Janeiro, foi acompanhado por uma enorme multidão em ambiente de intensa comoção. A capital da Paraíba logo recebeu o seu nome. O estado ganhou nova bandeira, na qual se inscrevia o dístico NEGO, evocando a altivez com que o seu pranteado filho respondera às pressões da poderosa oligarquia paulista para que ele aderisse à candidatura de Júlio Prestes.
Tais acontecimentos ampliaram o isolamento do governo. Em agosto, Antônio Carlos e Borges de Medeiros incorporam-se às hostes revolucionárias. A 11 de setembro, Osvaldo Aranha deu por encerrados os preparativos, entregando a Vargas a responsabilidade de fixar a data para a deflagração do movimento. Lindolfo Collor é enviado ao Rio de Janeiro para parlamentar com os generais Tasso Fragoso, Alfredo Malan d’Angrogne e Andrade Neves. A missão é de amaciamento. Tratava-se de fazer chegar aos altos mandos militares a idéia de que resistir à revolução seria uma atitude inútil e insensata.
Em 25 de setembro, Vargas apresenta a Aranha a data escolhida. A 3 de outubro, a revolução, com ramificações em todos os estados do país, explodiria principalmente no Rio Grande do Sul, Paraná, Minas Gerais, Paraíba e Pernambuco, convergindo sobre São Paulo, Bahia e Rio de Janeiro, onde se esperava encontrar maior resistência.
15. Colunas Avançadas
4 e 5 de outubro. Vargas registra em seu diário:
“… continuam chegando notícias do avanço de nossas tropas de vanguarda – leste, centro e oeste de Santa Catarina…
As notícias do Paraná determinaram-nos a acelerar a remessa de tropas selecionadas para aquela zona, a fim não só de amparar os companheiros, como de apressar o desfecho da ação que se desenhava evidente, pelo choque com as governo neste estado ou São Paulo. João Alberto seguiu, levando pequena força da capital e recebendo vários contingentes em sua passagem ao longo da via férrea. Houve grande entusiasmo no embarque.Seguiram cerca de quinhentos homens…”.
Assim que a revolta eclodiu, o território de Santa Catarina foi invadido em três pontos pelos destacamentos ligeiros comandados por Miguel Costa, pelo general maragato Felipe Portinho e por Trifino Correia.
O primeiro, seguindo pela estrada de ferro Rio Grande do Sul – São Paulo, havia transposto o rio Uruguai em Marcelino Ramos e depois de choques com a Polícia Militar de Santa Catarina seguia, rumo a Porto União da Vitória, na fronteira do Paraná. O segundo transpusera a fronteira gaúcha na Serra de Erechim e incorporara-se ao primeiro, seguindo para o mesmo destino. O terceiro marchava pelo litoral, sobre Bragança, depois de haver ocupado a cidade de Tubarão.
No dia 5, irrompe a insurreição na capital paranaense. O coronel Tourinho e o capitão Amorety Osório sublevam o 9º Regimento de Artilharia Montada, de Curitiba. Em seguida telefonam ao governador Afonso Camargo aconselhando-o a não resistir, pois iriam marchar sobre o quartel da Polícia Militar. Camargo ordenou ao comandante que depusesse armas, evadindo-se em seguida para Bom Jesus do Iguape, São Paulo. O 15º Batalhão de Infantaria, o 5º Regimento de Cavalaria Divisionária, ambos de Curitiba, e o 13º Regimento de Infantaria, de Ponta Grossa, também se integram à revolução. O coronel Mário Tourinho assume o governo do estado.
No mesmo dia, parte do Rio Grande do Sul o primeiro destacamento pesado, composto por tropas das três armas, com um efetivo de 2.800 homens, sob o comando do tenente Alcides Etchegoyen, comissionado no posto de coronel.
João Alberto, designado delegado militar da revolução nos estados de Santa Catarina e Paraná, partiria também no dia 5, acompanhado pelo mineiro Virgílio Mello Franco.
As colunas avançadas progridem aceleradamente. Penetram no Paraná, onde recebem a adesão do 1º Regimento de Infantaria de Porto União e do 5º Batalhão de Infantaria de Palmas. As tropas governistas de maior expressão permanecem na defensiva, fixadas na ilha de Florianópolis.
