“Estamos aqui para dizer que a democracia não vai embora, e que haverá eleições e haverá democracia”, disse Dom Pedro Stringhini, presidente da Confederação dos Bispos do Brasil de São Paulo
O ato inter-religioso em homenagem ao indigenista Bruno Pereira e ao jornalista Dom Phillips, assassinados brutalmente no início de junho, lotou a Catedral da Sé, no centro de São Paulo, na manhã deste sábado (16).
A atividade, que clamou por “justiça”, foi realizada por iniciativa da Frente Inter-religiosa Dom Paulo Evaristo Arns por Justiça e Paz, em parceria com a Comissão Justiça e Paz de São Paulo, a Comissão Arns de Direitos Humanos, o Instituto Vladimir Herzog e a seção paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
A abertura da cerimônia foi feita pelo representante da Federação Espírita do Estado de São Paulo, Afonso Moreira Jr., que declarou: “Diante da opressão, a religião deve erguer o chamado à justiça. Diante da violência, a religião deve convocar a paz. Diante do ódio e da disputa, a religião deve promover o diálogo, a concórdia e o amor”.
Afonso também apresentou, para dar início ao ato, as crianças e os jovens do Coral Opy Mirim. “Segundo algumas culturas indígenas, aqueles que já partiram são considerados como sementes. Sementes lançadas à terra das quais brotará nova vida”, disse.
Representando os povos indígenas, Ibiraçu Máximo Wassu lembrou dos que, assim como Bruno e Dom, foram mortos por defender as terras e a cultura de seus povos. “Vocês, que valorizam nossa cultura, levem para as pessoas que não sabem o que ela significa. Nós só queremos um pedaço de terra para manter as nossas vidas e nossa cultura”, disse Wassu.
Emocionado, Wassu proferiu uma oração com a presença das viúvas de Bruno Pereira e Dom Phillips, Beatriz Matos e Alessandra Sampaio, que ficaram ao lado do representante indígena.
“A DEMOCRACIA NÃO VAI EMBORA”
Dom Pedro Luiz Stringhini, presidente da Confederação dos Bispos do Brasil de São Paulo (CNBB-Sul1), lembrou que a Catedral da Sé acolheu por diversas vezes atos em defesa da democracia e dos direitos humanos. “Em 1975, portanto, há quase 70 anos atrás, aqui estava Dom Paulo Evaristo Arns […] e com ele estava o Rabino Sobel, que descansam em paz. Eles estavam celebrando um ato inter-religioso católico-judaico em memória de Vladimir Herzog e, naquele momento, anunciaram, e aconteceu, que a ditadura estava para acabar e a democracia iria chegar, e chegou. Hoje, 50 anos depois, estamos aqui para dizer que a democracia não vai embora, e que haverá eleições e haverá democracia”, disse Dom Pedro Stringhini.
Ao prestar suas condolências às viúvas de Bruno e Dom, Stringhini também prestou homenagem à viúva do Guarda Municipal, Marcelo Arruda, Pâmela Sueli Silva, assassinado em Foz do Iguaçu por um bolsonarista. “Crime político, por mais que a Polícia do Paraná diga o contrário”.
“DICURSO DE ÓDIO E APOLOGIA ÀS ARMAS FIZERAM CRESCER A VIOLÊNCIA”
“Lamentamos e repudiamos [também] o ataque sofrido pelos povos Guarani-Kaiowá do Mato Grosso do Sul, numa emboscada em que mais um líder indígena foi assassinado. No Brasil chama a atenção a escalada da violência contra os povos indígenas e tradicionais, fruto do descaso oficial e do desmonte de políticas públicas de proteção do meio ambiente, nossa casa comum”, completou.
Por fim, Dom Stringhini denunciou a política econômica imposta pelo governo Bolsonaro, que “não leva em conta o sofrimento dos pobres e que fez voltar a fome e o desemprego. O discurso de ódio e apologia às armas fizeram crescer a violência. Sabemos que a segurança vem da educação de qualidade, através dos livros e não das armas. A Igreja Católica ratifica sua opção pelos pobres e pelos direitos humanos”.
“As igrejas e as religiões anunciam uma mensagem firme de esperança, e a esperança não decepciona porque Deus é amor e paz, fraternidade e solidariedade, compaixão e inclusão. É hora de se mobilizar, se necessário indo às ruas para defender a democracia e as eleições. O Brasil com todos unidos, igrejas, grupos religiosos, forças políticas progressistas, enfim toda a sociedade civil para que a civilização vença a barbárie.”
“ESSE É UM ATO DE CLAMOR POR JUSTIÇA”
Pastor pentecostal Eliel Batista, lembrando da história bíblica de Abel e Caim, afirmou que “Deus expulsou o assassino para longe de si e afirmou que a terra, por causa do sangue derramado, se tornara maldita. Nos últimos anos, nosso país tem se tornado líder nos índices de violência, por isso, cristãos desse país, como imitadores de Jesus de Nazaré, precisamos trabalhar para resgatar nossa terra dessa maldição. Que jamais sejam tirados do meio de nós os inocentes, os protetores da vida. Que sejam tirados do nosso meio todos os que promovem a morte, os que mediante à morte dizem ‘e daí?’, demonstrando indiferença aos que morrem”.
“Que esse ato seja um clamor por justiça pelo sangue derramado, que imponhamos limites para barrar a violência e jamais admitamos a violência institucionalizada. Religião é feito de símbolos. Então, que cristãos evangélicos e, principalmente, pentecostais desse país demonstrem sua aversão à violência, começando simbolicamente, não usando as mãos para fazer símbolos de armas, mas as usando para acolher os que sofrem, para libertar os oprimidos e depois ajam com atos concretos de justiça. Deus nos ensina que não há paz sem justiça”, completou o pastor.
Antonio Funari Filho, presidente da Comissão Justiça e Paz de São Paulo, um dos organizadores do ato, afirmou que “é preciso que grande parte da sociedade se una nesse esforço. É importante que haja essa manifestação, que demonstra que a gente tem que começar a dar um basta na violência. A gente só vai recuperar a dignidade e o que foi destruído nos últimos anos se houver uma grande mobilização”.
O ato contou com a presença de entidades do movimento social, centrais sindicais, figuras políticas, além de representantes de diversas religiões e profissões de fé.