O governo de Jair Bolsonaro utilizou a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para atrapalhar o andamento da investigação contra Jair Renan Bolsonaro, o “04”, e evitar “riscos à imagem”, afirmou a Polícia Federal.
Jair Renan é investigado por tráfico de influência, tendo aberto as portas do governo para os empresários que fizeram doações para sua empresa.
Em um relatório enviado à Justiça no final de 2021, a Polícia Federal contou que um agente da Abin foi flagrado seguindo um dos investigados, o personal trainer e sócio de Jair Renan, Allan Lucena, interferindo diretamente na investigação.
No dia 16 de março de 2021, Allan Lucena percebeu que estava sendo seguido por um carro e, quando teve oportunidade, abordou a pessoa.
O espião se chamava Luiz Felipe Barros Felix e se identificou como agente da PF cedido à Abin. Um boletim de ocorrência foi registrado.
Em depoimento à PF sobre o caso, Felix disse que o objetivo da missão era saber se o caso envolvendo o filho de Jair Bolsonaro poderia “trazer risco à imagem ou à integridade física do presidente”.
Jair Renan Bolsonaro e seu sócio, Allan Lucena, receberam de presente um carro elétrico avaliado em R$ 90 mil de um empresário do Espírito Santo. Em seguida, articularam uma reunião entre o empresário e o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho. Esse tipo de acesso privilegiado configura tráfico de influência, proibido por lei.
O agente da Abin disse, ainda, que pretendia “saber quem estava utilizando o veículo” envolvido na investigação.
Allan Lucena disse à PF que “se sentiu ameaçado” depois do caso. Após o ocorrido, devolveu o carro elétrico para o empresário que o tinha dado de presente para conseguir acesso ao governo federal.
Para a Polícia Federal, a “operação” da Abin configura uma “interferência nas investigações”.
“A referida diligência, por lógica, atrapalhou as investigações em andamento posto que mudou o estado de ânimo do investigado, bem como estranhamente, após a ampla divulgação na mídia, foi noticiado, também, que o sr. Allan Lucena teria ‘devolvido’ veículo supostamente entregue para o sr. Renan Bolsonaro”, afirmou em relatório.
Questionada pelo Estadão, a Abin disse que não há nenhum registro da operação em seus sistemas. Respondeu, ainda, que Luiz Felipe Barros Feliz “não faz parte dos quadros da Abin desde 29 de março de 2021”, 13 dias depois que ele foi flagrado seguindo um investigado da PF.
A Abin também foi acionada pelo governo para atuar na proteção de outro filho de Jair Bolsonaro, o senador Flávio Bolsonaro. O órgão produziu pelo menos dois relatórios para auxiliar Flávio em sua defesa no caso das rachadinhas.
Um dos relatórios diz explicitamente que sua “finalidade” é “defender FB [Flávio Bolsonaro] no caso Alerj demonstrando a nulidade processual resultante de acessos imotivados aos dados fiscais de FB”.
Os dois casos aconteceram enquanto Alexandre Ramagem era diretor-geral da Abin. Jair Bolsonaro já tentou nomeá-lo como diretor-geral da Polícia Federal na intenção de barrar todas as investigações que aconteciam contra ele próprio e sua família, mas foi barrado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que identificou um desvio de finalidade.
Ramagem deixou a Abin para concorrer ao cargo de deputado federal pelo Rio de Janeiro.
O advogado da família Bolsonaro, Frederick Wassef, disse que o flagrante do agente perseguindo um investigado foi um “fato isolado” de “indivíduo que se encontrava ali por conta própria”.