A 6 de outubro, Vargas escreveria:
“Começo a fazer meus preparativos a fim de seguir para o teatro de operações, no Paraná. Desejo fazê-lo porque esse é o meu dever, decidido a não regressar ao Rio Grande se não for vencedor. Em Osvaldo Aranha encontro apoio decidido a essa idéia”.
16. Revolução em Minas
Em Belo Horizonte, a revolução eclodiu no mesmo dia e hora em que as forças gaúchas realizaram o assalto ao quartel-general da 3ª Região Militar, em Porto Alegre. Os mineiros iniciaram o movimento prendendo o tenente-coronel José Joaquim de Andrade, comandante do 12º Regimento de Infantaria e comandante interino da 8ª Brigada de Infantaria. Mineiramente, o detiveram quando se encontrava em sua residência.
Antônio Carlos Ribeiro de Andrada deixara o governo, no mês anterior, sendo substituído por Olegário Maciel, que inicialmente havia se declarado partidário da revolução, desde que ela fosse deflagrada enquanto Antônio Carlos ainda estivesse exercendo o mandato de governador do estado. Delicado era o quebra-cabeças que envolvia Artur Bernardes, Venceslau Brás, Antônio Carlos, o governador eleito e demais componentes da vasta plêiade de lideranças maiores do estado. Mas quando as peças se encaixaram, os mineiros marcharam unidos e lutaram bravamente.
Os focos de resistência se concentraram no 12º Regimento de Infantaria, de Belo Horizonte; no 10º Batalhão de Caçadores, de Ouro Preto; no 11º Regimento de Infantaria, de São João del Rei; no 4º Regimento de Cavalaria Divisionária, de Três Corações; e na guarnição de Juiz de Fora, sede da 4ª Região Militar.
Os 385 homens do 12º Regimento de Infantaria renderam-se no dia 7 de outubro. Obtendo o controle da capital mineira, os revolucionários, que contavam com as tropas da Polícia Militar e da Guarda Civil, conclamaram a população a ingressar nos batalhões de voluntários. No dia 9, as forças governistas eram batidas em Ouro Preto. Parte delas deslocou-se para São João del Rei, integrando-se ao 11º Regimento de Infantaria, que resistiu até o dia 15. A luta mais prolongada ocorreu em Juiz de Fora. A bandeira branca só foi hasteada a 23 de outubro. No dia 14, quando a vitória da revolução no estado já estava praticamente assegurada, colunas mineiras partiram em direção ao Espírito Santo, ocupando Vitória, no dia 19 de outubro. As ligações por terra entre o Distrito Federal e a Bahia estavam cortadas.
O tenente Gwyer, veterano de 1922 e 1924 penetra no estado do Rio e toma Miracema, progredindo até São Fidelis. Outras colunas mineiras vão conquistando o interior fluminense. Preparam um ataque sobre a cidade de Campos.
O chefe militar da revolução em Minas Gerais foi o tenente-coronel Aristarco Pessoa, irmão de João Pessoa, apoiado por Leopoldo Néri da Fonseca e Cordeiro de Farias, integrantes do estado-maior. Na luta travada em torno da cidade de Três Corações, tombou Djalma Dutra, veterano da Revolução de 1924, que transferira sua base de operações de São Paulo para Minas Gerais, após a morte de Siqueira Campos.
17. Revolução no Nordeste – 1
5 de outubro:
“À noite chegam excelentes notícias da Paraíba: Juarez Távora a frente de 8 mil homens, queda de Recife, Natal, marcha sobre Alagoas e Ceará, tropas paraibanas de um moral magnífico”.
6 e 7 de outubro:
“Chegam comunicações de grandes vantagens conseguidas no Norte: rendição do Ceará e Maranhão, depostos os respectivos governadores; Távora, dirigindo 30 mil homens, começa a rumar em direção a Bahia”.
Por equívoco, Juarez Távora fixara o levante no Nordeste e Norte para a madrugada do dia 4, ao invés das 17h30 do dia 3, acreditando que o mesmo ocorreria em todo o território nacional. Em conseqüência, os minuciosos planos que haviam sido elaborados para tirar proveito do elemento surpresa tiveram que ceder lugar à capacidade de improvisação de chefes e subordinados.
