Faleceu na manhã deste domingo (3), a escritora Lygia Fagundes Telles , aos 98 anos. Conhecida como a ‘dama da literatura brasileira’, Lygia recebeu vários prêmios importantes ao longo da carreira, como Camões (2005), e o Jabuti (1966, 1974 e 2001). As obras da escritora já foram traduzidas para o alemão, inglês, espanhol, francês, italiano, polonês, sueco, tcheco e português de Portugal.
Segundo Juarez Neto, da Academia Brasileira de Letras (ABL), ela faleceu em casa, de causas naturais.
Lygia nasceu em São Paulo em 19 de abril de 1923 e passou a infância no interior do estado. Ela escreveu seu primeiro conto, “Vidoca”, em 1938.
No ensino Fundamental, ela voltou para a capital com o pai, advogado, e a mãe, pianista, e estudou na Escola Caetano de Campos, colégio tradicional da cidade. Com apenas 15 anos, publicou seu primeiro livro de contos, “Porão e Sobrado”.
Em seguida, ingressou na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, da Universidade de São Paulo, onde se formou. Quando era estudante do pré-jurídico, a jovem cursou a Escola Superior de Educação Física da mesma universidade.
Segundo a ABL, ainda na adolescência manifestou-se a paixão, ou melhor, a vocação para a literatura incentivada pelos seus maiores amigos, os escritores Carlos Drummond de Andrade e Erico Verissimo.
Lygia considerava Ciranda de Pedra (1954) o marco inicial de suas obras completas. O romance virou novela na TV Globo quase 30 anos depois, em 1986.
Também em 1954, nasceu seu filho Goffredo da Silva Telles Neto, de seu primeiro casamento. Cineasta, ele viria lhe dar duas netas: Margarida e Lúcia, mãe da única bisneta, Marina.
Ainda nos anos 1950, foi publicado o livro Histórias do Desencontro (1958), que recebeu o Prêmio do Instituto Nacional do Livro.
O segundo romance, Verão no Aquário (1963), Prêmio Jabuti, saiu no mesmo ano em que já divorciada casou-se com o crítico de cinema Paulo Emílio Sales Gomes. Em parceria com ele, Lygia escreveu o roteiro para cinema Capitu (1967) baseado em Dom Casmurro, de Machado de Assis.
A década de 1970 foi de intensa atividade literária e marca o início da sua consagração na carreira. A escritora publicou alguns de seus livros mais importantes: Antes do Baile Verde (1970), As Meninas (1973), Seminário dos Ratos (1977) e o livro de contos Filhos Pródigos (1978).
MANIFESTO DOS INTELECTUAIS
Em 1977, em plena ditadura, foi uma das autoras do “Manifesto dos intelectuais” contra a censura.
Em 1985, ela foi eleita para a Academia Brasileira de Letras, se tornando a terceira mulher a entrar para a ABL, e fez um discurso histórico.
“Imaginai uma reunião na linha dos malditos, dos raros, daqueles que pelos caminhos mais inesperados escolheram a ruptura. Fora do tempo e ocupando o mesmo espaço estão todos em uma sala. É noite. Os gênios ignorados num país de memória curta, que parece preferir os mitos estrangeiros, como se estivéssemos ainda no século 17, sob o cativeiro do reino. Os mitos estrangeiros que continuam sim nos vampirizando. Nós já estamos quase esvaídos e ainda oferecemos a jugular no nosso melhor inglês, o vosso amor é uma honra para mim”.
No ano de 2005, Lygia Fagundes Teles recebeu o Prêmio Camões (2005), distinção maior em língua portuguesa pelo conjunto de obra.
UM ATO DE AMOR
A autora que emocionou gerações de brasileiros considerava que “Para escrever, você precisa se dedicar de corpo e alma a seu personagem, a seu enredo e à sua ideia”.
“É preciso que seja um ato de amor, uma doação absoluta, e é impossível sair do transe enquanto não dá a história por acabada, enquanto não decifra o humano. O detalhe é que o ser humano é indefinível. Por mais que tente, você não consegue defini-lo totalmente. O ser humano é inalcançável, inacessível e incontrolável, ele está sujeito a esses três ‘Is’.”
LENDA EM VIDA
A morte da escritora causou comoção no meio literário e na sociedade.
Em nota, a Academia Brasileira de Letras (ABL) considera que Lygia “já era uma lenda em vida”.
“A mais notável personalidade da literatura brasileira, patriota e democrata, já era lenda em vida. Permanecerá no Panteão das glórias universais e, para orgulho nosso, era mais academicamente bandeirante. Não faltava aos nossos encontros semanais no Arouche. A gigantesca e exuberante obra continuará a ser revisitada, enquanto houver leitor no mundo”, escreveu José Renato Nalini, em nome da ABL.
O presidente da ABL, Merval Pereira, considera a escritora foi uma figura exponencial, fundamental não só para a literatura. “A morte da Lygia faz que a academia perca uma figura exponencial, ela foi fundamental não só para a literatura, ela foi uma grande líder feminista, ela relatava a sua vida moderna, e fazia isso colocando as mulheres em uma posição de destaque. Então, além de grande escritora, ela era uma grande figura humana. […] A literatura brasileira perde uma grande mulher”, disse em entrevista à Globonews .
O Instituto Moreira Salles se manifestou sobre o legado que a escritora deixa. “Uma das maiores escritoras do Brasil e voz contundente contra a censura”.