Espirituosa, irreverente, dona de uma ironia rascante, mas cheia de graça e humor, esbanjando alegria e cores por todos os poros e canções, tão ao nosso jeito de ser. Por isso talvez ouvir chamar Rita Lee de “rainha do rock brasileiro” sempre me pareceu uma tremenda redução, título que, aliás, ela mesma considerava “cafona”.
Sei que para os amantes do gênero isso pode parecer uma heresia, ou mesmo para os conhecedores de estilos musicais. Mas porque diabos estou eu aqui falando sobre isso…? Essa necessidade que temos de rotular, quando a morte alcança algumas pessoas que admiramos, como se pudéssemos resumir em uma única sentença algumas personalidades que, exatamente por serem únicas, não podem ser resumidas, muito menos rotuladas.
“Rainha do rock”, “rainha da irreverência”, “padroeira da liberdade” – como ela mesma se dizia –, “rainha do disco”, pois em termos de álbuns vendidos no Brasil só ficou atrás de Tonico & Tinoco, Roberto Carlos e Nelson Gonçalves… Melhor mesmo não rotular.
Outros perguntarão ainda, como uma vez ouvi, “mas que importância toda tem essa cantora de rock, e ainda por cima, rock brasileiro?”.
Difícil responder. Talvez pela incrível criatividade e anti-autopiedade de manifestar claramente sua posição política, no ano passado, ao apelidar de “Jair” o câncer que a mataria. Ou ser uma feminista nas letras de suas canções e na vida, de forma leve, sem chatices, amante de sua condição feminina, a ponto de declarar em uma entrevista que “se for para reencarnar novamente aqui na Terra vou querer ser mulher… Temos conquistas pela frente e aos poucos vamos tomando o poder a que temos direito”.
Ou talvez pelas composições de letras tão deliciosamente amorosas e despretensiosas, sem um pingo de pieguice ou arroubo, muitas delas compostas com o músico Roberto de Carvalho, com quem foi casada por 57 anos, como quando canta:
“O vírus do amor/ Dentro da gente/ Beira o caos/ 42 graus de febre contente// Prisioneiros de um arranha-céu/ Lá embaixo o mundo cruel é tão chatinho// Você é toda a minha munição/ Não negue fogo pro meu coração”.
Ou ainda, simplesmente, pela capacidade de transformar, com sua música, qualquer festa insossa de casamento, batizado, ou aniversário, em uma verdadeira festa, de celebração à vida, à alegria e aos ritmos que, aliás, em sua obra passeiam muito além do rock.
Talvez por ter sido a Rita Lee, que fazendo ironia com a própria morte, escreveu em sua autobiografia: “Quando eu morrer, posso imaginar as palavras de carinho de quem me detesta. Algumas rádios tocarão minhas músicas sem cobrar jabá, colegas dirão que farei falta no mundo da música, quem sabe até deem meu nome para uma rua sem saída. Os fãs, esses sinceros, empunharão capas dos meus discos e entoarão ‘Ovelha negra’, as TVS já devem ter na manga um resumo da minha trajetória para exibir no telejornal do dia e uma notinha no obituário de algumas revistas há de sair”.
Assim, representando um estilo único na música brasileira, para sempre, simplesmente, Rita Lee – melhor ouvir, e relaxar, e dançar…
ANA LUCIA