O governo federal havia deslocado diversos contingentes do Exército para a Paraíba, promovendo a intervenção no estado, após o assassinato de João Pessoa. O comandante da 7ª Região Militar, cuja sede era em Recife, transferiu-a para aquela cidade, passando a ocupar, com o seu estado-maior, o 22º Batalhão de Caçadores, ignorando ser aquela a unidade que contava com o núcleo revolucionário mais sólido em toda a região. Para João Pessoa, haviam sido deslocadas também três companhias de fuzileiros – do 24º Batalhão de Caçadores, de São Luís; do 25º, de Teresina; e do 28º, de Aracaju. Para o interior do estado foram enviados o 29º Batalhão de Caçadores, de Natal, que ficou estacionado em Santa Luzia do Sabugi; uma companhia de fuzileiros do 21º Batalhão de Caçadores, de Recife, que ocupou Campina Grande; o 23º Batalhão de Caçadores de Fortaleza, que ficou em Sousa. O Destacamento Facó, que contava com forças do 21º Batalhão de Caçadores de Recife, estacionou em Princesa.
Na hora marcada para o início do levante, Távora se encontrava no Recife, antormentado pela constatação de que em razão da eclosão da revolução no Centro-Sul, com oito horas de antecedência, o governo colocara a tropa em rigorosa prontidão.
O plano previa a sublevação do 21º Batalhão de Caçadores, situado na rua do Hospício, e da tropa da Polícia Militar aquartelada no Derby. O primeiro objetivo seria conquistado através de ação simultânea realizada por elementos revolucionários daquela unidade e recrutas do Tiro de Guerra 333, comandados pelos sargentos Heli Coutinho, Agapito de Moraes e Nelson Cavalcanti, que marchariam sobre ela. O capitão de polícia Muniz Viana, com um grupo de companheiros tomaria o quartel do Derby.
Verificando que nenhum dos dois objetivos havia sido alcançado, Távora retornou à Paraíba, em busca de reforços. Antes porém conseguiu passar ao capitão Muniz Viana, a instrução para que ele e seus companheiros se juntassem aos 50 atiradores do 333, que travavam cerrado e desigual combate com a tropa do 21º Batalhão de Caçadores. Deveriam retirar-se o quanto antes, buscando ocupar o quartel da Soledade, depósito de material bélico da 7ª Região Militar, que se encontrava fracamente guarnecido. Ali resistiriam até a chegada dos reforços.
A providência foi tomada. O sargento Heli narra o desdobramento:
“… encontramos quatro mil fuzis novos, dois mil usados, diversos fuzis metralhadoras e metralhadoras pesadas… e quem quer que fosse que passasse nas imediações do quartel da Soledade era conduzido para o mesmo e obrigado a pegar em armas, mesmo sendo contrário à revolução… e seriam 9h, quando as forças do governo iniciaram um forte ataque a nossa posição… Mas era tarde demais: eles dormiram e já nós tínhamos em armas 600 homens…”
18. Revolução no Nordeste – 2
Ao atingir os arredores de João Pessoa, Távora começou a tranqüilizar-se com a informação obtida de um transeunte: “saiu a revolução depois de um tiroteio no 22º”. Na primeira barreira policial veio a confirmação:
“Sim, seu capitão. O Exército e a Polícia estão revoltados desde a madrugada. E o povo está pegando fogo”.
No 22º Batalhão de Caçadores, de João Pessoa, o oficial-de-dia, tenente Agildo Barata Ribeiro, decodificara e interceptara todos os telegramas dirigidos ao general Alberto Lavenère Wanderley, comandante da 7º Região Militar, informando sobre a eclosão do movimento revolucionário. Também foi dele a iniciativa de antecipar a hora do levante. A 0h30 do dia 4, Agildo Barata o iniciava dando voz de prisão ao general que reagiu disparando duas vezes contra ele. Os tiros foram respondidos. Lavenère tombou mortalmente ferido com uma bala no ventre. A luta foi feroz. Entre os diversos mortos estavam o tenente Paulo Lobo e os dois ajudantes de ordem do general, os tenentes Sílvio Silveira e Paulo Reis.
Todas as unidades militares que se encontravam na Paraíba aderiram à revolução, com exceção do Destacamento Facó que retirou-se de Princesa e atravessou a fronteira pernambucana. Em Sousa, o coronel Pedro Ângelo, comandante do 23º Batalhão de Caçadores, foi morto ao resistir à sublevação de sua tropa.
