Sem autorização do Conselho de Segurança da ONU, os EUA arrastaram 19 países para um bombardeio assassino a um país europeu por 78 dias, matando 2.500 civis
Em 24 de março de 1999, teve início a agressão da Otan contra a Sérvia, ou seja, a República Federativa da Iugoslávia. A ordem do ataque foi dada pelo espanhol Javier Solana, então secretário-geral da Otan, e pelo general norte-americano Wesley Clark, não tendo a aprovação do Conselho de Segurança da ONU.
Em discurso, Bill Clinton dava a mesma justificativa de sempre para as invasões americanas: Queridos americanos, hoje nossas forças armadas estão juntas com os aliados da Otan em ataques contra forças sérvias, responsáveis pela brutalidade no Kosovo. Nós temos agido com determinação por várias razões. Agimos para proteger milhares de pessoas inocentes em Kosovo pela ação militar ofensiva. Agimos para impedir uma guerra mais longa para desarmar o barril de pólvora no coração da Europa que explodiu duas vezes neste século, causando resultados catastróficos. Agimos em união com nossos aliados para a paz, agindo agora nós estaremos defendendo nossos valores, protegendo nossos interesses e avançando na causa da paz.(…)
Naquela mesma noite, o primeiro-ministro britânico Tony Blair repetiu o cinismo de Clinton e disse que a agressão da Otan foi realizada porque “o povo do Kosovo” pediu. Para esclarecer que por “o povo do Kosovo” ele se refere aos albaneses do Kosovo.
Estima-se que em julho de 1998, o chamado KLA (Exército de Libertação do Kosovo), uma organização terrorista de albaneses do Kosovo (terroristas islâmicos), que na época, estimulados pela CIA, cometeram vários crimes, controlava aproximadamente 40 por cento do Kosovo e Metohija. Estima-se que ele compreendia mais de 20.000 pessoas. Nesse período, eles controlavam as áreas rurais e bloqueavam as estradas. Os ataques contra a polícia, que tentava monitorar as vias de trânsito, pontos importantes, instalações e ambientes urbanos, aconteciam diariamente.
O Exército Iugoslavo foi forçado a ajudar a polícia do Kosovo durante a libertação de Dečani em junho de 1998 e Orahovac em julho de 1998. Em outubro, a polícia conseguiu libertar várias aldeias na parte central da província.
O Conselho da Aliança do Atlântico Norte (OTAN) em 12 de outubro de 1998 havia tomado uma decisão sobre a adoção da ordem de intervenção. Um acordo patrocinado por Slobodan Milošević foi assinado no dia seguinte. Foi planejado reduzir o número de soldados do Exército iugoslavo no território de Kosovo e Metohija para o número do início de 1998. Foi acordado que os observadores da OSCE monitorariam de perto a situação, ou seja, o processo de paz em Kosovo e Metohija. Mesmo assim o Ocidente atacou.
Antes do ataque houve uma dura campanha contra a Sérvia na mídia ocidental; houve uma avalanche de informações falsas sobre os acontecimentos em Kosovo e Metohija. No livro “Modern Warfare”, Wesley Clark revelou posteriormente que o planejamento da agressão da Otan contra a República Federal da Iugoslávia “estava bem avançado em meados de junho de 1998” e que tudo foi decidido alguns meses depois.
Depois que o parlamento sérvio confirmou que não aceitava a decisão da Otan de manter tropas estrangeiras em seu território e propôs que as forças das Nações Unidas monitorassem o acordo de paz em Kosovo e Metohija, a Otan finalmente decidiu iniciar ataques aéreos.
A Iugoslávia acabou atacada, acusada de ser culpada pela “catástrofe humanitária” no Kosovo e em Metohija. Em Janeiro de 1999, o diplomata norte-americano William Walker, intimamente ligado à CIA, organizou, juntamente com os combatentes albaneses, uma provocação na aldeia kosovar de Racak, isso serviria de pretexto para iniciar a agressão.
Segundo o primeiro comunicado do Estado-Maior do Exército Iugoslavo, no dia 24 de março, por volta das 8h45, mais de vinte pessoas foram atacadas. O primeiro míssil caiu no quartel Prokuplje às 19h53. Isso foi seguido por um ataque a Priština, Kuršumlija e Batajnica.
Nessa mesma tarde, o presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, anunciou a necessidade de “demonstrar a seriedade da Otan na sua oposição à repressão”, sublinhando a necessidade de “intimidar a Sérvia e a Iugoslávia” e “destruir as capacidades militares da Sérvia”, de modo que, segundo disse, a “impedir ação contra os albanes kosovares”.
Dezenove países da Otan começaram a bombardear de navios no Adriatico, bem como de quatro bases aéreas na Itália. Em primeiro lugar, a defesa antiaérea e outras instalações do exército iugoslavo foram atacadas.
Segundo dados do Ministério da Defesa da Sérvia, 2.500 civis foram mortos durante a agressão aérea da Otan, incluindo 89 crianças e 1.031 membros do exército e da polícia. Segundo a mesma fonte, cerca de 6.000 civis ficaram feridos, dos quais 2.700 crianças, bem como 5.173 militares e policiais, e 25 desapareceram.
Segundo informações dos sérvios, até 10 de junho foram registradas 18.168 decolagens aéreas. Segundo fontes da Otan, houve 38.004 ondas aéreas, das quais 10.484 foram ações de fogo, enquanto as demais foram de reconhecimento, antiaéreas e petroleiros. Inicialmente, cerca de 70 aviões de combate participavam diariamente das operações, e posteriormente esse número chegou a 400 diariamente.
