De acordo com levantamento realizado pela organização Eko, multinacionais como Unilever, Mitsubishi, Panasonic e até a Unicef (fundo da ONU de defesa das crianças) veiculam informações falsas sobre desmatamento e incêndios na Amazônia em anúncios de suas marcas em vídeos do YouTube.
De acordo com o levantamento, diversas empresas estão inadvertidamente financiando canais que propagam teses mentirosas sobre o meio ambiente. Entre as companhias que anunciam esses vídeos do YouTube, também estão presentes Pão de Açúcar, Quinto Andar, Evino, Localiza e Eucerin.
No canal VLOG Silvano Silva,no Youtube, que possui 275 mil inscritos, é veiculado o vídeo intitulado “Bolsonaro Reage A Queimadas na Amazônia”, o qual contém anúncios da Panasonic e da Localiza. Nesse vídeo, o youtuber afirma que as ONGs que participam da preservação ambiental da região amazônica são controladas por “índios” que têm a intenção de enriquecer e manter outras tribos na pobreza. Ele também nega a veracidade das invasões a terras indígenas e dos assassinatos, além de propagar informações falsas sobre os incêndios de 2019, afirmando que estava no mesmo nível de 15 anos atrás e que a NASA teria negado qualquer anomalia – todas essas informações são mentirosas .
De acordo com a assessoria da Panasonic, a empresa não tinha conhecimento da veiculação de seus anúncios nesse canal e estão agora conduzindo uma revisão de suas estratégias de mídia programática.
A Localiza disse que direciona seus investimentos publicitários “em espaços não associados a discursos políticos”. “Porém, a configuração dos algoritmos na mídia programática traz complexidade a esse ambiente digital”.
No YouTube, os anunciantes têm a opção de bloquear antecipadamente anúncios em canais específicos. Embora recebam detalhamentos dos canais onde seus anúncios estão sendo exibidos, é necessário realizar revisões manuais frequentes para garantir que nenhum canal em desacordo com suas políticas e valores seja incluído.
Entre maio e junho de 2023, a Ekõ realizou um levantamento que identificou 50 vídeos relacionados à Amazônia e às mudanças climáticas, sendo 31 deles monetizados. Esses vídeos, contendo desinformação, dados fora de contexto ou teorias da conspiração, alcançaram 4 milhões de visualizações e exibiram anúncios de 120 anunciantes diferentes.
Quando contatado, o YouTube afirmou que os vídeos identificados no levantamento não violam suas políticas. A plataforma proíbe a monetização de conteúdo e anúncios que contradigam o consenso científico sobre a existência e as causas das mudanças climáticas. “Isso inclui material que se refere às alterações no clima como se fossem mentira ou um golpe, afirmações negando que as tendências de longo prazo mostram um aumento na temperatura global, e dizendo que as emissões de gases do efeito estufa ou as atividades humanas não contribuem para esse cenário.”
O Yotube ainda afirmou que segue permitindo anúncios e monetização de outros temas relacionados ao clima, como debates públicos sobre políticas climáticas, impactos dessas mudanças, e pesquisas recentes.
A Ekõ criticou a política do YouTube. “O Google [dono da plataforma de vídeos] deve revisar e ampliar sua definição de desinformação climática, que atualmente é muito restrita. A definição atual não consegue abranger toda a gama de conteúdo prejudicial que obstrui a ação global para combater as mudanças climáticas”, diz o relatório.
O apresentador Alexandre Garcia, com 2,5 milhões de inscritos em seu canal, apresenta um vídeo intitulado “As verdades sobre as fake news da Amazônia”, no qual há um anúncio do Pão de Açúcar. Neste vídeo, é afirmado que a floresta amazônica não pode queimar antes de outubro, insinuando que os incêndios relatados fora desse período são falsos. Essa informação é equivocada, uma vez que muitos incêndios são precedidos por desmatamento, onde agricultores derrubam e queimam árvores para limpar o terreno, resultando, às vezes, em incêndios incontroláveis.
Além disso, em outro vídeo intitulado “Fogaréu de mentiras sobre a Amazônia”, ele afirma que a Amazônia não queima devido à sua alta umidade, o que também não é verdade.
O Pão de Açúcar diz, em seu site, que o “combate às mudanças climáticas” é um de seus pilares estratégicos. Procurada, a empresa disse que “já solicitou a paralisação da veiculação da campanha nos veículos digitais e a imediata revisão dos critérios que definem a compra e distribuição de mídia da marca para que estejam em linha com as diretrizes e compromissos assumidos pela companhia.”
No canal do apresentador Sikera Junior, com 5,42 milhões de inscritos, são exibidos anúncios de empresas como Unilever (shampoo ClearMen), Eucerin e Mitsubishi. Em um de seus vídeos, o apresentador diz que a diminuição dos registros de incêndios na Amazônia acontece porque a imprensa suborna para evitar a divulgação do assunto. De forma alarmante, ele insinua que “o pessoal é louco para tomar isso aqui de nós”, referindo-se à teoria da conspiração de que estrangeiros têm interesse em se apropriar da Amazônia.
A Mitsubishi afirmou que “não compactua com esse tipo de conteúdo” e disse não ter conhecimento de que seus anúncios estavam sendo veiculados em canais como esse. A Unilever afirmou que “repudia a propagação de fake news e reafirma seu compromisso com a informação verdadeira”. “A companhia informa que o anúncio já foi retirado e que mantém uma política de segurança rígida para suas marcas.”
O YouTube permite que os anunciantes escolham um tipo específico de anúncio para sua plataforma. No entanto, a equipe do Quinto Andar explica que é necessário realizar uma minuciosa revisão manual da lista de canais em que os anúncios estão sendo exibidos. Às vezes, eles só percebem que seus anúncios estão sendo exibidos em canais com desinformação após receber alertas de usuários.
Os anúncios da Unicef foram exibidos em um vídeo do canal de Sikera Júnior, onde o apresentador acusa uma ONG de iniciar incêndios na Amazônia para obter doações internacionais. No entanto, mais tarde, foi descoberto que as queimadas eram organizadas por fazendeiros do Pará, e o Ministério Público arquivou o inquérito sobre a ONG.
“A Unicef ressalta que não concorda com a veiculação de seus anúncios ou outros conteúdos em nenhum veículo que dissemina desinformação, fake news e discursos de ódio.”
A organização listou as diretrizes adotadas para evitar que seus anúncios sejam veiculados em conteúdos sensíveis ou que não estão de acordo com os valores da organização. “Infelizmente, mesmo com todas essas medidas, nosso sistema não havia identificado que o anúncio havia sido incluído no conteúdo citado. Assim que recebemos o alerta, o conteúdo e o canal Sikera Junior foram negativados.”