Os revolucionários empossaram no governo da Paraíba o dr. José Américo de Almeida, secretário de Segurança Pública do governo João Pessoa. Uma coluna comandada por Agildo Barata partiu imediatamente para o Recife. Mas a rebelião na capital pernambucana tomara vulto. A resistência do sargento Heli Coutinho e do capitão Muniz Faria, no quartel da Soledade, galvanizara a população, ampliando os efetivos revolucionários. Quando chegaram os reforços, já estava empossado no governo o dr. Carlos de Lima Cavalcanti, conforme relata o sargento Heli:
“Às 18h mandei um portador ao quartel do 21º Batalhão de Caçadores avisar ao comandante daquela unidade… que às 4h da madrugada do dia 5, eu iria atacar o quartel com todos os elementos disponíveis. Diante dessa ameaça o comandante resolveu abandonar o quartel… o dr Estácio de Coimbra, então governador do estado, também abandonava o seu palácio e seguia no rebocador com seu nome, hoje ‘4 de Julho’, rumo a Maceió…”.
Seriam 13h do mesmo dia 5, quando avancei em direção ao quartel do Derby, onde se encontrava o grosso das forças do governo, quando a mim chegaram dois sargentos daquele quartel dizendo-me que seu comandante queria entregá-lo, pois já havia hasteado a bandeira branca”.
Távora organizou então três brigadas revolucionárias.
A Brigada Sales tomou Natal e tinha a missão de consolidar as posições já conquistadas pelos revolucionários nos estados do Ceará, Piauí e Maranhão, abandonados por seus respectivos governadores. O passo seguinte seria ligar-se ao 26º Batalhão de Caçadores, em Bragança, para marchar sobre Belém do Pará
A Brigada Juraci seguiu em direção a Alagoas. Com a adesão do 20º Batalhão de Caçadores, de Maceió, e a fuga do governador do estado, a coluna dirigiu-se para a Bahia passando por Aracaju. Não houve resistência em Sergipe, o 28º Batalhão de Caçadores aderiu à revolução.
A Brigada Mamede seguiu pelo interior de Pernambuco, para Petrolina, visando atravessar o rio São Francisco e penetrar na Bahia, tomando Juazeiro.
As tropas comprometidas com o governo federal estabeleceram na Bahia o quartel-general das Forças em Operação no Norte da República (FONR), sob o comando do general Antenor de Santa Cruz. Este mobilizara diversos destacamentos – Exército, Marinha, Polícia Militar e tropas coronelísticas de Franklin de Albuquerque e Horácio de Matos – para impedir o avanço das colunas revolucionárias em direção à capital federal. O aparato era vistoso. Mas, Instalando o posto de comando a bordo de um navio, o general Santa Cruz passava o recibo do grau de confiança que depositava no dispositivo militar sob sua direção.
19. A Caminho do Front
A 11 de outubro, Getúlio Vargas transferiu o governo do Rio Grande a Osvaldo Aranha. Acompanhado de todo o estado-maior civil e militar da revolução, embarcou num trem militar com destino ao norte do Paraná, onde se previam choques violentos com as tropas governistas comandadas pelos coronéis José Pais de Andrade e Palimércio de Resende.
No dia 14, Vargas registraria em seu diário:
“Recebemos a confirmação da primeira vitória importante das nossas forças próximas a Jacarezinho, no Paraná. Cinco horas de fogo e o inimigo retirou-se para Carlópolis, deixando em nosso poder apreciável material de guerra e prisioneiros – soldados e oficiais. As forças do inimigo compunham-se de elementos do exército e polícia paulistas, comandadas pelo coronel Paes de Andrade. As nossas do 7º Batalhão de Caçadores de Santa Maria sob o comando do Stoll Nogueira, da Brigada Etchegoyen”.
No dia 17, Miguel Costa inflige nova derrota às forças do coronel Paes de Andrade, em Jaguaraíva.
A linha revolucionária se estenderia, na fronteira paulista, em três frentes. De Cambará a Jaguaraíva estavam as forças comandadas por Alcides Etchegoyen. Miguel Costa fazia pressão sobre Itararé, e João Alberto sobre a zona do litoral até Capela da Ribeira.
Ao lado de Getúlio viajavam também Flores da Cunha, João Neves da Fontoura, Simões Lopes, Maurício Cardoso, Maciel Junior, o coronel Góis Monteiro, Estilac Leal e diversas personalidades do governo revolucionário que se formava.
