O Ministério Público do estado do Pará (MPPA) enviou ofício à bolsonarista Damares Alves (Republicanos-DF), ex-ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, cobrando explicações sobre supostos crimes contra crianças.
No último sábado (8) durante um comício realizado em uma igreja da Assembleia de Deus em Goiânia, a ex-ministra afirmou, sem apresentar qualquer prova, que crianças na Ilha de Marajó (PA) seriam traficadas para serem estupradas em outros países.
“Eu vou contar uma história para vocês, que agora eu posso falar. Nós temos imagens de crianças brasileiras de três, quatro anos que, quando cruzam as fronteiras, os seus dentinhos são arrancados para elas não morderem na hora do sexo oral”, relatou. Ela disse ainda que as meninas e meninos comiam comida pastosa “para o intestino ficar livre na hora do sexo anal”, afirmou Damares durante o comício.
A ex-ministra disse também que os casos de estupros de recém nascidos explodiram nos últimos sete anos.
No público, estavam crianças que acompanhavam seus pais na igreja evangélica e foram expostas à perversidade da ex-ministra bolsonarista.
No culto que participou no domingo, Damares disse que estava em uma viagem com Jair Bolsonaro à ilha de Marajó para conhecer um programa de desenvolvimento social, o “Abrace o Marajó”, criado por sua pasta.
Segundo registros do próprio ministério a viagem ocorreu em outubro de 2020. Desde então a ministra já esteve outras vezes na ilha paraense, mas os casos mencionados por ela nunca foram divulgados. E agora sabemos que nem sequer denunciados ou investigados.
Em ofício, o MPPA ressaltou que nenhum dos fatos relatados foi encaminhado formalmente aos promotores de Justiça que atuam na região do Marajó. O órgão solicitou que sejam encaminhados, num prazo de 5 dias, o conjunto da documentação que Damares alegou ter visto.
Damares pode ter cometido crime de prevaricação ou de mentira eleitoreira, pois como sabendo de tamanha atrocidade, o governo não acionou a Polícia Federal. Como um inquérito não foi aberto para investigar esses crimes horrendos.
Ela precisa explicar por que o Ministério Público Federal jamais foi notificado. Onde estão essas crianças, se elas foram resgatadas, se os pais receberam algum tipo de assistência.
A Secretaria de Segurança Pública do Pará, que também poderia ter sido acionada por Damares, pelo Ministério, também disse que não recebeu nenhuma denúncia. “A Polícia Civil do Pará encaminhará ofício para que a ex-ministra repasse os conteúdos citados, para que sejam apurados minuciosamente, e que, ainda que de comunicação obrigatória por qualquer agente público que tome conhecimento, até o momento não foram denunciados”.
Nenhuma denúncia feita em 30 anos é semelhante ao citado, diz MPF
Segundo o Ministério Público Federal do Pará (MPF-PA), nenhuma denúncia feita ao órgão nos últimos 30 anos sobre tráfico de crianças na Ilha de Marajó é semelhante “às torturas citadas” por Damares.
De acordo com o MPF, de 2006 a 2015, em três inquéritos civis e um inquérito policial instaurados a partir de denúncias sobre supostos casos de tráfico internacional de crianças que teriam ocorrido desde 1992 no arquipélago de Marajó, no Pará, nenhuma das denúncias mencionou nada semelhante às torturas citadas pela ex-ministra bolsonarista.
Além disso, o MPF disse que os relatos que não tratam de tráfico infantil sejam encaminhados ao MPPA. O MPF do Pará disse estar aguardando informações da pasta à qual a senadora eleita pertenceu. “Até o início da tarde desta quinta-feira (13) o Ministério não havia apresentado resposta”, afirmou.
Nos últimos dias, as afirmações da senadora eleita fizeram com que ela se tornasse alvo de pedidos de esclarecimentos do Ministério Público Federal (MPR) e a Procuradoria-Geral da República (PGR) foi acionada contra ela, já que ela estaria como ministra na época dos crimes relatados por ela.
A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão estabeleceu um prazo de três dias, contando desde ontem, para que o Ministério da Mulher, da Família e dos Direito Humanos preste informações sobre todas as denúncias de violência contra crianças que recebeu desde 2016.
“Ouvi nas ruas”
Em entrevista à rádio Bandeirantes de São Paulo, nesta quinta-feira (13), Damares mudou a versão das denúncias. Segundo ela, os conteúdos citados surgiram com o “que ouviu nas ruas”.
“Isso tudo é falado nas ruas do Marajó, nas ruas da fronteira, no começo do meu vídeo eu falo Marajó porque é onde a gente começou um programa, mas o tráfico de crianças no Brasil acontece na fronteira. (…) Em áreas de fronteiras a gente ouve coisas absurdas como o tráfico de mulheres e de crianças. Essa coisa de quando as crianças saem dopadas e seus dentinhos são arrancados onde chegam (…)”.
“A ministra não tem acesso às coisas que chegam na ouvidoria. A ouvidoria encaminha diretamente ao Ministério Público, são dados sigilosos. O que eu falo no vídeo são as conversas que eu tenho com o povo na rua. Eu não tenho acesso, os dados são sigilosos”, disse.
Ao longo do dia, Damares deu diferentes versões sobre o surgimento das supostas denúncias, citando como origem CPIs (comissões parlamentares de inquérito) já encerradas, a ouvidoria do ministério e depoimentos de moradores da Ilha de Marajó (PA).
“Então, dizer que Damares descobriu e não denunciou é ao contrário. Damares anunciou o que já estava denunciado em três CPIs e pelo Ministério Público do Pará, que já investiga, há muitos anos, a exploração e o tráfico de crianças”, disse.
“Tudo o que chegou à ouvidoria nacional foi devidamente encaminhado ao Ministério Público. Quando assumimos, nós fizemos acordo de cooperação técnica com todos os Ministérios Públicos da fronteira e o Ministério Público Federal. As coisas que chegam à ouvidoria a ministra não têm acesso”, acrescentou.
Após ser questionada diversas vezes por mais detalhes, a ex-ministra passa a dizer que os casos estão em um inquérito sigiloso, e, por isso, não poderia dar mais informações. “Eu vou pagar o preço por muito tempo ainda de acharem que eu menti, mas é para preservar as investigações. Aguardem”, afirmou ao jornal Folha de S. Paulo.