Nestes 24 anos do ataque criminoso da OTAN/EUA à Iugoslávia, trazemos a palestra de John Pilger, intitulada “Não esqueçam a Iugoslávia”, publicada no HP
NÃO ESQUEÇAM A IUGOSLÁVIA
JOHN PILGER*
Os segredos do esmagamento da Iugoslávia que estão a emergir contam-nos muito sobre como o mundo moderno é policiado. A antiga promotora chefe do Tribunal Penal Internacional em Haia, Carla Del Ponte, este ano publicou as suas memórias: The Hunt: Me and War Criminal (A caça: eu e os criminosos de guerra). Quase ignorado na Grã-Bretanha, o livro revela verdades intragáveis acerca da intervenção ocidental no Kosovo, a qual tem ecos no Cáucaso.
O tribunal foi montado e financiado principalmente pelos Estados Unidos. O papel de Del Ponte era investigar os crimes cometidos quando a Iugoslávia foi desmembrada na década de 1990. Ela insistiu em que isto incluía os 78 dias de bombardeamentos da Sérvia e do Kosovo pela Otan em 1999, os quais mataram centenas de pessoas em hospitais, escolas, igrejas, parques e estúdios de televisão, e destruíram infraestruturas econômicas. “Se eu não puder [processar pessoal da Otan]”, disse Del Ponte, “devo renunciar à minha missão”. Foi uma impostura. Sob a pressão de Washington e Londres, foi abandonada uma investigação dos crimes de guerra da Otan.
Os leitores recordarão que a justificação para o bombardeamento da Otan era que os sérvios estavam a cometer “genocídio” na província secessionista do Kosovo contra pessoas de etnia albanesa. David Scheffer, embaixador itinerante estado-unidense para crimes de guerra, anunciou que até “225 mil homens de etnia albanesa entre os 14 e os 59 anos” poderiam ter sido assassinados. Tony Blair invocou o Holocausto e “o espírito da Segunda Guerra Mundial”. Os heroicos aliados do ocidente eram o Kosovo Liberation Army (KLA), cujo registro de assassínios foi posto de lado. O secretário britânico de Negócios Estrangeiros, Robin Cook, disse-lhes para contactá-lo a qualquer momento pelo seu telemóvel.
Acabado o bombardeio da Otan, equipes internacionais caíram sobre o Kosovo para exumar o “holocausto”. O FBI fracassou em descobrir um único cemitério em massa e voltou para casa. A equipe de perícia forense espanhola fez o mesmo, seu líder iradamente denunciou “uma pirueta semântica das máquinas de propaganda de guerra”. Um ano mais tarde, o tribunal de Del Ponte anunciou a contagem final dos mortos no Kosovo: 2.788. Isto incluía combatentes de ambos os lados e sérvios e ciganos assassinados pelo KLA. Não houve genocídio no Kosovo. O “holocausto” era uma mentira. O ataque da Otan fora fraudulento.
Isto não era tudo, diz Del Ponte no seu livro: o KLA sequestrou centenas de sérvios e transportou-os para a Albânia, onde os seus rins e outras partes do corpo foram removidos, sendo então vendidos para transplantes em outros países. Ela também diz que havia prova suficiente para processar kosovares albaneses por crimes de guerra, mas a investigação “foi travada desde o princípio” de modo que o foco do tribunal seriam “crimes cometidos pela Sérvia”. Ela diz que os juízes de Haia foram aterrorizados com os kosovares albaneses – as mesmas pessoas em cujo nome a Otan atacou a Sérvia.
Na verdade, mesmo quando Blair, o líder da guerra, estava numa viagem triunfante no Kosovo “libertado”, o KLA efetuava a limpeza étnica de mais de 200 mil sérvios e ciganos daquela província. Em fevereiro último a “comunidade internacional”, conduzida pelos EUA, reconheceu o Kosovo, o qual não tem economia formal e é dirigido, com efeito, pelas gangs criminosas que traficam drogas e mulheres. Mas o Kosovo tem um ativo valioso: a base militar estadunidense de Camp Bondsteel, descrita pelo comissário de direitos humanos do Conselho da Europa como “uma versão mais reduzida de Guantánamo”. A Del Ponte, uma diplomata suíça, foi dito pelo seu próprio governo para parar de promover o seu livro.
A Iugoslávia era uma federação independente e multi-étnica, ainda que imperfeita, que se posicionou como uma ponte política e econômica durante a Guerra Fria. Isto já não era aceitável para a Comunidade Europeia em expansão, especialmente com a Alemanha, a qual principiara um esforço para o Leste a fim de dominar o seu “mercado natural” nas províncias iugoslavas da Croácia e da Eslovênia.
No momento em que os europeus se encontravam em Maastrichet, em 1991, um acordo secreto fora lavrado; a Alemanha reconhecia a Croácia e a Iugoslávia era condenada. Em Washington, os EUA asseguravam que à esforçada economia iugoslava fossem negados empréstimos do Banco Mundial e a defunta Otan foi reinventada como o agente de força. Numa conferência sobre a “paz” no Kosovo, em 1999 na França, foi dito aos sérvios para aceitarem a ocupação pelas forças da Otan e uma economia de mercado, ou seriam bombardeados até à submissão. Foi o precursor perfeito dos banhos de sangue no Afeganistão e no Iraque.
*É jornalista premiado, escritor e cineasta. Foi correspondente de guerra em 6 países e destacou-se, também, pelos livros que escreveu e documentários que dirigiu ou produziu. É australiano e vive no Reino Unido