A estrada de ferro Rio Grande – São Paulo atravessava 40 cidades gaúchas, catarinenses e paranaenses. Em todas a comitiva foi recebida com impressionantes e comoventes manifestações de confiança. Abraços, vivas, sorrisos, presentes, discursos, cantorias, homenagens, mesas de doces, o entusiasmo popular contagiava os revolucionários, reforçando neles a certeza de que justa era a causa pela qual se batiam. Com ânimo redobrado, seguiam para a batalha derradeira.
. No dia 18, o comboio revolucionário chegou a Ponta Grossa. Dali Vargas seguiria até Curitiba, retornando, no dia 23, àquela cidade, onde o coronel Góis Monteiro instalara o estado-maior. Antes de seguir para a capital paranaense, ele registraria em seu diário:
“…compareci à casa de Manoel onde acabava de chegar o corpo de seu filho Serafim, morto em combate… Os pais estavam desolados. Estendi sobre seu corpo um lenço de seda branca, tendo bordado o escudo do Rio Grande, que me haviam presenteado como lembrança da terra. Tratava-se de um conterrâneo meu de São Borja”.
O lenço branco era o símbolo dos chimangos, em cujas fileiras Vargas travara duras batalhas contra os maragatos que ostentavam os lenços vermelhos. O revolucionário paranaense César Ribas da Silva, testemunha ocular do fato, acrescenta que:
“Imediatamente um dos presentes retirou o lenço encarnado que levava e o colocou em Getúlio”.
A união gaúcha estava, de fato, consolidada. Dias mais tarde, Getúlio desembarcaria no Rio de Janeiro, trazendo no pescoço o emblema maragato.
No dia 19, Vargas anotou:
“As nossas tropas atravessam o (rio) Itararé pela direita e a esquerda, enquanto o centro fixa o inimigo nas fronteiras”.
Eram os preparativos finais para o ataque que seria desfechado no dia 25 de outubro, abrindo o caminho para a invasão maciça de São Paulo pelas tropas revolucionárias. Itararé era o alvo estratégico. Pela cidade passava a ferrovia Rio Grande do Sul – São Paulo.
20. Deposição de Washington Luís
24 de outubro. Diário de Vargas:
“Pela manhã começamos a receber notícias esparsas, incompletas sobre a explosão do movimento revolucionário na capital da República. Essas notícias vão se precisando até conhecer-se que os generais Malan, Mena Barreto, Tasso Fragoso e o almirante Isaías de Noronha dirigem um movimento que triunfou facilmente, sem luta, resultando na deposição do presidente Washington Luís e prisão de alguns políticos, e na formação de uma Junta Governativa composta pelos generais Tasso Fragoso e Mena Barreto… nos elementos que me cercam surgem apreensões sobre os intuitos dos dirigentes do golpe de Estado, no Rio… Receia-se que os generais queiram aproveitar-se do nosso movimento indubitavelmente vitorioso para apoderar-se do poder, reduzindo a uma sedição militar o que iniciamos como uma revolução que traga reformas radicais de acordo com o programa da Aliança Liberal e as idéias da Revolução”.
O almirante Isaías de Noronha era o terceiro membro da Junta que exigira a renúncia do presidente da República depois de haver ordenado o cerco ao palácio Guanabara. Ante a negativa de Washington Luís, que confinado numa sala do prédio e armado de um revólver proclamava seus intuitos de resistir até as últimas conseqüências, os militares convocaram o cardeal Sebastião Leme que convenceu-o a seguir preso para o Forte Copacabana.
A Junta, buscando antecipar-se à Vargas, constituíra um governo provisório, nomeando ministros. Investira também como interventor, no estado de São Paulo, o general Hastínflio de Moura, comandante da 2ª Região Militar. Dissimuladamente, procurava apresentar tais atitudes como medidas administrativas necessárias à manutenção da ordem pública. Mas o fato de fazê-lo sem consulta prévia aos líderes revolucionários revelava outros interesses. Enquanto isso, o chefe de polícia do Rio, coronel Bertoldo Klinger, prometia reprimir as manifestações públicas na capital em favor dos revolucionários.
No dia 25, Vargas registraria em seu diário:
“Recebo comunicação da Junta Militar do Rio, chamando-me com urgência. Respondo que enviem emissários, uma vez que a Junta não precisa seus intuitos. Esses emissários devem chegar amanhã..
