Especialistas e diplomatas da Rússia e África do Sul se reuniram, na quarta-feira (25), no Clube Valdai de Discussões Internacionais em Moscou, para debater o fortalecimento das relações entre os países em meio ao novo contexto geopolítico.
“Já sabemos bem qual a moeda que não vamos usar nas nossas relações com a África: o dólar”, disse o Chefe do Secretariado do Fórum de Parceria Rússia-África, embaixador Oleg Ozerov, em entrevista à correspondente da Sputnik Brasil, Ana Livia Esteves. “Isso nos abre muitas possibilidades, como o uso das moedas nacionais […] o yuan e a moeda em discussão no BRICS”, afirmou durante o encontro.
No entanto, o embaixador acredita que hoje a Rússia deve focar no uso de moedas nacionais nas transações comerciais, uma vez que a moeda única do BRICS que facilitará transações entre Rússia e África na busca por um mundo multipolar “no qual os países sejam livres para implementar o modelo econômico que considerarem adequado, sem pressões externas”, é um projeto de médio a longo prazo.
“Precisamos trabalhar com mais convicção no uso do rublo […] e considerar o rand, que não é só a moeda nacional da África do Sul, mas de todos os países da União Aduaneira da África Austral”, salientou Ozerov.
MOEDA ÚNICA DO BRICS
O presidente russo, Vladimir Putin, assinalou em junho de 2022, que o BRICS terá “uma moeda de reserva internacional com base na cesta de moedas dos nossos países”.
O projeto de criar uma moeda única do BRICS deve ganhar força em meio ao aumento do uso de sanções econômicas como instrumento de pressão geopolítica por parte de países que apóiam a política dos EUA.
Esse tipo de moeda seria utilizado exclusivamente para transações comerciais internacionais, e não substituiria as moedas nacionais dos países-membros. O projeto em debate nos BRICS tem como objetivo diminuir a dependência do dólar e coincide com o que o presidente Lula defendeu em visita à Argentina, nesta segunda-feira 23. Em conversa com jornalistas ao lado do presidente argentino Alberto Fernandez, Lula assinalou: “Se dependesse de mim, a gente teria comércio exterior sempre nas moedas dos outros países para que a gente não tenha que depender do dólar. Por que não tentar criar uma moeda comum entre os países do Mercosul? Por que não tentar criar uma moeda comum entre os países do BRICS?”
RELAÇÕES ENTRE RÚSSIA E ÁFRICA DO SUL
Durante visita à África do Sul, na segunda-feira (23), o Ministro das Relações Exteriores da Rússia, Serguei Lavrov, elogiou a resistência sul-africana às pressões exercidas pelos países hostis à Moscou.
“Apreciamos e respeitamos muito a posição de todos os nossos parceiros que, em situações como esta, não se guiam pelas ordens das antigas potências coloniais e por aqueles que gostariam de exercer o domínio, mas sim pelos seus legítimos interesses nacionais”, considerou o chanceler.
A África do Sul, que ocupa a presidência do BRICS em 2023, se absteve em grande parte das votações sobre o conflito na Ucrânia na Assembleia Geral da ONU, mas denunciou sofrer pressão de diplomatas ocidentais para reverter seu posicionamento.
“De alguns de nossos parceiros da Europa e de outros lugares, houve uma sensação de bullying paternalista – ‘Faça isso ou então verá'”, denunciou a ministra das Relações Exteriores da África do Sul, Naledi Pandor, durante conferência de imprensa conjunta com seu homólogo norte-americano, Anthony Blinken, em agosto de 2022.
Durante os debates no Clube Valdai de Discussões Internacionais, o pesquisador do Instituto de Diálogo Global da Universidade da África do Sul (UNISA, na sigla em inglês), Mikatekiso Kubayi, também elogiou a resiliência russa, na quarta-feira (25).
“O ponto forte da Rússia é que, apesar dos desafios e sanções, ela é resiliente e autoconfiante”, disse Kubayi. “Esses são traços que não só a África do Sul, mas todo o Sul Global, devem ter em mente.”
Já o diretor-geral do instituto sul-africano de pesquisas econômicas da Universidade Técnica de Tswane, Rasigan Maharajh, disse que seu país reconhece o papel do povo russo na liberação do país do regime de racismo institucionalizado do apartheid.
“A partir da década de 1960, a África do Sul pôde contar com o apoio da URSS na luta contra o apartheid, que foi oferecido de maneira incondicional”, assinalou Maharajh. “Isso é até hoje muito apreciado pelos povos do nosso território”, sublinhou.
“A Rússia está junto com a África do Sul nesse contexto histórico, não só pelo passado conjunto de luta contra o racismo e autodeterminação dos povos […] mas também pela nossa visão comum de futuro. Queremos um mundo multipolar […] no qual os países sejam livres para implementar o modelo econômico que considerarem adequado, sem pressões externas”, concluiu o embaixador Ozerov, mostrando que a coordenação política entre Pretória e Moscou no nível estatal segue afinada, conforme o conflito ucraniano se aproxima de completar seu primeiro ano.