O general Hastínflio assume o governo de São Paulo e me telegrafa pedindo para cessar as hostilidades. Respondo (ser) necessária a ocupação militar daquele estado por tropas de confiança, e o estado-maior expede instrução para os exércitos da frente para que exijam a rendição dos adversários”.
Em sua resposta ao general Hastínflio, Vargas o adverte:
“Confraternização família brasileira só depende aceitação integral programa revolucionário. Quanto à solução definitiva da situação militar ficará subordinada à resolução definitiva da situação política”.
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21. A Batalha de Itararé
Mais duro e direto foi o telegrama que Getúlio expediu aos integrantes da Junta, também no dia 25, no qual afirma:
“Acho-me na fronteira de São Paulo com trinta mil homens de tropas do Exército e do povo dos estados do Rio Grande do Sul, do Paraná de Santa Catarina, perfeitamente armados e municiados, agindo em combinação com Minas e com o Norte… não para depor o sr Washington Luís, mas, apenas, para realizar o programa da revolução. As tropas nacionais do Sul, que podem ser aumentadas para o dobro… têm plena consciência de sua missão como têm possibilidades materiais para realizá-la. Sou apenas uma expressão transitória dessa vontade coletiva. Membros da Junta do Rio serão aceitos caráter nossos colaboradores, porém não como dirigentes, uma vez que seus elementos participaram da Revolução quando ela já estava virtualmente vitoriosa…”
A esse petardo lançado sobre os obscuros planos dos ilustres generais seguiu-se outro: O coronel Paes de Andrade, responsável pela defesa das linhas de Itararé, rende-se a Miguel Costa, ainda no dia 25.
O Partido Democrático, no entanto, inclina-se para o lado da Junta Militar. Negocia com o general Hastínflio a criação de um secretariado formado por “eminentes cidadãos apolíticos” e próceres do partido, como Vicente Ráo e Henrique de Sousa Queirós, nomeados chefe de Polícia e secretário da Agricultura, a 25 de outubro. Em seguida, os democráticos propõem à Junta a substituição do general Hastínflio pelo dr. Francisco Morato, no comando do governo paulista. A manobra é camuflada através de um telegrama enviado ao chefe da revolução.
27 de outubro. Diário de Vargas:
“Recebo um rádio do professor Morato indagando se deveriam aceitar a presidência do general Hastínflio ou recusar colaboração. Respondi que mantivesse o estado de coisas estabelecido até a chegada do meu emissário. Tratava-se do coronel Joao Alberto”.
Embora não tivesse conhecimento do teor das negociações entre o Partido Democrático e a Junta, Getúlio pressentia a traição. A inatividade do partido no decurso dos 22 dias de luta revolucionária dava o que pensar, daí a sutil recomendação ao dr. Morato de que permanecesse inativo, até a chegada do emissário.
João Alberto, nomeado delegado militar em São Paulo, partira, no dia 26, para cuidar das questões relativas à ocupação do estado pelas tropas revolucionárias. Cabia-lhe também levantar as informações necessárias para que a formação do novo governo paulista pudesse ser decidida sem atropelos.
Antes de telegrafarem a Vargas, em 26 de outubro, aceitando subordinar-se incondicionalmente ao comando das forças revolucionárias, os membros da Junta haviam nomeado o dr. Morato para substituir o general Hastínflio. A posse do interventor democrático foi anunciada para o dia 28. A oligarquia cafeeira e a dissidência de seu tradicional partido aproximavam-se aceleradamente, buscando impor à revolução um fato consumado.
Havia outro problema. Getúlio nomeara o general Miguel Costa para assumir o comando da Polícia Militar, no estado. Mas isso não demovera os partidários de sua candidatura a um posto mais elevado.
João Alberto relata:
“Da vanguarda das forças revolucionárias, anunciava-se o avanço do general Miguel Costa para São Paulo, à frente de seus homens, os quais pediam ao dr Getúlio Vargas que o nomeasse Interventor Federal naquele estado… Subentendia-se que a minha missão era apenas a de afastar as duas candidaturas, a fim de que o chefe da revolução vitoriosa tivesse tempo para escolher outro nome.
Fui encontrar Miguel Costa já em território paulista, acampado à minha espera… Conformou-se com a situação e aceitou, afinal, o convite que lhe fiz, de seguir em minha companhia até São Paulo…
O encontro com os próceres do Partido Democrático deu-se já nas proximidades da capital do estado… O dr. Morato repetiu-me o que já dissera a Miguel Costa sobre a escolha de seu nome para chefe do governo de São Paulo. Terminou puxando o relógio e perguntando-me se a sua posse podia realizar-se às quatro horas, como já fora anunciado pelos jornais da manhã… Vi-me forçado a declarar, vencendo certo constrangimento, que me parecia excessiva a pressa com que se procurava organizar o governo de São Paulo”.
O grupo de Maurício Goulart, do qual Siqueira Campos se aproximara a partir de janeiro, havia preparado uma recepção à altura do herói de 1924 que retornava vitorioso à cidade que fora o berço de sua jornada.
João Alberto comenta:
“A chegada do nosso trem à capital paulista foi uma apoteose à revolução e uma vitória para Miguel. Enquanto a multidão o carregava em triunfo, pelas ruas, nós todos, inclusive o secretariado paulista e o próprio dr. Morato, desembarcávamos despercebidos”.
22. Passagem por São Paulo
De volta ao trem militar, a caminho de São Paulo, Vargas anotaria em seu diário:
“27 de outubro: Ao anoitecer passamos em Castro – grande manifestação popular. Depois chegamos a estação de Piraí – também um gupo numeroso de entusiastas me esperava… Apresenta-se-me o coronel Paes de Andrade, que comandava as forças adversas em Itararé, explicou-me muitas coisas interessantes sobre a luta, efetivos e surpresas que teve, sempre ignorando a verdade, pela atitude do estado-maior da Região. Encontrei-o um revoltado por essa atitude, que ele taxava de perversa.
Depois de atravessar a divisa, em Itararé, Getúlio seria saudado por populares no coreto da praça principal de Itapetininga, terra em que o dr. Julinho e seu pai, o coronel Fernando Prestes, possuíam suas fazendas. Júlio Prestes havia se asilado na embaixada inglesa.
A chegada de Vargas à capital paulista, às 24h do dia 29, é descrita pelo democrático Paulo Nogueira Filho não mais com surpresa, como o fizera por ocasião do comício do mês de janeiro, e sim com visível ressentimento:
“As ruas estavam apinhadas… a manifestação ao `Chefe Supremo` fora ainda maior e mais vibrante do que aquela que São Paulo fizera ao candidato da Aliança Liberal… Desci à rua incorporando-me feliz ao `zé povinho` frenético. A multidão incalculável, a maior até então reunida nas ruas de São Paulo, brandia e gritava. Ao ‘Nós queremos Getúlio!’ substituía o ‘Nós temos Getúlio!’. Getúlio, Getúlio, sempre Getúlio e só Getúlio!”.
A manifestação segue em cortejo até o palácio dos Campos Elíseos, onde João Alberto e os próceres do Partido Democrático o aguardavam para uma recepção. Vargas registra em seu diário que, antes de adentrar ao recinto tomado por “muitas famílias da melhor sociedade paulista”, mandara abrir os portões do palácio ao povo que ocupou inteiramente os seus jardins. Das escadarias ele pronunciaria um comovido discurso de agradecimento, não deixando porém de sublinhar uma mensagem aos que insistiam em deter o aprofundamento do processo revolucionário:
“Não há direitos adquiridos contra a Nação!”.
No dia 30, Vargas conferencia longamente com João Alberto e o dr. Francisco Morato. A pretensão do último de ser investido como interventor federal em São Paulo foi descartada. O Partido Democrático já se encontrava representado no secretariado que deveria continuar agindo sob orientação do coronel João Alberto. O general Miguel Costa assumira o posto de Inspetor Geral da Polícia Militar e o general Isidoro Dias a chefia da 2ª Região. A ocupação militar do estado pelas tropas revolucionárias do Sul prosseguiria até segunda ordem. As forças eram compostas por 12 batalhões de infantaria, 8 regimentos de cavalaria e 7 companhias de artilharia distribuídos pelas cidades de Campinas, Jundiaí, Santos, Caçapava, Cruzeiro, Pirassununga, Bauru e Boituva.
23. Chegada ao Rio
31 de outubro. Diário de Vargas:
“Trinta e um à noite, cheguei ao Rio, recebido pela Junta Governativa e altas autoridades, na gare. O Rio, durante todo o trajeto, desde a estação da Central ao Catete, recebeu-me com uma manifestação extraordinária de entusiasmo e impressionante pelo numero… Combinei com a Junta que só assumiria o governo a 3 de novembro. Não havia ainda organizado o Ministério e queria, com alguns dias de antecedência, observar o meio”.
Precedido por três mil soldados, Vargas desembarcou no Rio, de uniforme militar, lenço vermelho no pescoço e chapéu gaúcho de aba larga, sendo recebido por apoteótica manifestação de apoio popular. Houve quem revelasse incômodo com a singela cena de um grupo de cavalarianos, amarrando calmamente suas montarias no obelisco da avenida Rio Branco. O povo achou divertido. O imaculado símbolo da cultura européia não se tornaria menos merecedor das admirações gerais por retribuir, com aquele pequeno serviço, ao esforço dos combatentes que haviam percorrido 1.300 km para chegarem à capital da República.
A 3 de novembro de 1930, Vargas tomou posse como chefe do Governo Provisório. No final do mês de outubro, ele havia trocado telegramas com Osvaldo Aranha. Este havia escrito propondo-se a assumir o governo para entregá-lo constitucionalmente a Vargas, no dia 15 de novembro, data em que oficialmente deveria ser empossado o sucessor de Washington Luís. O comentário de Getúlio ficaria registrada em seu diário:
“Respondo-lhe que as medidas excepcionais que precisam ser tomadas não comportam um governo constitucional”
De fato, o carcomido aparato político da velha república, erguido mediante processos eleitorais fraudulentos, deveria ser suprimido para dar lugar ao Brasil Novo.
O primeiro ministério do Governo Provisório, anunciado por Vargas incorporava três ministros nomeados pela junta militar em 24 de outubro: Leite de Castro (Guerra), Isaías de Noronha (Marinha) e Afrânio de Melo Franco (Relações Exteriores). Osvaldo Aranha ficou com o Ministério da Justiça; Juarez Távora foi designado para a pasta da Viação e Obras Públicas; José Maria Whitaker, membro do secretariado paulista, assumiria o Ministério da Fazenda; Assis Brasil, líder dos libertadores gaúchos, ficaria com a pasta da Agricultura. Para os dois novos ministérios criados com a vitória da revolução, o da Educação e Saúde Pública e o do Trabalho, Industria e Comércio, foram respectivamente nomeados o mineiro Francisco Campos e o gaúcho Lindolfo Collor. O chefe de Polícia do Distrito Federal passaria a ser o coronel maragato Batista Luzardo.
A revolução havia triunfado. Para Vargas, era o início de uma nova e mais importante jornada. Em seu discurso de posse ele afirmaria:
“É bem possível que esse governo não termine como acaba de estabelecer-se, entre aclamações gerais. Vamos contrariar, destruir mesmo a trama de interesses alimentadas em anos e anos de corrupção do regime. Os descontentes surgirão. Os meus deveres são duros e as minhas responsabilidades imensas”.
24. Epílogo
A Revolução de Outubro de 1930 iniciaria um novo ciclo na vida do país. Em breve ela haveria de defrontar-se com a desesperada tentativa da oligarquia cafeeira paulista de retomar o poder político para recuperar os privilégios que compartilhava com os banqueiros ingleses e norte-americanos, às custas do sacrifício da população.
A caminhada para o controle nacional sobre as riquezas do país, a industrialização, a independência econômica e a justiça social estaria longe de ser um mar de rosas. As dificuldades levariam muitos protagonistas dessa aventura a perderem de vista tais objetivos, deixando-se arrastar pelo infatigável canto das sereias. Vargas jamais se desviaria deles.
Pedro Leonardo de Campos, conhecido como “Pedro legalista”, foi o comandante da resistência em Belo Horizonte. Essa história foi contada por várias gerações de minha família. Em 1955, o general da reserva Pedro Leonardo foi presidente do Clube Militar no Rio de Janeiro. Ele nasceu em 1887 e faleceu em 1968. Está sepultado no cemitério São João Batista no Rio de Janeiro, ao lado de seu pai o Marechal Carlos Augusto de Campos (1855-1929), natural de Santa Catarina, combatente de diversas revoltas (Quebra-quilos, Armada, Vacina, entre outras) e autor da obra “Heroínas do Brasil”. Para mais informações sobre o general Pedro Leonardo de Campos ver Correio da Manhã, 9/07/1959. A reportagem é do jornalista Márcio Moreira Alves.